Tribunal de Justiça do Estado da Bahia PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA TURMA RECURSAL - PROJUDI PADRE CASIMIRO QUIROGA, LT. RIO DAS PEDRAS, QD 01, SALVADOR - BA ssa-turmasrecursais@tjba.jus.br - Tel.: 71 3372-7460 PROCESSO Nº XXXXX-32.2021.8.05.0001 ÓRGÃO: 1ª TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS CLASSE: RECURSO INOMINADO RECORRENTE: DENIZE MACHADO DE CARVALHO ADVOGADO: GERSON MONCAO DOS SANTOS JUNIOR RECORRIDO: BIN FD DO BRASIL SOLUCOES DE PAGAMENTO LTDA ADVOGADO: THIAGO DONATO DOS SANTOS ORIGEM: 3ª VSJE DO CONSUMIDOR (MATUTINO) RELATORA: JUÍZA NICIA OLGA ANDRADE DE SOUZA DANTAS JUIZADO ESPECIAL. DIREITO DO CONSUMIDOR. RECURSO INOMINADO. DECISÃO MONOCRÁTICA (ART. 15, XI E XII, DO REGIMENTO INTERNO DAS TURMAS RECURSAIS E ART. 932 , III , IV e V , DO CPC ). MAQUINETA DE CARTÃO DE CRÉDITO /DÉBITO. ALEGAÇÃO DE RETENÇÃO INDEVIDA DE VALOR PELA RÉ. DEFESA QUE ACOMPANHA RELATÓRIO DEMONSTRANDO QUE OS VALORES FORAM DEVIDAMENTE REPASSADOS À PARTE AUTORA. FATO CONSTITUTIVO DO DIREITO DO AUTOR NÃO COMPROVADO – ART. 373 , INCISO I , DO CPC . DANOS MATERIAIS E MORAIS NÃO CONFIGURADOS. IMPROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO IMPROVIDO. 1. Narra a parte autora que utiliza uma maquineta de cartão com as funções débito e crédito fornecida pela ré para auferir rendimentos financeiros de suas vendas. Contudo, informa que não recebeu os valores das vendas realizadas no período de 01.10.2021 a 15.10.2021, na importância total de R$1.470,01. 2. Incontroversa a relação jurídica firmada entre os litigantes, o cerne da questão cinge-se no exame da suposta conduta ilícita (retenção indevida de valores) atribuída à empresa ré. 3. A parte acionada junta aos autos vasto acervo probatório (evento 11), tais como, relatório de envio de pagamento onde há registro de que os valores das vendas efetuadas pela parte autora foram devidamente repassadas, totalizando o valor líquido de R$ 1,428.29. 4. Aponta-se que o caso sob apreço não é hipótese de aplicação da inversão do ônus da prova prevista no artigo 6º , VIII do Código de Defesa do Consumidor , pois não há hipossuficiência técnica da parte acionante. Faculta-se ao juiz excepcionar a regra geral indicada, se, diante de uma relação consumerista, as alegações do consumidor/autor, mesmo desacompanhadas da prova desejável, quanto aos fatos constitutivos, mostra-se verossímil, isto é, tem a aparência de verdade, segundo o que lhe informa a razoabilidade, o bom senso e regras ordinárias de experiência. 5. Por todo o exposto, não se pode concluir, com a necessária segurança e imparcialidade, a presença de ato ilícito na conduta da parte acionada, o que afasta a aplicabilidade das disposições protetivas do Código de Defesa do Consumidor . RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. DANOS MATERIAIS E MORAIS NÃO CONFIGURADOS. SENTENÇA MANTIDA. IMPROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS. RELATÓRIO Narra a parte autora que utiliza uma maquineta de cartão com as funções débito e crédito fornecida pela ré para auferir rendimentos financeiros de suas vendas. Contudo, informa que não recebeu os valores das vendas realizadas no período de 01.10.2021 a 15.10.2021, na importância total de R$1.470,01. Assevera que tentou solucionar administrativamente o problema com a ré, mas não obteve sucesso. Diante disso, requer a condenação da requerida ao pagamento de danos materiais e morais. A acionada defende-se aduzindo ausência de conduta ilícita e inexistência de dever de indenizar. A sentença objurgada julgou improcedentes os pedidos. Insatisfeita, a parte autora ingressou com recurso inominado. Foram oferecidas contrarrazões. DECISÃO MONOCRÁTICA O artigo 15 do Regimento Interno das Turmas Recursais (Resolução nº 02/2021 do TJBA), em seus incisos XI e XII, estabelece a competência do Juiz Relator para julgar monocraticamente as matérias com entendimento já sedimentado pela Turma Recursal ou pela Turma de Uniformização, ou ainda por Tribunal Superior, além da possibilidade de proferir decisão em razão de recurso prejudicado em consonância com o permissivo do artigo 932 , incisos III , IV e V , do Código de Processo Civil . Cabe a transcrição do referido dispositivo do Regimento Interno das Turmas recursais: Art. 15. São atribuições do Juiz Relator, em cada Turma Recursal: (…) XI. negar seguimento, nas Turmas Recursais Cíveis, em decisão monocrática, a