Juntou os documentos de fls. 226/323, inclusive o processo de consignação legível. Instado a se manifestar, o Ministério Público Estadual entendeu ser desnecessária sua intervenção no feito. É o relatório. Fundamento e decido. Trata-se de ação de repetição de indébito na qual a controvérsia reside na possibilidade de a parte autora receber a restituição de tributo em virtude da suposta inexistência de fato gerador de ISS, por ter sido o serviço prestado por sócio ostensivo a sócio oculto/Sociedade em Conta de Participação. De início, vale destacar que ao contrário do que fora afirmado pelo demandado em sua contestação, o ingresso de demanda para restituição de indébito tributário, posteriormente à extinção do crédito em virtude de conversão de depósito em renda decorrente de ação de consignação de pagamento, não gera, por si só, o “venire contra factum proprium” (proibição ao comportamento contraditório). Isso porque as normas de Direito Tributário conferem liberdade para sujeito passivo questionar judicialmente tributo já pago, consoante se pode verificar no artigo 166 do CTN: Art. 165. O sujeito passivo tem direito, independentemente de prévio protesto, à restituição total ou parcial do tributo, seja qual for a modalidade do seu pagamento, ressalvado o disposto no § 4º do artigo 162, nos seguintes casos: I - cobrança ou pagamento espontâneo de tributo indevido ou maior que o devido em face da legislação tributária aplicável, ou da natureza ou circunstâncias materiais do fato gerador efetivamente ocorrido; II - erro na edificação do sujeito passivo, na determinação da alíquota aplicável, no cálculo do montante do débito ou na elaboração ou conferência de qualquer documento relativo ao pagamento; III - reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória. Assim, ao menos em tese, a autora estaria amparada pela lei tributária, tendo em vista que não há que falar em procedimento contraditório de contribuinte que efetua o pagamento de tributo e em seguida discute sua validade, mesmo que aquele tenha se efetuado por meio de consignação em pagamento. Passado esse ponto, antes de se enfrentar o cerne da questão propriamente dito, vale trazer à lume algumas lições acerca de alguns institutos fundamentais para o deslinde da demanda. No que tange à Sociedade em Conta de Participação, trata-se de espécie societária não personificada que “só existe internamente, ou seja, entre os sócios. Externamente, isto é, perante terceiros, só aparece o sócio ostensivo, o qual exerce, em seu nome individual, a atividade empresarial, e responde sozinho pelas obrigações contraídas”. Nesse mesmo sentido dispõe o artigo 991 do CC: Art. 991. Na sociedade em conta de participação, a atividade constitutiva do objeto social é exercida unicamente pelo sócio ostensivo, em seu nome individual e sob sua própria e exclusiva responsabilidade, participando os demais dos resultados correspondentes. Parágrafo único. Obriga-se perante terceiro tão-somente o sócio ostensivo; e, exclusivamente perante este, o sócio participante, nos termos do contrato social. Demais disso, “a constituição da sociedade em conta de participação independe de qualquer formalidade pode provar-se por todos os meios de direito” (artigo 992, CC) e “o contrato social produz efeito somente entre os sócios, e a eventual inscrição de seu instrumento em qualquer registro não confere personalidade jurídica à sociedade” (art. 993, CC). No âmbito tributário, Leandro Paulsen, aponta as seguintes características da SCP: “(...) perante os agentes do mercado em que a SCP atua, sua existência é irrelevante, neutra, porque o contratante juridicamente habilitado é o sócio ostensivo. Mas, perante o Fisco, a existência da SCP não pode ser tida como um fato indiferente, que não tem aptidão de produzir consequências jurídicas. (...) Após a edição do Decreto-Lei n. 2.303, as autoridaes fiscais não podem ignorar que a SCP é tida como pessoa jurídica para fins tributários. E por fins tributários ou fiscais, entenda-se a alocação de receitas e/ou despesas pelo sócio ostensivo que tenham relação direta com o empreendimento comum, objeto da conta de participação.” De outra banda, impende salientar ainda que o fato gerador do ISS encontra-se previsto no artigo 1º da LC 116/2003: “O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal tem como fato gerador a prestação de serviços constantes da lista anexa, ainda que esses não se constituam como atividade preponderante do prestador.” Fixadas essas premissas, vale destacar que a controvérsia da presente demanda possui ligação direta com a consignação em pagamento mencionada pela autora na exordial, tendo em vista que o que se pretende é justamente a repetição do valor discutido naquela ação. A par da complexidade e da confusa relação estabelecida entre a Sociedade em Conta de