CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL. REQUISITOS. CONVIVÊNCIA PÚBLICA, CONTÍNUA E PROPÓSITO DE CONSTITUIÇÃO DE FAMÍLIA. AUSÊNCIA DE IMPEDIMENTOS ABSOLUTOS AO CASAMENTO. OBSERVÂNCIA DOS DEVERES DE FIDELIDADE E LEALDADE. ELEMENTO NÃO NECESSÁRIO PARA A CONFIGURAÇÃO. VALORES JURÍDICOS TUTELADOS QUE SE PRESSUPÕE TENHAM SIDO ASSUMIDOS PELOS CONVIVENTES E QUE SERÃO OBSERVADOS APÓS A CARACTERIZAÇÃO DA UNIÃO. INOBSERVÂNCIA QUE SEQUER IMPLICA EM NECESSÁRIA RUPTURA DO VÍNCULO CONJUGAL, A INDICAR QUE NÃO SE TRATA DE ELEMENTO CONFIGURADOR ESSENCIAL. DEVERES QUE, ADEMAIS, SÃO ABRANGENTES E INDETERMINADOS, DE MODO A SEREM CONFORMADOS POR CADA CASAL, À LUZ DO CONTEXTO E DE SUA ESPECÍFICA RELAÇÃO. DEVERES DE FIDELIDADE E LEALDADE QUE PODEM SER RELEVANTES NAS RELAÇÕES ESTÁVEIS E DURADOURAS SIMULTÂNEAS, MAS NÃO NAS SUCESSIVAS. RELAÇÕES EXTRACONJUGAIS EVENTUAIS QUE NÃO SÃO SUFICIENTES PARA IMPEDIR A CONFIGURAÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL, DESDE QUE PRESENTES SEUS REQUISITOS ESSENCIAIS. SEPARAÇÃO DE FATO. DISSOLUÇÃO FORMAL DA SOCIEDADE CONJUGAL. INOCORRÊNCIA. PRODUÇÃO DE EFEITOS DISTINTOS. CESSAÇÃO DOS DEVERES DE FIDELIDADE E LEALDADE. ESTABELECIMENTO DE RELACÃO CONVIVENCIAL APÓS A SEPARAÇÃO DE FATO. POSSIBILIDADE EXPRESSAMENTE AUTORIZADA POR LEI. MULTA POR EMBARGOS DE DECLARAÇÃO PROTELATÓRIOS. DESCABIMENTO. PROPÓSITO DE COMPLEMENTAÇÃO DA MATÉRIA FÁTICA E DE PRÉ-QUESTIONAMENTO. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. INOCORRÊNCIA. DESSEMELHANÇA FÁTICA ENTRE ACÓRDÃO RECORRIDO E ACÓRDÃO PARADIGMA. 1- Ação proposta em 23/01/2001. Recurso especial interposto em 04/12/2017 e atribuído à Relatora em 14/09/2021. 2- Os propósitos do recurso especial consistem em definir: (i) se seria admissível o reconhecimento de união estável quando ausentes os deveres de fidelidade e de lealdade de um dos conviventes; (ii) se estaria configurada a subsistência do casamento de um dos conviventes com terceiro, celebrado preteritamente à união estável e sem rompimento formal do vínculo conjugal, suficiente para impedir o posterior reconhecimento da união estável entre os conviventes; (iii) se seria cabível a multa aplicada por embargos de declaração protelatórios que somente teriam a finalidade de pré-questionar determinadas matérias; (iv) se o acórdão recorrido teria destoado de precedente desta Corte. 3- Para que se configure a união estável, é imprescindível, na forma do art. 1.723 , caput e § 1º , do CC/2002 , que haja convivência pública, contínua e estabelecida com o objetivo de constituição de família, bem como que não estejam presentes os impedimentos ao casamento elencados no art. 1.521 do CC/2002 . 4- A lealdade ao convivente não é um elemento necessário à caracterização da união estável, mas, ao revés, um valor jurídico tutelado pelo ordenamento que o erige ao status de dever que decorre da relação por eles entabulada, isto é, a ser observado após a sua caracterização. 5- Se o descumprimento dos deveres de lealdade ou de fidelidade não necessariamente implicam em ruptura do vínculo conjugal ou convivencial, justamente porque está na esfera das partes deliberar sobre esse aspecto da relação, a fortiori somente se pode concluir que a pré-existência ou observância desses deveres também não é elemento essencial para a concretização do casamento ou da união estável. 