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5 de Dezembro de 2023

Crimes da ditadura: STF “versus” CNV e Corte Interamericana

Publicado por Luiz Flávio Gomes
há 9 anos

Mais um problemaço está caindo no colo de Dilma Rousseff: depois de dois anos e sete meses de trabalho, incontáveis crises internas e forte resistência das Forças Armadas, precisamente no dia em que a histórica Declaração Universal dos Direitos Humanos (de 10/12/1948) está completando 66 anos, a Comissão Nacional da Verdade (CNV) revela seu balanço final dos seus trabalhos, que culminaram numa lista de mais de 300 agentes do Estado acusados de crimes contra a humanidade cometidos no tempo da ditadura (1964-1985), hoje ainda apoiada por 12% dos brasileiros, segundo o Datafolha. Paralelamente às conclusões da CNV, existe uma sentença da Corte Interamericana (de 2010) que obrigou o Brasil a investigar e, eventualmente, punir os crimes contra a humanidade cometidos durante a ditadura. Há menos de um mês, a Corte fez uma dura cobrança ao governo brasileiro sobre o cumprimento da sua decisão.

02. No sentido contrário (apoiando a anistia) existe uma decisão do STF (de abril de 2010). Para a Corte, a Lei de Anistia brasileira, embora recebida pela Constituição de 1988 (de acordo com a visão do STF), é inconvencional (por violar as convenções de direitos humanos ratificadas pelo Brasil) e inválida (por contrariar frontalmente o jus cogens internacional). Disse a Corte que nem tudo que o STF diz ter sido recebido pela Constituição de 1988 é compatível com os tratados em vigor no Brasil e detém validade. A prisão civil do depositário infiel, por exemplo, foi declarada inválida pelo STF justamente tendo em conta os tratados de direitos humanos por nós ratificados, que segundo o próprio STF guardam na ordem jurídica brasileira nível superior às leis (RE 466.343-SP).

03. O Brasil é, reconhecidamente (69º lugar, com a rídicula nota 43, no Índice de Percepção da Corrupção, da Transparência Internacional), um dos paraísos mundiais da cleptocracia (Estado governado – também - por ladrões: que o digam casos rumorosos como Petrobra$, metrô$P etc.). Além de paraíso dos ladrões, somos também violentos (veja Darcy Ribeiro). Há um forte apoio à decisão do STF (que a Corte disse ser inválida). O Brasil ratificou a Convenção Americana de Direitos Humanos em 1992 e aceitou a jurisdição da Corte Interamericana em 1998 (no governo FHC). A cada novo tratado subscrito o país abre mão de parte de sua soberania. Juridicamente o Brasil está obrigado a cumprir a decisão da Corte Interamericana (isso ficou evidenciado no voto do min. Ayres Britto, quando do julgamento da Lei de Anistia brasileira). E se não cumprir? Está sujeito a sanções internacionais (teoricamente poderia até ser expulso da OEA). Mas com o império da “lei” (dos tratados) no plano internacional se passa algo parecido com o império da lei no Brasil: a fragilidade institucional é enorme. A coerção do direito, em consequência, é branda e flexível.

Crimes da ditadura STF versus CNV e Corte Interamericana

04. Se o Brasil não cumprir a decisão da Corte Interamericana estará apenas ratificando algo que já é da sua tradição, nascida logo após 23/11/1826, quando nosso Império assinou uma Convenção com a Grã-Bretanha para promover a abolição do tráfico de escravos. Por força dessa avença bilateral o comércio interatlântico de escravos seria ilegal no prazo de três anos. Mas nada disso foi cumprido pelo Brasil (como narram os historiadores), que apenas por volta de 1850 começou a reduzir o comércio de escravos. A demora em cumprir o combinado com os ingleses deveu-se não só aos interesses econômicos ruralistas dos fazendeiros, senão também ao fato de que quase todas as casas urbanas de classe média tinha seus escravos para os afazeres domésticos (veja J. M. De Carvalho, Cidadania no Brasil). O escravagismo (embora abolido em 1888), impregnou a alma do brasileiro e isso tem tudo a ver com nossa atual genocidiocracia. As autoridades brasileiras, assim, quando assinaram a convenção bilateral com a Grã-Bretanha apenas fingiu que cedia às suas pressões, ou seja, tomaram providências meramente aparentes para combater o abominável tráfico. Foi, na verdade, mais um engodo praticado pelo Brasil, apenas “para inglês ver”. Desde esse episódio o Brasil, em termos internacionais, é visto como uma “republiqueta de terceiro mundo”. Não é distinta, aliás, toda América Latina.