Participação, a sócia ostensiva (ora demandante) e o sócio oculto, chama especial atenção a afirmação da autora em sua réplica: “Vê-se logo no escorço fático trazido pela Demandada que esta confunde o objeto da presente lide, equivocando-se também quanto às relações mantidas pela Demandante com o Condomínio e com a Sociedade em Conta de Participação. Em verdade, a Demandante deixou bem claro em sua inicial que o objeto da presente lide não é a relação estabelecida com o Condomínio, mas sim entre ela e a SCP de que é sócia ostensiva. Isto é, o que se defende é a inexistência de ISSQN a ser recolhido sobre as atividades desenvolvidas pela Demandante em favor da SCP que integra, e não em favor do Condomínio.” (grifei) Ora, não é essa a conclusão a qual se pode chegar de uma leitura destes autos com os autos da ação de consignação em pagamento. Além da genérica narrativa no que tange à incidência do ISS ao qual se pretende a restituição, sem a especificação sobre qual serviço específico haveria a ausência de fato gerador, na ação de consignação em pagamento a autora se manifesta de maneira diametralmente oposta ao que se afirma no trecho supra transcrito. Vejamos: “5. Ao mesmo tempo, por força daquelas relações contratuais que mantém com o CONDOMÍNIO e com a MACEIÓ ATLANTIC SUÍTES - SCP, a consignante [ora autora] recebe remuneração pelos serviços prestados, sobre ela incidindo, igualmente, o referido imposto municipal. 6. Pela prestação do serviço de administração condominial, a Maceió Atlantic Administradora Hoteleira e Comercial Ltda. [ora demandante e sócia ostensiva] emite nota fiscal, tendo o Condomínio Maceió Doublé Reverse Flat [sócio oculto] como tomador; o pagamento feito é creditado em conta corrente específica da emitente, distinta das contas da Maceió Atlantic Suíte - SCP 7.Contudo, o ISSQN incidente sobre tal operação [resta evidente que a autora se refere à operação efetuada entre sócio oculto e sócio ostensivo, pessoas jurídicas diversas] vem sendo retido, desde julho de 2007, porém não é recolhido ao cofre do Município consignado, em virtude o sistema GISS-ON LINE, na configuração disponível ao contribuinte, não permite a emissão do documento de arrecadação destacado para essa operação” (grifei e destaquei) Com efeito, não resta dúvida de que a autora, na ação de consignação de pagamento julgada procedente (repise-se: sobre a qual se funda este pedido de restituição) pretendeu sim discutir a incidência do ISS sobre a prestação de serviços entre sócio ostensivo e sócio oculto, e não somente entre aquele e a Sociedade em Conta de Participação. Trata-se de uma questão de lógica. Primeiro: a autora pretende nesta demanda a restituição integral, acrescida de juros e correção monetária, de tributo pago em ação de consignação de pagamento anteriormente ajuizada. Segundo: A ação de consignação anteriormente ajuizada tratou do pagamento de ISS relativo a prestação de serviços entre sócio ostensivo e sócio oculto. Logo, a autora pretende, na presente demanda, se não a restituição total do ISS relativo à prestação de serviços entre sócio ostensivo e sócio oculto, boa parte dele. Nesse sentido, face à natureza jurídica da sociedade despersonificada sob comento e a necessidade da produção de seus efeitos no âmbito do Direito Tributário, notadamente entre sócios ostensivos e sócios ocultos, vale transcrever o entendimento adotado pela Secretaria Municipal Adjunta de Arrecadações de Belo Horizonte: “ISSQN - SERVIÇOS PRESTADOS POR SÓCIO OSTENSIVO AOS DEMAIS PARTICIPANTES DE SOCIEDADE POR CONTA DE PARTICIPAÇÃO - INCIDÊNCIA DO IMPOSTO - EMISSÃO DE NOTAS FISCAIS DE SERVIÇOS. O sócio ostensivo de Sociedade por Conta de Participação (SCP) que presta serviços tributáveis, contra remuneração, aos demais sócios integrantes da referida sociedade, deve expedir, para cada um deles, nota fiscal de serviços no valor da parcela individual devida relativamente aos serviços prestados. REFORMULAÇÃO DE CONSULTA No 002/2011” Outrossim, mesmo que o que se estivesse discutindo fosse a prestação de serviços entre a Sociedade em Conta de Participação e o sócio ostensivo, não há qualquer prova nos autos de que houve tributação que enseje eventual dever de restituição. O que se verifica dos documentos acostados é tão somente a comprovação de que houve uma consulta administrativa no que tange à prestação de serviços entre a SCP e o sócio ostensivo (fls. 287), o que não comprova, repise-se que houve efetiva cobrança de ISS neste sentido. Nesse passo, às fls. 236, 237 e 238 consta apenas a nota fiscal de prestação de serviços entre o sócio ostensivo e o sócio oculto, inexistindo nota fiscal, pagamento ou cobrança de tributo no que refere à relação indicado no parágrafo imediatamente acima. Dessa forma, quanto a este ponto, deve incidir o artigo 333, I do CPC. Destarte, de uma