Página 376 da Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte I do Diário de Justiça do Estado de São Paulo (DJSP) de 15 de Março de 2017

nos pontos de embarque e desembarque, argumentando que o autor deveria solicitar o atendimento de um veículo adaptado. Assinalou que já solicitou por diversas vezes, junto à ré, a inclusão de seu nome na lista de passageiros de ônibus adaptados, no entanto, sempre teve seu pedido negado por excesso de passageiros e falta de vagas. Ao final, requereu seja a ré condenada a lhe pagar indenização por danos morais, cujo valor sugere seja arbitrado em R$ 35.200,00 (fls. 01/09). Juntou documentos (fls. 10/16).Devidamente citada, a requerida ofertou contestação. Alegou que os fatos alegados na inicial são inverídicos e que não estão presentes os pressupostos (elementos) caracterizadores da responsabilidade civil. Requereu a improcedência do pedido formulado na inicial (fls. 28/32). Juntou documentos (fls. 33/46).Réplica às fls. 51/55.Saneado o feito, foi deferida a produção de prova oral, fixando como ponto controvertido a existência dos constrangimentos enfrentados pelo autor e a falha na prestação de serviço pela requerida (fl. 63).Durante a instrução, o autor desistiu do depoimento pessoal do representante legal da requerida. Ademais, não foram colhidos os depoimentos das testemunhas arroladas pelo autor (que não compareceram ao ato) e pela ré (que foram arroladas fora do prazo legal) (fl. 73).Encerrada a instrução (fl. 73), apenas a requerida apresentou alegações finais escritas, reiterando suas manifestações anteriores (fls. 74/79).É o relatório. Fundamento e decido.II FUNDAMENTAÇÃO1. Inicialmente, cabe destacar que a relação jurídica estabelecida entre o requerente e a requerida é tutelada pelo Código de Defesa do Consumidor (porquanto a requerida é típica fornecedora do serviço de transporte público, que têm como destinatário final o autor), bem como pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei n.º 13.146/2015). Nesse sentido, é o seguinte precedente o Superior Tribunal de Justiça:[...] 3. As concessionárias de transporte coletivo sujeitam-se à Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, a qual, ao tratar do direito ao transporte da pessoa com deficiência ou mobilidade reduzida, estabelece a igualdade de acesso entre todos, vedando-se obstáculos e barreiras que impeçam ou dificultem o gozo desse direito (art. 46, §§ 1º e , e art. 48 da Lei n. 13.146/2015). 4. Paralelamente ao contrato de prestação de serviço público celebrado com a Administração, as concessionárias de transporte coletivo também são fornecedoras no mercado de consumo, o que envolve a responsabilidade pelo fornecimento de serviços com adequação, eficiência, segurança e, se essenciais, continuidade (art. 22, caput e parágrafo único, do CDC). [...] (STJ REsp 1595018/RJ, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/08/2016, DJe 29/08/2016 grifo meu) 2. No caso dos autos, discute-se a responsabilidade civil do fornecedor pelo fato do serviço.A responsabilidade civil da concessionária de serviço público de transporte coletivo é objetiva, nos termos do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal, e dos artigos 14 e 22 do Código de Defesa do Consumidor, in verbis:Art. 37. § 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscosArt. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código.O supra citado artigo 14 da Lei n.º 8.078/1990 estabelece a responsabilidade objetiva do fornecedor (o que inclui o concessionário de serviço público) na hipótese de defeito na prestação do serviço, atribuindo-lhe o dever de reparar os danos sofridos pelo consumidor, desde que demonstrado o nexo de causalidade entre o defeito do serviço e o acidente de consumo (fato do serviço). Nos termos do § 1º, do artigo 14, do CDC, “O serviço é defeituoso quando não oferece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: I o modo de seu fornecimento; II o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam; III - a época em que foi fornecido” (grifo meu). Nesse caso, a utilização do serviço é capaz de gerar riscos à segurança do consumidor ou de terceiros, podendo ocasionar um evento danoso denominado acidente de consumo. Ao contrário do que ocorre