05. Certa vez Simon Bolívar manifestou profunda decepção com a América Latina e disse (citado por Huntington, em A ordem política nas sociedades em mudança): “[Na América Latina] os tratados são papéis, as constituições não passam de livros, as eleições são batalhas, a liberdade é anarquia e a vida um tormento”. Seu vaticínio não era incorreto: em pleno século XXI continuamos nosso tormento porque está difícil de chegar a anunciada democracia que traria prosperidade e cidadania a todos.

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20 Comentários

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Saudações a Todos!
O que não pode e nem deve ser esquecido, e que essa "Comissão Nacional da Verdade", só viu os ditos crimes praticados pelo ESTADO de então. Esqueceu-se de ver os crimes praticados pelos Terroristas que hoje encontram-se no Poder dentro do atual Estado, que NUNCA, EM NENHUM MOMENTO, lutaram pela DEMOCRACIA, mas sim, única e exclusivamente, para, através de uma revolução, instituir o regime de governo comunista em nossa Pátria. Essa tal "Comissão Nacional da Verdade", na verdade, perpetra uma grande mentira ao relacionar os 434 mortos pelo Estado, mas não relaciona àqueles Terroristas que foram mortos pelos próprios Guerrilheiros-Terroristas e àqueles outros da sociedade civil que foram mortos em atentados terroristas praticados pelos ditos "Guerrilheiros de Esquerda" !
Não há nenhum bem jurídico a ser defendido, quando o Estado, através de um aparelhamento ideológico obtuso, só apura aquilo que lhe convém, e deixa de apurar e retratar os crimes que seus agentes também praticaram, inclusive a nossa atual Presidente da República e vários de seus Ministros e assessores próximos.
É incrível que em nosso País ainda ajam pessoas que ao invés de apresentar soluções para os duríssimos problemas enfrentados pela nossa sociedade, só se preocupam em "sorver até a última gota" do poder que momentaneamente estão usufruindo ... continuar lendo

Excelente artigo.
Elucidativo sob todos os pontos de vista.
Pior que o Hélder tem razão.

Qdo, nos bancos da escola, ao lado de Rezek, Trindade, ouvindo Veloso, Sálvio, Viana Dias e tantos outros luminares do direito, iniciamos nossa manifestação de repúdio à Ditadura de Direita, iniciada em 31 de março como revolução da sociedade mas transformada em golpe de estado no fatídico Primeiro de Abril.

Verdade que a traição ao povo e a democracia só se confirmou plenamente com a ascensão de Costa e Silva e o Ato Institucional no. 5. Mas o golpe praticado pela linha dura da ESG a favor de um plano de desenvolvimento, afinal fracassado, salvo nos interesses militares, já estava instalado. Com os horrores do enterro da liberdade e os gritos de dor dos porões do DOI-CODI e outros cárceres indignos da humanidade.
Sobre isto me manifestei, em crítica que tentou ser isenta, em minha tese de doutorado junto à Ohio University, publicada pela UFMG em 1984. Logo os militares reconheceram os erros maiores que os acertos e se recolheram sob a proteção da Anistia necessária à época mas impingida.

Agora somos traídos novamente. Pela Ditadura de Esquerda. Que apoiamos, admiramos e em cujos membros mais ilustres acreditamos. O que houve com eles? Se afastaram ou se desvendaram defensores da outra face da escravidão e da miséria. O comunismo soviético. Fracassado lá e ca. Para quem tem olhos e consegue ler.
Aos que votamos em Lula e Dilma, em outras épocas, não resta consolo. Nem mesmo o da campanha recente em tentar apeá-los do poder. Inútil. FOMOS ROUBADOS em nosso direito de escolher os governantes. Roubados, com dinheiro dos cofres públicos, por líderes que apoiamos.

Temo pelos jovens na sentença desesperadas de que
"a liberdade é anarquia e a vida um tormento".

