Frise-se que, até mesmo nas situações em que os serviços de saneamento básico são prestados por concessionárias, a sua titularidade é mantida no ente federativo municipal, visto que a prestação se dá por meio de delegação, mediante a celebração de contrato administrativo, nos termos do art. 10 da Lei Federal nº 11.445, de 2007.
Sendo assim, ainda quando entidade da administração pública estadual (como, por exemplo, a Copasa) ou empresa privada atue como concessionária do serviço público municipal de saneamento básico, a competência para legislar sobre a forma da sua prestação dentro do município e sobre a política tarifária continua sob a titularidade do poder concedente (no caso, o município), nos termos do art. 175, parágrafo único, incisos I a IV da Constituição Federal, não cabendo a lei estadual intervir nessa relação contratual.
Exatamente nesse sentido já se posicionou o Supremo Tribunal Federal:
“Ação direta de inconstitucionalidade. Arguição de inconstitucionalidade da Lei 11.462, de 17.04.2000, do Estado do Rio Grande do Sul. Pedido de liminar. - Plausibilidade jurídica da arguição de inconstitucionalidade com base na alegação de afronta a artigos 175, caput, e parágrafo único, I, III e V, e 37, XXI, todos da Constituição Federal, porquanto Lei estadual, máxime quando diz respeito à concessão de serviço público federal e municipal, como ocorre no caso, não pode alterar as condições da relação contratual entre o poder concedente e os concessionários sem causar descompasso entre a tarifa e a obrigação de manter serviço adequado em favor dos usuários. - Caracterização, por outro lado, do periculum in mora. Liminar deferida, para suspender, ex nunc, a eficácia da Lei nº 11.462, de 17.04.2000, do Estado do Rio Grande do Sul.”. (ADI 2299 MC / RS; DJ 29-08-2003; Rel. Ministro Moreira Alves).
Por outro lado, o mesmo tribunal também já se manifestou, com o entendimento de que é inviável a aproximação entre as figuras do consumidor e do usuário de serviços públicos, já que o regime jurídico deste último, além de informado pela lógica da solidariedade social (art. 3º, I, da Constituição Federal), encontra sede específica na cláusula “direitos dos usuários” prevista no art. 175, parágrafo único, inciso II, da Constituição.
Dessa forma, não seria viável invocar a competência concorrente suplementar do Estado para legislar sobre direito do consumidor prevista no art. 24, V, da Constituição Federal, para justificar a constitucionalidade de lei estadual que pretenda regulamentar a política tarifária de serviços públicos:
“(...) Inexiste, in casu, suposto respaldo para o diploma impugnado na competência concorrente dos Estados-membros para dispor sobre direito do consumidor (CF, art. 24, V e VII), cuja interpretação não pode conduzir à frustração da teleologia da referida regra expressa contida no art. 175, parágrafo único, III, da CF, descabendo, ademais, a aproximação entre as figuras do consumidor e do usuário de serviços públicos, já que o regime jurídico deste último, além de informado pela lógica da solidariedade social (CF, art. 3º, I), encontra sede específica na cláusula “direitos dos usuários” prevista no art. 175, parágrafo único, II, da Constituição. 4. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente.”. (ADI 4478/AP; Relator Min. Luiz Fux; Dje 30/11/2011).
Seguindo o mesmo raciocínio, não cabe ao legislador estadual interferir na política tarifária de energia elétrica outorgando benefícios a determinadas classes de consumidores, como se pode inferir a partir da seguinte ementa de julgado do STF:
“O sistema federativo instituído pela CF de 1988 torna inequívoco que cabe à União a competência legislativa e administrativa para a disciplina e a prestação dos serviços públicos de telecomunicações e energia elétrica (CF, arts. 21, XI e XII, b, e 22, IV). A Lei 3.449/2004 do Distrito Federal, ao proibir a cobrança da tarifa de assinatura básica "pelas concessionárias prestadoras de serviços de água, luz, gás, TV a cabo e telefonia no Distrito Federal" (art. 1º, caput), incorreu em inconstitucionalidade formal, porquanto necessariamente inserida a fixação da ‘política tarifária’ no âmbito de poderes inerentes à titularidade de determinado serviço público, como prevê o art. 175, parágrafo único, III, da Constituição, elemento indispensável para a preservação do equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão e, por consequência, da manutenção do próprio sistema de prestação da atividade. Inexiste, in casu, suposto respaldo para o diploma impugnado na competência concorrente dos Estados-membros para dispor sobre direito do consumidor (CF, art. 24, V e VII), cuja interpretação não pode conduzir à frustração da teleologia da referida regra expressa