TRF-3 - APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA: ApReeNec XXXXX20064036003 MS
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EDUCAÇÃO INDÍGENA. DIREITO INDIVUAL INDISPONIVEL CONSTITUCIONALMENTE ESTABELECIDO. DEVER DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO ESTADO. NÃO CONFIGURADA. PERIGO DE EXTINÇÃO DO IDIOMA E DA CULTURA OFAYÉ XAVANTE. INTERVENÇÃO ESTATAL PARA GARANTIR O DIREITO À EDUCAÇÃO. OBRIGATORIEDADE. AUSÊNCIA DE IMPLANTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS. ESSENCIALIDADE DO DIREITO PRETENDIDO. OMISSÃO ESTATAL CONFIGURADA. DECISÃO JUDICIAL QUE ASSEGURA O DIREITO À EDUCAÇÃO, IMPONDO A OBRIGAÇÃO À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. AFRONTA AO PRINCÍPIO DA INDEPENDÊNCIA ENTRE OS PODERES E AO PACTO FEDERATIVO. NÃO CONFIGURADA. PRECEDENTES DO E. STF. 1. Cinge-se a controvérsia em apurar a responsabilidade e a competência da União, do Estado do Mato Grosso do Sul e do Município de Brasilândia/MS, para transformar a Escola Municipal existente na comunidade indígena Ofayé Xavante, em Escola Indígena, garantindo que a língua materna Ofayé não desapareça, bem como que os membros daquela comunidade tenham acesso, pelo menos, à educação básica, nos termos da lei. 2. A Constituição Federal garante a todos o direito à educação e à cultura (art. 205 e 215), fixa a competência dos Estados para atuarem, prioritariamente, no ensino fundamental e médio (§ 3º do art. 211) e organiza os sistemas de ensino, que devem ser promovidos em regime de colaboração entre todos os entes federados (art. 211). 3. A Lei nº 10.172 , de 2001, ao aprovar o Plano Nacional de Educação, deixa claro que a educação deve ser uma atividade desenvolvida sempre em cooperação pelos entes da federação, União, Estados, Distrito Federal e Municípios e reforça a necessidade de se garantir às comunidades indígenas uma educação escolar diferenciada, específica, intercultural e bilíngue e, dadas as peculiaridades regionais, passou a responsabilidade e manutenção das escolas indígenas para os Estados Federados, em conjunto com o Ministério da Educação, retirando da FUNAI essa incumbência executiva (item 9. Educação Indígena). 4. Portanto, não há que se falar em ilegitimidade passiva do Estado Federado, quando o assunto é a implantação de Escola Indígena em uma das municipalidades que o compõe, de forma a garantir o direito à educação fundamental específica e a preservação da cultura dos povos indígenas. 5. A ausência de implantação de políticas públicas direcionadas ao atendimento de necessidades eminentes, como é a hipótese da garantia do direito à educação a comunidade indígena Ofayé Xavante, que inclusive corre o risco de, por falta dessa providência, ver a sua língua materna e sua cultura extintas, configura omissão do Estado. 6. Assim, a decisão judicial que determina a transformação da escola já existente em escola indígena, ou seja, a adequação da grade curricular para atender às especiais necessidades da comunidade indígena que atende, sob o fundamento de que esse é o caminho para se evitar a extinção da língua e da cultura daquela comunidade, não fere o principio da independência entre os poderes, tampouco afronta a ordem orçamentária, haja vista tratar-se de obrigação constitucionalmente estabelecida e que é dever intransponível do Estado. 7. De igual modo, em especial quando o assunto é a educação, a colaboração e a obrigação concorrente dos entes da federação para garantir esse direito, tanto no que se refere à promoção, manutenção e desenvolvimento do ensino, quanto ao seu custeio, não afronta, ao contrário, reforça o pacto federativo. 8. Assim, a decisão judicial que determina ao Poder Público que cumpra com essa obrigação, também não afronta o pacto federativo, pois se trata de encargo político-jurídico estabelecido constitucionalmente e que deve ser implantado, em face do postulado que rege o nosso ordenamento jurídico que é o princípio da dignidade da pessoa humana. 9. Remessa oficial e à apelação às quais se nega provimento. Sentença mantida.