recurso inadmissível, improcedente, prejudicado ou em desacordo com súmula ou jurisprudência dominante das Turmas Recursais ou da Turma de Uniformização ou ainda de Tribunal Superior, cabendo Recurso Interno, no prazo de 5 (cinco) dias; XII. dar provimento, nas Turmas Recursais Cíveis, em decisão monocrática, a recurso se a decisão estiver em manifesto confronto com súmula do Tribunal Superior ou jurisprudência dominante do próprio Juizado, cabendo Recurso Interno, no prazo de 5 (cinco) dias; No caso específico dos autos, esta Primeira Turma já possui entendimento consolidado sobre o tema, cabendo destaque para os seguintes julgados: XXXXX-95.2021.8.05.0150 , XXXXX-08.2021.8.05.0113 , XXXXX-94.2020.8.05.0001 , XXXXX-87.2020.8.05.0001 , XXXXX-85.2021.8.05.0004 e XXXXX-71.2019.8.05.0229 . Feitas essas considerações, DECIDO. No mérito, a sentença a quo não merece ser reformada. Incontroversa a relação jurídica firmada entre os litigantes, o cerne da questão cinge-se no exame da suposta conduta ilícita (retenção indevida de valores) atribuída à empresa ré. A parte acionada junta aos autos vasto acervo probatório (evento 11), tais como, relatório de envio de pagamento onde há registro de que os valores das vendas efetuadas pela parte autora foram devidamente repassadas, totalizando o valor líquido de R$ 1,428.29. Aponta-se que o caso sob apreço não é hipótese de aplicação da inversão do ônus da prova prevista no artigo 6º , VIII do Código de Defesa do Consumidor , pois não há hipossuficiência técnica da parte acionante. Faculta-se ao juiz excepcionar a regra geral indicada, se, diante de uma relação consumerista, as alegações do consumidor/autor, mesmo desacompanhadas da prova desejável, quanto aos fatos constitutivos, mostra-se verossímil, isto é, tem a aparência de verdade, segundo o que lhe informa a razoabilidade, o bom senso e regras ordinárias de experiência. No entanto, esta não é a providência que se reclama in casu. A Professora Cecília Matos assim leciona: “Iniciada a instrução probatória, as partes – tanto o consumidor como o fornecedor – devem apresentar todas as provas possíveis para fundamentar suas pretensões ou embasar sua posição jurídica que seja favorável. Após a coleta de provas, constatada a incerteza pela insuficiência do material probatório oferecido, o juiz determinará a realização de provas que entenda necessárias, analisando a possibilidade de aplicação das regras da experiência. Ainda que o consumidor não ofereça nenhuma prova, o fornecedor poderá rechaçar a pretensão inicial, trazendo toda prova pertinente a fundamentar suas alegações e formar a convicção do julgador. Neste caso, pela ausência de dúvidas, não há que se falar em aplicação das regras de ônus da prova ou inversão. Havendo dúvidas e constatando que as afirmações do consumidor são verossímeis e que o fornecedor não fez prova que as contrariasse ou as provas produzidas não ilidiram a presunção, o juiz avaliará o grau de probabilidade dos fatos verossímeis não provados, podendo onerar o fornecedor por sua omissão ou desinteresse em realizar a prova”. ( CECILIA MATOS , in ”O ônus da prova no Código de Defesa do Consumidor”, publicado na Revista de Direito do Consumidor, Volume 11, julho a setembro de 1994, página 161, RT, São Paulo, 1994.A autora é Promotora de Justiça e Mestra em Direito Processual pela USP) A jurisprudência pátria apoia o entendimento desta Magistrada, no sentido de que o princípio da inversão do ônus da prova não autoriza a dispensa de prova possível de ser realizada pelo consumidor, mas, sim, aplica-se àqueles que possuem provas mínimas de possibilidade de desenvolvimento regular do processo. Vejam-se: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO REVISIONAL – EXPURGOS INFLACIONÁRIOS – INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA – NEGADA – DANOS MORAIS – INEXISTENTES – RECURSO NÃO PROVIDO – É inaplicável a regra prevista no art. 6º , VIII , do Código de Defesa do Consumidor , diante da ausência de prova do alegado na petição inicial, pois a inversão do ônus não dispensa a parte de produzir um mínimo de prova, ainda que indiciária, sobre os fatos constitutivos de seu direito, nem supre a falta de documento indispensável à propositura da ação. Não comprovada nos autos a presença do dano moral, inexiste o dever de indenizar.