Tormento maior entretanto será optar entre
um novo golpe militar para que restaure a democracia com o risco de enterrá-la outra vez, em mais 20 anos de chumbo ou
conformar com a ditadura roxa do proletariado, feita de sangue dos trabalhadores e lama da corrupção, sabendo que, instalada, vai durar mais 50 anos.

Não chorem por mim, testemunha doída, traída e assaltada da história.
Chorai por vós e por vossos filhos.

O Véio.
Ps. Socorro bandidos. A polícia vem aí. Ou é o contrário? continuar lendo

Houve militares sinceros e éticos, imbuídos de seu papel de guardiões da sociedade e mando da sociedade. Infelizmente, também houve militares a quem o poder subiu à cabeça e que perderam a noção de instrumentos da sociedade para ver-se na condição de mestres da sociedade. E ainda houve militares e policiais que usaram do poder de Estado para dar vazão a comportamentos totalmente condenáveis.
A incapacidade de enxergar esses tres tipos básicos no regime militar faz com que uns advoguem a Revolução Redentora, como se nada tenha se passado de condenável, e outros acusem o Golpe Genocida.
Ambas as visões simplistas são piores que a cegueira porque esta última tem a humildade de saber-se não conhecedora.
Da mesma forma, do outro lado tivemos ativistas socialistas fervorosamente convencidos da necessidade de instalar no Brasil uma revolução socialista democrática (tão iludidos quanto os militares legalistas), outros ativistas convencidos da validade de sacrificar a democracia em prol de um socialismo soviético ou maoista e um terceiro grupo dos maus elementos interessados apenas em usar o movimento para seus comportamentos criminosos. Nesse lado, há ainda que considera um quarto grupo, não pequeno, dos jovens sem muita consciência de nada além da sua revolta juvenil contra "o sistema".
Eu tive a oportunidade de testemunhar esses tempos ao vivo.
Qualquer análise mais simplificadora desses tempos e dos grupos envolvidos continuará incapaz de conduzir ao entendimento necessário e a sanar os ressentimentos e paixões irresolvidos. continuar lendo

Além do que já afirmou o Achille, que discorre acerca do plano intertemporal, em que há um grande equívoco em retroagir um tratado ratificado posteriormente contra o réu, me questiono como um tratado ou convenção pode ser considerado superior a uma norma constitucional, chegando a revogar uma norma decorrente do poder constituinte originário... É uma ofensa não só à soberania nacional, como a princípios da irretroatividade, excepcionando-os de forma desproporcional se realizada uma simples ponderação.

Uma coisa é considerar-se como uma norma supra-legal, mas supra-constitucional? Logo para o Brasil, que claramente adota a corrente positivista, me parece temerário e controverso utilizar parâmetros de direito internacional em face de normas constituintes originárias, para não dizer que beira o absurdo!

A meu ver, não faz sentido punir fatos já anistiados de 50 anos atrás. E mais, a comissão da verdade é unilateral, muitos dos que hoje estão no poder são os ditos "torturados" da época. Será que isso pode ser considerado justo? continuar lendo

"agentes do Estado acusados de crimes contra a humanidade cometidos no tempo da ditadura (1964-1985)"

A lei da anistia é de 1979.

"O Brasil ratificou a Convenção Americana de Direitos Humanos em 1992 e aceitou a jurisdição da Corte Interamericana em 1998 (no governo FHC)"

"o STF diz ter sido recebido pela Constituição de 1988 é compatível com os tratados em vigor no Brasil e detém validade" (ADPF 153 de 29 de abril de 2010)

"Paralelamente às conclusões da CNV, existe uma sentença da Corte Interamericana (de 2010) que obrigou o Brasil a investigar e, eventualmente, punir os crimes contra a humanidade cometidos durante a ditadura." (dezembro de 2010)

Novamente professor, o senhor consegue esquecer da cronologia dos fatos e deixar a lei (ratificação do tratado e aceitação da jurisdição internacional) retroagir em desfavor dos réus. O senhor está, praticamente, defendendo que se julgue novamente a coisa julgada em última instância.

A comparação com o RE 466.343-SP é falaciosa, pois seu texto aponta a decisão da corte internacional está sendo aplicada para casos atuais de prisão civil do depositário infiel (oposição à retroação defendida pelo professor), ou seja, para que o depositário infiel não seja preso (o que aliás beneficia o réu).

