PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. FURTO QUALIFICADO PELO ABUSO DE CONFIANÇA, EM CONTINUIDADE DELITIVA (ART. 155 , § 4º , INC. II , NA FORMA DO ART. 71 , AMBOS DO CP ). 1. AFASTAMENTO DA QUALIFICADORA DO ABUSO DE CONFIANÇA E DA CONTINUIDADE DELITIVA. DESCABIMENTO. RÉ DETINHA AS CHAVES E POSSUÍA LIVRE ACESSO AO ESCRITÓRIO ONDE SE LOCALIZAVA O COFRE COM OS VALORES SUBTRAÍDOS. CONTINUIDADE DELITIVA COMPROVADA POR MEIO DOS DEPOIMENTOS TESTEMUNHAIS. 2. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE. GRAU DE REPROVABILIDADE DO FURTO QUALIFICADO PELO ABUSO DE CONFIANÇA AFASTA A IRRELEVÂNCIA SOCIAL DA CONDUTA. RÉ EMPREGADA NA PESSOA JURÍDICA VÍTIMA DO FURTO. 3. FURTO PRIVILEGIADO. NÃO CONFIGURAÇÃO. ¿POUCA MONTA¿ NÃO SE PRESUME. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA. 1. O recurso de apelação foi interposto para afastar a qualificadora de abuso de confiança; excluir a condenação pela continuidade delitiva ou absolver a apelante, com base no princípio da insignificância. Subsidiariamente, requer-se a aplicação somente da pena de multa, com o reconhecimento do furto privilegiado, em razão da insignificância do valor subtraído, o bem não ter saído da esfera de controle da vítima e ter sido restituído, de imediato. 2. A qualificadora de abuso de confiança restou devidamente configurada, considerando que a forma pela qual os valores encontravam-se guardados não se mostram hábeis a descaracterizar a relação de confiança entre a ré e a vítima, mormente porque a primeira, na qualidade de secretária do posto de combustíveis, detinha as chaves do escritório, onde se situava o cofre com os valores subtraídos, possuindo livre acesso ao local. Depreende-se dos autos que as câmaras de vigilância somente foram instaladas após um ano do início das atividades pela ré, quando a vítima suspeitou da subtração de valores. 3. Em relação ao crime continuado, os depoimentos das testemunhas são hábeis a comprovar a sua caracterização, sendo evidenciado que as câmaras haviam sido instaladas porque a vítima percebeu que os valores apurados com a venda de combustíveis não estavam compatíveis com as contas a pagar, o que lhe causou estranhamento e a suspeita de que a ré estivesse retirando valores do cofre.O policial militar, que foi condutor da prisão em flagrante, em seu depoimento judicial, afirmou que a vítima havia comparecido dias antes, na delegacia de polícia, para informar que estavam desparecendo valores do posto de gasolina. 4. Não se mostra possível a aplicação do princípio da insignificância, considerando a continuidade delitiva e o abuso de confiança configurados no caso dos autos, em que a ré se aproveitou da sua condição de empregada para subtrair, reiteradamente, valores do posto de combustível onde trabalhava, impactando na saúde financeira da pessoa jurídica, o que denota uma maior reprovabilidade do comportamento e afasta a possibilidade de reconhecimento da irrelevância material da conduta. 5. De igual modo, não se deve incidir a causa de diminuição de pena relativa ao furto privilegiado (art. 155 , § 2º , do CP ), vez que não há como se aferir a totalidade dos valores furtados ¿ porquanto devidamente comprovada a continuidade delitiva ¿, não se mostrando possível a presunção de que se tratam de pouca monta. 6. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA. ACÓRDÃO: Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, ACORDAM os Desembargadores integrantes da 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Ceará, por unanimidade, em CONHECER DO RECURSO, PARA LHE NEGAR PROVIMENTO, nos termos do voto da Relatora. Fortaleza, 14 de fevereiro de 2023. DESEMBARGADOR HENRIQUE JORGE HOLANDA SILVEIRA Presidente do Órgão Julgador DESEMBARGADORA ÂNGELA TERESA GONDIM CARNEIRO CHAVES Relatora