( TJMS – AC-Or XXXXX-4/0000-00 – 1ª C.Cív. – Rel. Des. Sérgio Fernandes Martins – DJe 23.05.2012 – p. 15) CIVIL – CONSUMIDOR – AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS C/C PEDIDO DE REPETIÇÃO DO INDÉBITO – SUPOSTA COBRANÇA DE PARCELA JÁ QUITADA (OBJETO DE PRÉVIO ACORDO JUDICIAL)– AUSÊNCIA DE VEROSSIMILHANÇA DAS ALEGAÇÕES DO CONSUMIDOR – INEXISTÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO PAGAMENTO DA PARCELA EM DISCUSSÃO – REPETIÇÃO DE INDÉBITO INDEVIDO – RESTRIÇÃO DE CRÉDITO NO ESTABELECIMENTO COMERCIAL – EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO – DANO MORAL NÃO CONFIGURADO – INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA – IMPOSSIBILIDADE – DOCUMENTOS JUNTADOS EM SEDE RECURSAL – FATOS NOVOS – ARTIGO 517 DO CPC – RECURSO IMPROVIDO – 1- Diante da inexistência de mínimo lastro probatório que ateste nos autos o efetivo pagamento da parcela em discussão, a improcedência do pedido de repetição do indébito é medida que se impõe. No mesmo sentido, o fato de o autor ser impossibilitado de realizar compras no estabelecimento comercial por existência de débito não quitado configura exercício regular de direito e não ato ilícito, o que afasta o dano moral indenizável pleiteado. 2- Mesmo que a causa verse sobre relação de consumo, não se mostra razoável a aplicação da inversão do ônus da prova, porque esta somente deve ser aplicada em hipóteses excepcionais e diante da verossimilhança das alegações do consumidor, bem como da hipossuficiência em relação à produção da prova, o que não se verifica no presente caso. 3- Não merece conhecimento os documentos novos trazidas à baila em sede de apelação, por configurar inovação recursal que, obviamente, viola o contraditório e a ampla defesa (ARTIGO 517 DO CPC ). 4- Sentença mantida por seus próprios e jurídicos fundamentos, com súmula de julgamento servindo de acórdão, na forma do artigo 46 da lei nº 9.099 /95. Condeno o apelante vencido em custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 10% do valor da causa, nos termos dos artigos 11 , § 2º , e 12 , da lei nº 1.060 /50, dando-se, entretanto, a suspensão da exigibilidade do pagamento destas rubricas, pelo prazo legal, como quer a mesma lei. (TJDFT – Proc. XXXXX – (547926) – Rel. Juiz José Guilherme de Souza – DJe 18.11.2011 – p. 434) APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS – TELEFONIA – SUPOSTA COBRANÇA DE SERVIÇO NÃO SOLICITADO (INTERNET ADSL) – PAGAMENTO DO VALOR IMPUGNADO NÃO COMPROVADO – DESOBEDIÊNCIA À REGRA INSCULPIDA NO INC. I DO ART. 333 DO CPC – DANO MORAL INCABÍVEL – CIRCUNSTÂNCIA QUE, PER SE, NÃO TRANSCENDE UM MERO DISSABOR COTIDIANO – RECURSO DESPROVIDO – 1- "A inversão do ônus da prova prevista no Código do Consumidor, não constitui princípio absoluto, não dispensando assim a A. Da produção de, no mínimo, um princípio de prova do que foi alegado` (TJRS. Ap. Cív. nº 596189217. Rel. Des. Luiz Gonzaga Pila Hofmeister . j. em: 12/12/96)"(AC nº 2006.017117-0, rel. Des. Substituto Rodrigo Antônio , j. 9.7.09). 2-"`Caracteriza ato ilícito a habilitação indevida de serviço não solicitado pelo consumidor, contudo, a simples inserção de valores indevidos em fatura não implica direito a indenização por dano moral, pois é necessário que evento danoso cause abalo à honra e à moral do consumidor, haja vista que o mero desconforto do usuário não é suficiente para configurar dano moral, que somente encontra pertinência quando há ato ilícito e este se reveste de certa importância e gravidade, principalmente porque na hipótese a situação pode ter sido desconfortável, desagradável, mas não a ponto de causar ao consumidor um extraordinário abalo moral.` (AC nº 2008.081117-7, de Turvo, Rel. Des. Jaime Ramos , j. em 24.09.2009)"( AC nº 2009.057876-8 , rel. Des. José Volpato de Souza , j. 19.8.10). (TJSC – AC XXXXX-4 – Rel. Juiz Rodrigo Collaço – DJe 09.12.2011) Por todo o exposto, não se pode concluir, com a necessária segurança e imparcialidade, a presença de ato ilícito na conduta da parte acionada, o que afasta a aplicabilidade das disposições protetivas do Código de Defesa do Consumidor . Diante do exposto, NEGO PROVIMENTO AO RECURSO PARA MANTER A SENTENÇA em todos os seus termos. Custas e honorários, estes em 20% do valor da causa, a cargo do recorrente vencido. Contudo, em virtude do deferimento da assistência judiciária gratuita, tal pagamento fica suspenso nos termos do art. 98 , § 3º , do CPC 2015 . NICIA OLGA ANDRADE DE SOUZA DANTAS Juíza Relatora