TSE - : AIJE XXXXX20226000000 BRASÍLIA - DF XXXXX
AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2022. PRESIDENTE. JUNTADA DE DOCUMENTO NOVO. FATOS SUPERVENIENTES. ADMISSIBILIDADE. DESDOBRAMENTO DE FATOS QUE COMPÕEM A CAUSA DE PEDIR. PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO. DECADÊNCIA. VIOLAÇÃO À ESTABILIZAÇÃO DA DEMANDA. INOCORRÊNCIA. QUESTÕES PREJUDICIAIS REJEITADAS. DECISÃO REFERENDADA. 1. Trata–se de decisão em que, rejeitadas as prejudiciais de decadência e de violação à estabilização da demanda, indeferiu–se pedido de reconsideração formulado contra a admissibilidade de documento novo juntado aos autos durante a fase de instrução. 2. Nesta AIJE, apura–se abuso de poder político e uso indevido de meios de comunicação, ilícitos supostamente praticados em reunião de 18/07/2022 ocorrida no Palácio da Alvorada, quando o então Presidente da República, primeiro investigado, proferiu discurso lançando suspeitas de fraude nas urnas eletrônicas e acusações de parcialidade de Ministros do TSE. O evento contou com a presença de embaixadores de países estrangeiros e foi transmitido pela TV Brasil e nas redes sociais do candidato à reeleição. 3. A causa de pedir da AIJE é delimitada pelos contornos fáticos e jurídicos que permitam a compreensão da demanda, não se exigindo que a parte autora, ao postular em juízo, tenha pleno domínio de todos os fatos que podem influir no julgamento e os descreva em minúcias. 4. Na hipótese, a causa de pedir contempla a imputação de que o discurso proferido em 18/07/2022 se insere em uma estratégia de campanha do primeiro réu, de difundir fatos sabidamente falsos relativos ao sistema eletrônico de votação, para mobilizar seu eleitorado por força de grave “desordem informacional” atentatória à normalidade do pleito. 5. Em contrapartida, os investigados refutam qualquer relação entre o evento de 18/07/2022 e as eleições, enxergando no discurso uma legítima manifestação, em salutar “diálogo institucional” com o TSE, afirmando ainda que qualquer efeito do discurso teria sido prontamente neutralizado por nota pública do tribunal. 6. Diante disso, na decisão de organização e saneamento do processo, consignou–se que os fatos constitutivos (o evento, o discurso e seu conteúdo) são incontroversos e que as partes disputam a narrativa sobre o significado e o impacto eleitoral do episódio. Ressaltou–se que, em matéria de abuso de poder, o exame da gravidade da conduta, sob o ângulo qualitativo e quantitativo, reclama especial atenção para a análise de elementos contextuais. 7. O documento novo ora trazido aos autos consiste em minuta de decreto de Estado de Defesa apreendida pela Polícia Federal na residência do ex–Ministro da Justiça e da Segurança Pública, Anderson Torres, no dia 12/01/2023, durante diligência determinada pelo Ministro Alexandre de Moraes no âmbito do Inquérito nº 4879, que tramita no STF. 8. É inequívoco que o fato de o ex–Ministro da Justiça do governo do primeiro investigado ter em seu poder uma proposta de intervenção no TSE e de invalidação do resultado das eleições presidenciais possui aderência aos pontos controvertidos, em especial no que diz respeito à correlação entre o discurso e a campanha e ao aspecto quantitativo da gravidade. 9. A decadência obsta a dedução de ilícitos inteiramente novos, sendo fator de estabilidade política e jurídica. No entanto, apresentada a demanda de modo tempestivo, os fatos supervenientes que guardem relação com a causa de pedir, mesmo que não alegados pelas partes, devem ser obrigatoriamente considerados no julgamento (art. 493 , CPC ; art. 23, LC 64/90). 10. Desse modo, não se pode interpretar a estabilização da demanda como um recorte completo e irreversível na realidade fenomênica. Essa ideia acarreta um descolamento tal dos fatos em relação a seu contexto que chega a impedir o órgão judicante de levar em conta circunstâncias que gradativamente se tornem conhecidas ou potenciais desdobramentos das condutas em investigação. 11. Ressalte–se que, no caso dos autos, o que a autora pretende discutir são eventos que se conectam a partir do eixo central da narrativa, segundo a qual o discurso na reunião com embaixadores mirava efeitos eleitorais ilícitos. O próprio teor do discurso do Presidente, que livremente escolheu os tópicos que desejava abordar, oferece uma clara visão sobre o fluxo de eventos – passados e futuros – que podem, em tese, corroborar a imputação da petição inicial. 12. Ao lado dessas considerações gerais, deve–se ter em conta que o resultado das eleições presidenciais de 2022, embora fruto legítimo e autêntico da vontade popular manifestada nas urnas, se tornou alvo de ameaças severas. Passado o pleito, a diplomação e até a posse do novo Presidente da República, atos desabridamente antidemocráticos e insidiosas conspirações tornaram–se episódios corriqueiros. São armas lamentáveis do golpismo dos que se recusam a aceitar a prevalência da soberania popular e que apostam na ruína das instituições para criar um mundo de caos onde esperam se impor pela força. 13. Os acontecimentos se sucedem de forma vertiginosa. Mas o devido processo legal tem, entre suas virtudes, a capacidade de decantar os fatos e possibilitar seu exame analítico. É isso que deve guiar a instrução das AIJEs, pois é central à consolidação dos resultados das Eleições 2022 averiguar se esse desolador cenário é, ou não, desdobramento de condutas em apuração nas diversas ações. Esse debate não pode ser silenciado ou inibido por uma artificial separação entre as causas de pedir e a realidade fenomênica em que se inserem. 14. Os temas das ações propostas são de conhecimento público. Não há segredo de justiça. As decisões de admissibilidade, de concessão de tutela inibitória e de saneamento, bem como outras de caráter interlocutório, têm contemplado cuidadoso delineamento das matérias em discussão. 15. Tendo em vista o prestígio à celeridade, à economia processual e à boa–fé objetiva, entendo prudente que, especificamente no que diz respeito às AIJEs relativas às eleições presidenciais de 2022, seja fixado um parâmetro seguro e objetivo que dispense, a cada fato ou documento específico, uma nova decisão interlocutória que revolva todos os fundamentos ora expostos. 16. Orientação a ser aplicada em situações semelhantes, no sentido de que a estabilização da demanda e a consumação da decadência não impedem que sejam admitidos no processo e considerados no julgamento elementos que se destinem a demonstrar desdobramentos dos fatos originariamente narrados, a gravidade (qualitativa e quantitativa) da conduta que compõe a causa de pedir ou a responsabilidade dos investigados e de pessoas do seu entorno, tais como: a) fatos supervenientes à propositura das ações ou à diplomação dos eleitos, ocorrida em 12/12/2022; b) circunstâncias relevantes ao contexto dos fatos, reveladas em outros procedimentos policiais, investigativos ou jurisdicionais ou, ainda, que sejam de conhecimento público e notório; e c) documentos juntados com base no art. 435 do CPC . 17. Mantido o indeferimento do pedido de reconsideração. 18. Decisão interlocutória referendada.