6- Dado que os deveres de fidelidade e de lealdade são bastante abrangentes e indeterminados, exige-se a sua exata conformação a partir da realidade que vier a ser estipulada por cada casal, a quem caberá, soberanamente, definir exatamente o que pode, ou não, ser considerado um ato infiel ou desleal no contexto de sua específica relação afetiva, estável e duradoura. 7- Na hipótese, conquanto tenham sido numerosas as relações extraconjugais mantidas por um dos conviventes na constância de seu vínculo estável, da qual resultou prole igualmente extensa (23 filhos), ficou demonstrado, a partir de robustos e variados elementos de fato e de prova, a existência a da união estável entre as partes desde dezembro de 1980 até a data do falecimento de um dos conviventes e que as relações extraconjugais por um deles mantidas com terceiros foram eventuais e sem o propósito de constituição de relação estável e duradoura. 8- Os deveres de fidelidade e de lealdade podem ser relevantes para impedir o eventual de reconhecimento de relações estáveis e duradouras simultâneas, concomitantes ou paralelas, em virtude da consagração da monogamia e desses deveres como princípios orientadores das relações afetivas estáveis e duradouras. 9- Contudo, esses deveres não são relevantes na hipótese em que as relações estáveis e duradouras são sucessivas, iniciada a segunda após a separação de fato na primeira, e na qual os relacionamentos extraconjugais mantidos por um dos conviventes eram eventuais, não afetivos, não estáveis, não duradouros e, bem assim, insuscetíveis de impedir a configuração da união estável. 10- Embora o art. 1.571 do CC/2002 não contemple a separação de fato como hipótese de dissolução da sociedade conjugal, isso não significa dizer que esse fato jurídico não produza relevantes efeitos, como a cessação dos deveres de coabitação e de fidelidade recíproca, cessação do regime de bens e fato suficiente para fazer cessar a causa impeditiva de fluência do prazo prescricional entre cônjuges e conviventes. 11- Especificamente quanto à relação existente entre a separação de fato dos cônjuges e o subsequente estabelecimento de relação convivencial com terceiros, dispõe o art. 1.723 , § 1º , do CC/2002 , que o impedimento previsto no art. 1.521 , VI , do CC/2002 , segundo o qual as pessoas casadas não podem casar, não se aplica à união estável na hipótese em que a pessoa casada se achar separada de fato. 12- Na hipótese, conquanto se sustente que não havia separação de fato, mas apenas rupturas momentâneas seguidas de reconciliações, as instâncias ordinárias, de maneira absolutamente fundamentada e lastreadas em robusto acervo de fatos e provas, concluíram que realmente houve separação de fato dos cônjuges em dezembro de 1980 e, ato contínuo, o início da união estável entre o falecido e a recorrida. 13- É descabida a aplicação de multa por embargos de declaração protelatórios na hipótese em que o recurso veicula omissões sobre questões fáticas existentes em tese, manifestadas com o específico propósito de pré-questioná-las para viabilizar o subsequente recurso especial. 14- Não se conhece do recurso especial interposto pela divergência quando ausente a similitude fática e jurídica entre o acórdão recorrido e o paradigma invocado. 15- Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, parcialmente provido, apenas para afastar a multa aplicada aos recorrentes por embargos de declaração protelatórios, mantida a sucumbência como definida na sentença, somente em relação às custas carreadas aos recorrentes, eis que não foram arbitrados honorários advocatícios sucumbenciais.