IMPROBIDADE. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECEBIMENTO DE APELAÇÃO E CONTRARRAZÕES COMO RECURSO ADESIVO. ERRO GROSSEIRO. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE. HISTÓRICO DA DEMANDA 1. Na origem, foi ajuizada Ação de Improbidade Administrativa na qual se narrou ter o ex-prefeito do Município de Ibirajuba realizado negócio simulado de alienação para ocultar doação de imóvel público aos demais réus sem observância das formalidades legais, com base em lei municipal (n. 08/1996) carente de regulamentação e, posteriormente, reconhecida como inconstitucional. Consta da inicial do MP Estadual: "A Lei nº 08 /96 não esclarece o que seja 'carência', não dimensiona a área dos lotes a serem doados, não estabelece requisitos e impedimentos pessoais relativos aos donatários, não exigiu comprovação de renda, nem de não ser o favorecido proprietário rural ou urbano, neste ou em outros municípios, de modo que não dispõe efetivamente sobre um plano social de assentamento urbano ('construção de casas populares'), e permitiu abusos como o ora relatado, em que são beneficiários comerciantes, agropecuaristas, proprietários rurais e urbanos, funcionários públicos e até mesmo o ex-Prefeito José Celso Onofre de Amorim (...) É certo que o Município de Ibirajuba tem interesse em promover a edificação e a ocupação ou povoamento do seu perímetro urbano, mas não pode alhear gratuitamente o seu patrimônio, subsidiando indevidamente as camadas mais favorecidas da sua comunidade. Trata-se de um Município pobre e o imóvel 'doado', com uma área de 5.025m2, em pleno centro da cidade, deve ser destinado à satisfação do interesse público, que não se faz presente nas doações realizadas" (fls. 6-8, e-STJ, grifo acrescentado). 2. A sentença condenatória foi reformada monocraticamente pelo Relator, por decisão que negou provimento à Apelação do Ministério Público e deu provimento ao Recurso Adesivo dos recorridos. 3. Em Agravo Interno, o Ministério Público apontou ofensa ao contraditório, por não ter sido intimado para oferecer contrarrazões, e a intempestividade do Recurso dos réus, afirmando, sobre essa última alegação, que foram ilegalmente recebidos "os recursos como Recursos Adesivos, quando tratavam de apelação intempestiva" (fl. 628, e-STJ). 4. A Corte a quo negou provimento ao Agravo Interno. No Recurso Especial, reiteram-se as alegações de "afronta ao contraditório e intempestividade recursal" (fl. 631, e-STJ), arguindo-se violação aos arts. 10 , 932 , IV e V , 997 , § 1º , 1.003 , § 5º , 1.010 , §§ 1º e 2º , e 489 , § 1º , IV e VI , do CPC/2015 . AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DO MP PARA CONTRARRAZÕES AO (S) RECURSO (S) ADESIVO (S) 5. Sobre a alegação de ofensa ao princípio do contraditório sob o argumento de que "NÃO houve intimação do parquet para contrarrazoar o recurso interposto pelos demandados" (fl. 624, e-STJ), assim se manifestou o Tribunal de origem (fl. 580 e-STJ): "Todavia, constam às fls. 391/397 o envio de ofício ao Juiz de Direito da Comarca de Ibirajuba solicitando informações quanto à apresentação de contrarrazões em face do Recurso Adesivo fls. 332-340, respondendo aquele juízo pela ausência destas (fls. 400). Destarte não pode ser determinada a nulidade processual por inexistência de contrarrazões quando intimado para tanto". 6. Como bem apontado pelo eminente Relator, analisar, na hipótese dos autos, se houve ou não intimação do MP para as contrarrazões ao apelo suposto como adesivo, se as informações prestadas pelo juízo de primeiro grau correspondem à realidade, depende da análise de provas, o que é vedado em Recurso Especial, nos termos da Súmula 7 /STJ. 7. Mesmo que se entenda que o Tribunal a quo não enfrentou a questão como devido, acertadamente consignou o eminente Relator "que, apesar de opostos embargos declaratórios pela ora recorrente, o apelo especial não apresenta fundamentação relativa a eventual violação ao art. 1022 do CPC ", o que, portanto, impede deliberação a respeito do vício de fundamentação na via do Recurso Especial. INTEMPESTIVIDADE DAS APELAÇÕES DOS RÉUS 8. Ouso, contudo, divergir do eminente Relator quanto à possibilidade de se examinar a alegação de intempestividade das Apelações ofertadas pelos recorridos. O que se afirma no acórdão vergastado sobre o ponto é que "da análise dos documentos de fls. 324/331 e 332/340 infere-se claramente a proposição de Recurso Adesivo pelos agravados nos termos do art 500 do CPC/73 , sendo irrelevante o nome iuris atribuído à petição" (fl. 580). 