Dado os fatos acima só me cabe lamentar que o seu conhecimento jurídico e sua envergadura estejam a serviço de um viés ideológico que se esquece de que os fins são resultados dos meios (não os justificam). continuar lendo

Amigo, não é de agora que o autor posta textos sem fundamento sólido. E o pior, multidões pagam para assistir as "showlestras" do dito cujo! continuar lendo

Caro Aquiles: por outros motivos podemos discutir a punibilidade dos crimes contra a humanidade cometidos de 1964-1985. Não pelo argumento que v. utilizou, que foi exaustivamente enfrentado pela CIDH assim como por países como Chile, Argentina, Peru etc. (que já condenaram mais de mil militares por crimes da ditadura). Aliás, na Argentina, hoje mais de 500 deles estão na cadeia cumprindo pena (quase todas perpétuas). Seu argumento esquece que estamos falando de crimes permanentes (crimes cuja consumação se prolonga no tempo). Desaparecimento de pessoas é crime permanente (até o STF já reconheceu isso várias vezes). Crime permanente pode ser punido em todos os momentos (em todas as épocas), enquanto dura a permanência. Na Europa, recentemente foi condenado um austríaco por crime do nazismo (1993-1945). Não se trata de retroação maléfica, sim, de punição de um crime que ainda está ocorrendo. Seu raciocínio esqueceu questões básicas da problemática. Mas sempre ajudam todas as opiniões. Estou sempre aberto a críticas e novas aprendizagens. Sou um professor que se julga mais aluno que todos os alunos. Avante. Adelante. Saludos. LFG. continuar lendo

Bazófia !!
Um amontoado de coisas para dizer que Bolivar estava certo.
E tem que paga para ouvir .... continuar lendo

Prezado professor

É sabido que muitos dos militantes usavam nomes falsos, alguns tinham vários pseudônimos o que certamente dificultaria sua correta identificação. A isto some-se a possibilidade de execuções ocorridas dentro do próprio movimento armado (Olavo de Carvalho, ex-militante, já manifestou ter participado situações que comprovam esta possibilidade, por exemplo) e desaparecimentos outros (perdeu-se na mata, decidiu sumir "medo pode fazer pessoas terem este desejo",....).

Ou seja, há diversas outras fontes de desaparecimentos, torturas e execuções não relacionadas com as ordens do "regime". Não estou negando que tenha havido abusos, mas a CNV parece ter colocado tudo "na conta" dos militares civis e estaduais.

Ressalto, ainda, que a Lei da Anistia foi benéfica ao permitir uma transição sem banho de sangue entre os "regimes". Sua revogação, ainda que parcial, somente causaria uma tensão desnecessária neste país cujas urnas já mostraram estar ficando dividido. O senhor teria alguma estatística sobre quantas ditaduras caíram no mundo sem uma guerra civil (com e sem intervenção internacional)?

No mais, se o senhor procurar rapidamente no youtube, é facílimo encontrar vídeos de policiais pichando o rosto de pichadores, fazendo brigões se beijarem na boca,.... e outras formas de tortura que estão atingindo a população brasileira. Os poderes deixarem de investigar e julgar coisas que impactam a dignidade humana dos cidadãos de hoje, para ficar se dedicando a aumentar a lista do bolsa ditadura (paga com os nossos impostos) e procurando revanche sobre militares decrépitos me parece um contra senso. continuar lendo

Tenho para mim que não merecem aprovação os excessos de autoridade cometidos por alguns militares cujo comportamento não pode ser atribuído, de forma generalizada, às instituições militares, como também não entendo plausíveis: atentados a bomba, assaltos a bancos, sequestros, enfim os atos de marginalidade praticados por oponentes ao regime militar. O que quer o Governo atual é a punição (acima do instituto da prescrição) pelos abusos praticados por determinados militares, mas abomina a ideia de serem punidos os militantes guerrilheiros (aos quais se integrava a Senhora Presidenta da República), militantes esses que inclusive chegaram a explodir bomba que matou gente. Ridícula a cena de emotividade da Chefe da Nação, perante a TV, ao lembrar as vítimas de autoritarismo militar, desconsiderando entretanto as vítimas dos crime hediondos cometidos pelos grupos de guerrilha. Na minha terra isso é chamado de canastra teatral. continuar lendo