TJ-MS - Apelação Cível: AC XXXXX20168120045 Sidrolândia
APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO INDENIZATÓRIA – ERRO MÉDICO – RESPONSABILIDADE PROFISSIONAIS MÉDICOS – HOSPITAL – PLANO DE SAÚDE – RELAÇÃO DE CONSUMO – SOLIDARIEDADE – CULPA PROFISSIONAL – DANOS FÍSICOS E ESTÉTICOS – PARALISIA CEREBRAL QUADRIPLÁGICA ESPÁTICA – NEXO DE CAUSALIDADE NÃO DEMONSTRADO – PROVA PERICIAL – VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA CARACTERIZADA – DIREITO DA MULHER – AUTODETERMINAÇÃO DO PRÓPRIO CORPO – INTERVENÇÕES MÉDICAS – MANOBRA DE KLISTELLER – EPISIOTOMIA – SUCESSIVOS TOQUES – DESRESPEITO AO DIREITO DE ACOMPANHANTE – DANOS MORAIS CONFIGURADOS –LESÃO A DIREITOS DA PERSONALIDADE – RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO, CONTRA O PARECER. Insurgem-se os Requerentes contra a sentença proferida em primeiro grau, que afastou a condenação dos Requeridos ao pagamento de indenização por danos materiais, morais e estéticos decorrentes de erro médico. As imputações feitas à inicial dizem respeito a supostos erros médicos cometidos por ocasião do nascimento do Requerente, diagnosticados com "Paralisia Cerebral Quadriplágica Espástica e Transtorno Específico Misto do Desenvolvimento", quadro clínico que acarreta incapacidade permanente da criança. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de que, havendo vínculo, a qualquer título, do médico com o hospital, responde este solidariamente com aquele, apurada a culpa do profissional, nos termos do art. 14 do CDC ( REsp XXXXX/MG , Terceira Turma, julgado em 08/05/2018, DJe 18/05/2018; AgInt no AREsp XXXXX/SP , Quarta Turma, julgado em 21/11/2019, DJe 19/12/2019). Em relação ao plano de saúde, o Superior Tribunal de Justiça "reconhece que a operadora de plano de saúde é solidariamente responsável pelos danos decorrentes de falha ou erro na prestação de serviços do estabelecimento ou médico conveniados" ( REsp n. 1.901.545/SP , relator Min. Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 08.06.2021, DJe de 11.06.2021) De acordo com as provas dos autos, não há elementos que comprovem os supostos erros médicos que teriam causado as lesões incapacitantes do Requerente, pois a perícia médica, elaborada sob o crivo do contraditório, não apurou nenhuma conduta que tenha sido a razão dos danos físicos causados à criança. A causa de pedir está lastreada em eventuais fatos ocorrido na 36ª semana de gravidez, na data do nascimento do Requerente. Com relação ao uso do fórceps e extrator a vácuo, segundo a prova pericial e os depoimentos de especialistas, constituem métodos assistenciais que não necessariamente causam lesão física ou neurológica em recém-nascido. A par das doenças preexistentes da Requerente (genitora), que podem ter contribuído para a deficiência apresentada pela criança, não há provas da conduta dos Requeridos, tampouco do nexo de causalidade entre a ação/omissão destes e os prejuízos descritos à inicial. Contudo, as provas denotam que houve atos de violência obstétrica, cujo conceito, embora próximo, não se confunde com erro médico (stricto sensu). A violência obstétrica está relacionada a procedimentos e condutas adotadas pela equipe médica durante o período gestacional da mulher que impliquem violação à integridade física e psicológica da parturiente, atingindo inclusive aspectos não aferidos diretamente em sua fisionomia. Conforme doutrina especializada e orientações emanadas pelo Ministério da Saúde e Secretaria Estadual de Saúde, a violência obstétrica consiste no desrespeito à mulher, à sua autonomia, ao seu corpo e aos seus processos reprodutivos, podendo manifestar-se por meio de violência verbal, física ou sexual e pela adoção de intervenções e procedimentos desnecessários e/ou sem evidências científicas. Segundo se extraiu dos autos, o médico que realizou todo pré-natal da Requerente agiu de forma omissiva, quebrando o elo de confiança estabelecida entre paciente/familiares e médico, na medida em que, embora tenha se comprometido, não compareceu à sala de parto para assumir os trabalhos. O médico plantonista, por sua vez, admitiu a realização de manobras que causaram dores desproporcionais à paciente, sem que houvesse justificativa plausível para tanto, como a manobra de Klisteller, que há tempo não é mais recomendada pelas Autoridades Pública na área da saúde. Além de não considerar a vontade da paciente e sua autonomia quanto à modalidade do parto, ficou a mesma desassistida de companhia durante o período expulsivo, justamente no momento de maior tensão durante o parto. Presentes os pressupostos legais, deve ser reconhecido direito da Requerente à indenização por danos morais, afastando-se, entretanto, a imputação feita em relação aos profissionais que não tiveram a culpa demonstrada (pediatra, médica residente e médica que admitiu a paciente no hospital). Recurso conhecido e parcialmente provido, contra o parecer.