9. Esse entendimento destoa da orientação deste egrégio Superior Tribunal de Justiça: "O princípio da fungibilidade não autoriza que se supere a tempestividade com vistas a receber o recurso principal como recurso adesivo, máxime quando o recorrente não faz qualquer menção ao art. 500 , I, do CPC , o que traduz erro grosseiro, consoante jurisprudência deste Tribunal Superior" ( AgRg no REsp XXXXX/MG , Rel. Ministro Luiz Fux, DJe de 17.11.2010). Na mesma linha: "Nos termos da jurisprudência desta Corte, o recurso especial interposto sem qualquer menção ao art. 500 , I do Código de Processo Civil , ou referência em seu próprio conteúdo, não pode ser admitido como recurso adesivo, tendo em vista que a deficiência na sua identificação traduz erro grosseiro, afastando a aplicação do princípio da fungibilidade recursal" ( EDcl no AgRg no REsp XXXXX/CE , Rel. Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, DJ 5.2.2007, p. 329). Cite-se também: REsp XXXXX/PR , Rel. Ministro Humberto Gomes de Barros, Terceira Turma, DJ 27.6.2005, p. 391. REVALORAÇÃO JURÍDICA DO CONJUNTO PROBATÓRIO 10. O Tribunal de origem, fazendo expressa referência aos "documentos de fls. 324/331 e 332/340", concluiu, a partir do seu exame, que houve a "proposição de Recurso Adesivo pelos agravados nos termos do art 500 do CPC/73 , sendo irrelevante o nome iuris atribuído à petição" (fl. 580, e-STJ). 11. Como se sabe, a "jurisprudência desta Corte admite a revaloração jurídica do conjunto fático-probatório dos autos, cuja descrição consta do acórdão recorrido" ( AgInt no AREsp XXXXX/SP , Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, DJe 24.4.2020). 12. A petição de fls. 324-331 dos autos originários (fls. 446-453, e-STJ) é apresentada como "CONTRARAZOES aos termos do Recurso de Apelo que foi interposto pelo representante do Ministério Público Estadual". Não há na peça qualquer referência ao art. 500 do CPC/1973 (atual art. 997 , § 1º , do CPC/2015 ), tampouco se fez alusão a esse meio de impugnação nas razões recursais. 13. É verdade que nessas contrarrazões os réus não se limitaram a pedir o não provimento da Apelação do Ministério Público. Também sustentaram: "por outro fundamento, impossível se concluir pela existência do ato de improbidade previsto no inciso III do art. 10 da Lei de Improbidade administrativa " (fl. 450, e-STJ). Isso, porém, foi feito com fundamento, apenas, no art. 515 , § 2º , do CPC/1973 , que regulava na legislação passada o efeito devolutivo da Apelação. 14. Do mesmo modo, a petição de fls. 332-340 dos autos originários (fls. 454-462, e-STJ) foi apresentada, nas palavras dos subscritores da peça, para "recorrer, no prazo legal, para instância ad quem, o que faz com fundamento no art. 514 e seguintes do Código de Processo Civil " (fl. 454, e-STJ). Esse dispositivo regulava a Apelação no Código então vigente. Novamente, em nenhuma parte do arrazoado se identifica o Recurso como adesivo. 15. O que se conclui é que os réus interpuseram Apelação em que praticamente repetiram os argumentos nas contrarrazões ao Recurso do Ministério Público. Aliás, convenhamos, com apresentação de tese típica de Recurso principal (a não ocorrência do ato de improbidade reconhecido em 1º grau). Não pretenderam nem deixaram claro que estavam manejando Recurso adesivo, tanto que nem na catalogação da subida dos autos ao TJPE constam os aqui recorridos como apelantes (fls. 519-522, e-STJ). 16. Consequentemente, o Tribunal de origem, ao afirmar que a identificação da peça como Recurso adesivo é irrelevante, divergiu da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, permitindo o trânsito de Apelos intempestivos, o que viola o art. 550 do CPC/1973 expressamente debatido no Acórdão recorrido (art. 997 , § 1º , do CPC/2015 ). CONCLUSÃO 17. Em respeitosa divergência com o eminente Relator, provejo o Agravo Interno para dar parcial provimento ao Recurso Especial.