Decido. Preliminarmente, verifica-se o regular desenvolvimento do processo segundo as disposições do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e do Código de Processo Civil (CPC) aplicáveis, não havendo falhas ou nulidades que maculem a sua validade. Vale ressaltar que a nova Lei 12.010/2009 instituiu a obrigatoriedade dos pretensos adotantes figurarem num Cadastro Nacional mediante prévio processo de habilitação (arts. 50, 197-A e seguintes do ECA), excepcionando o deferimento de adoção a pretendentes não cadastrados somente quando: I - se tratar de pedido de adoção unilateral; II - for formulado por parente com o qual a criança ou adolescente mantenha vínculos de afinidade e afetividade; III - oriundo o pedido de quem detém a tutela ou guarda legal de criança maior de 3 (três) anos ou adolescente, desde que o lapso de tempo de convivência comprove a fixação de laços de afinidade e afetividade, e não seja constatada a ocorrência de má-fé ou qualquer das situações previstas nos arts. 237 ou do 238 do ECA . Estas três hipóteses estão previstas no § 13 do art. 50 do ECA, com redação dada pela nova Lei 12.010/2009, não estando o caso dos autos contemplado. Contudo há de se interpretar a Lei 8.069/90 levando-se em conta os fins sociais a que ele se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento, como preconizado no seu art. 6º do ECA. O estudo psicossocial realizado pela equipe técnica da comarca de Rio Bonito/RJ revela que o casal requerente rompeu a união que tinham, sendo narrado pela requerente que Jairo participou de todo o processo, e que há um laço de afetividade entre ele e a adotanda muito grande, que o requerente vem a cada três ou quatro meses visitar a adotanda, e além disso liga quase todos os dias para conversar e saber suas notícias. Revela ainda que não foram encontrados quaisquer elementos que viessem a desabonar a conduta da requerente, nem de seus familiares nos cuidados com a adotanda, concluindo que a infante está sendo assistida satisfatória e positivamente dentro da perspectiva de um desenvolvimento psicossocial condizente com os preceitos legais. Assim não se pode olvidar essas circunstâncias, pois a criança encontra-se plenamente integrada no seio familiar dos requerentes e arrancar-lhes a criança para entregá-la a terceiros a fim de obedecer a ordem de inscrição no Cadastro Nacional é negar a história de vida dessa criança que desde o nascimento está ligada a vida dos requerentes, sendo que tal atitude causaria um trauma para ambos, entre inúmeras outras consequências negativas. Para atender os fins sociais e as exigências do bem preconizados pelo ECA impõe-se banir toda e qualquer forma de adoção espúria, ilegítima, onde as crianças servem como meros objetos para os interesses dos adultos. Não é este o caso dos autos. Portanto, a despeito da previsão contida no § 13 do art. 50 do ECA, com redação dada pela nova Lei 12.010/2009, o pedido merece a apreciação judicial. Verifica-se que não há nos autos nada formalizado por parte do requerente acerca de desistência da adoção, e conforme a requerente relata no estudo realizado, o mesmo visita frequentemente a adotanda, além de ligar quase todos os dias, demonstrando assim afeto com ela, e interesse na adoção, portanto estando legitimado a adoção. De acordo com o art. 39, § 1º, do ECA, a adoção é medida excepcional e irrevogável, à qual só se deve recorrer quando esgotados os recursos de manutenção da criança ou adolescente na família natural ou extensa. Infere-se daí que a lei não ignora a necessidade de zelar pelo fortalecimento dos vínculos familiares naturais, tampouco este Juízo. Os requerentes relataram as circunstâncias em que acolheram a adotanda e conviveram com a mesma durante o período em que está sob sua guarda. Também demonstraram idoneidade social, moral e emocional para adotar, sendo constatados pelo estudo psicossocial a adequação de seu ambiente familiar, entre outras condições que podem garantir o atendimento às necessidades vitais básicas da adotanda incluindo alimentação, saúde, lazer, vestuário, educação e formação moral, psicológica e emocional. Citando Leonardo Boff, Liberato Povoa em uma de suas sentenças concessivas de adoção consignou: "O homem é uma parábola de Deus. Se ele é comunhão, transcendência e abertura para outrem é porque reproduz, ao nível da criatura, o próprio modo de ser de Deus." Eis um sentido para a atitude da adotante: traduzir o próprio modo de ser de Deus se abrindo a receber em seu lar um pequeno ser, dar-lhe amor incondicional e oferecer-lhe o melhor de tudo que dispõe concebendo-o como filho . Destarte, atenta a tudo o mais que consta nos autos, com base nas disposições legais contidas nos arts. 24, 41, 42, 43 e 45 da Lei 8.069/90 - ECA -, por fundarse em motivo legítimo e apresentar reais vantagens para a adotanda, decreto a perda do poder familiar de RAIMUNDA SOUSA em relação à JORDANA VITÓRIA SOUSA , JULGANDO PROCEDENTE O PEDIDO formulado na inicial para atribuir à infante JORDANA VITÓRIA SOUSA a condição de filha de R OSANA DE FÁTIMA VELASCO MACHADO e JAIRO DE ABREU BORTMAN com todas as consequências jurídico-legais, inclusive a aquisição do sobrenome dos adotantes, passando a chamar-se RAQUEL MACHADO BORTMAN. Dispenso o estágio de convivência nos termos do § 1.º do art. 46 do ECA. Isento de custas nos termos do art. 141, § 2.º do ECA. P.R.I. Ciência ao M.P. Considerando o que dispõe o art. 199-A do ECA, com redação dada pela Lei 12.010/09, expeça-se o pertinente mandado para inscrição no Registro Civil como dispõe o art. 47 do ECA e, por consequência, o cancelamento do registro de nascimento original (§ 2.º do art. 47 do ECA). Santarém, 30 de julho de 2014. RAFAEL GREHS J uiz de Direito respondendo pela 7ª Vara Cível de Santarém.