na hipótese de vício do serviço (em que o prejuízo é intrínseco ao serviço prestado, que apenas está em desconformidade com o fim a que se destina), no fato do serviço o prejuízo é extrínseco, pois a inadequação deste atinge a incolumidade físico-psíquica do consumidor, causando-lhe danos materiais, morais ou estéticos. Especificamente no que tange ao contrato de transporte, o fornecedor/transportador tem o dever de levar o consumidor/ transportado incólume até o seu destino, nos termos do artigo 730 do CC. Cuida-se da chamada cláusula de incolumidade, que impõe à concessionária do serviço de transporte público zelar pela segurança, higiene e conforto do usuário durante todo o itinerário, tendo este último os seguintes direitos: a) de ser transportado com pontualidade, segurança, higiene e conforto, do início ao término da viagem; b) de ser atendido com urbanidade pelos prepostos da transportadora e pelos agentes de fiscalização; c) de receber da transportadora informações acerca das características dos serviços, tais como horários, tempo de viagem, localidades atendidas, preço de passagem e outras relacionadas com os serviços (incisos VI, VIII e X do Decreto n. 2.521/1998, que regula a exploração, mediante permissão e autorização, de serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros).Importante destacar que a responsabilidade objetiva dos fornecedores de produtos e serviços gera a chamada inversão ope legis do ônus da prova. Ao contrário da inversão ope judicis do ônus da prova, prevista no artigo , inciso VIII, do CDC, a inversão ope legis é automática e decorre da lei, estando expressamente prevista nos artigos 12, § 3º, II, 14, § 3º, I, e 38, todos do CDC. Na realidade, “tecnicamente, não há inversão do ônus da prova, uma vez que, desde o princípio, é a lei que institui a quem caberá o encargo probatório de determinado fato. [...] o CDC, no § 3º, II, do art. 12 e § 3º, I, do art. 14, atribui ao fornecedor o ônus de provar que não existe defeito no produto e serviço. Nesse sentido, o defeito é presumido, bastando o consumidor demonstrar o dano e o nexo causal com o produto e o serviço adquiridos” (GARCIA, Leonardo de Medeiros. Direito do Consumidor: Lei n.º 8.078/1990. Coleção Leis Especiais para Concursos. 9 ed. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 92 grifo meu).Destarte, o consumidor não tem a obrigação de comprovar o dolo ou a culpa do fornecedor nas hipóteses de vícios ou defeitos dos produtos ou serviços colocados no mercado de consumo. Basta que ele demonstre o dano ocorrido e a relação de causalidade entre o prejuízo e o produto ou serviço adquirido. A intenção do legislador foi clara: facilitar a tutela dos direitos do consumidor, bem como a reparação integral dos danos.Por seu turno, o fornecedor/transportador tem o ônus provar quaisquer das excludentes de responsabilidade (previstas no artigo 14, § 3º, do CDC, c/c artigos 734 e 735, ambos do Código Civil), quais sejam: a) a inexistência de defeito do serviço; b) culpa exclusiva do consumidor; e c) caso fortuito ou força maior.3. Analisando os autos, verifico que estão presentes os elementos (pressupostos) da responsabilidade civil do fornecedor de serviços, quais sejam: a) ato ilícito: todo fato, conduta humana ou evento, contrário ao ordenamento jurídico, imputável a alguém que tenha a capacidade de praticá-lo; b) dano ou prejuízo: fato jurídico desencadeador da responsabilidade civil (pois não há responsabilidade civil sem dano), consistente na lesão a um interesse (patrimonial, extrapatrimonial, individual ou metaindividual) merecedor de tutela, devendo ser certo, atual, pessoal e direto; e c) nexo de causalidade: liame que vincula a atividade do ofensor com o prejuízo causado ao ofendido, de modo que, sem aquela atividade, não se teria provocado o resultado.Com efeito, o autor se desincumbiu do ônus de demonstrar o dano moral, bem como o nexo de causalidade entre o prejuízo que suportou e a conduta ilícita da requerida. A ré, por sua vez, não se desincumbiu do ônus de provar quaisquer das excludentes de responsabilidade prevista nos artigos 14, § 3º, do CDC, e 734 e 735, ambos do CC, em especial a inexistência de defeito e a

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