1ª TURMA DE DIREITO PRIVADO ORIGEM: JUÍZO DE DIREITO DA 1ª VARA CÍVEL DE BELÉM/PA AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº XXXXX-50.2017.8.14.0000 AGRAVANTE: DJANIRA SILVA DE SOUZA e DJANIRA MENEZES DE ALMEIDA AGRAVADO: RAIMUNDO DA SILVA SOUZA RELATORA: DESA. MARIA FILOMENA DE ALMEIDA BUARQUE AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. COMODATO VERBAL. FALECIMENTO DA POSSUIDORA INDIRETA. EFEITO SUSPENSIVO CONCEDIDO APENAS EM RAZÃO DO GRAVE ESTADO DE SAÚDE DA AGRAVANTE. FALECIMENTO APÓS A CONCESSÃO DO EFEITO. INEXISTÊNCIA DE TRANSMISSÃO DA POSSE A HERDEIRA QUE VIVE NO IMÓVEL. ESBULHO CARACTERIZADO. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. DECISÃO MONOCRÁTICA Trata-se de AGRAVO DE INSTRUMENTO, com pedido de efeito suspensivo, interposto por DJANIRA SILVA DE SOUZA e DJANIRA MENEZES DE ALMEIDA, em face da decisão prolatada pelo douto Juízo de Direito da 1ª Vara Cível de Belém/PA, nos autos da Ação de Reintegração de Posse nº XXXXX-53.2016.8.14.0301 , que deferiu o pedido de antecipação da tutela para determinar que as agravantes desocupem o imóvel situado na Av. Gentil Bittencourt, nº 2157, Ed. Geneve, apto 1301, São Brás, Belém/PA, entregando as chaves ao agravado RAIMUNDO DA SILVA SOUZA. Alegam as agravantes que a decisão proferida pelo juízo de primeiro grau foi precipitada, vez que não oportunizou o contraditório prévio, momento em que as agravantes poderiam ter dado ciência ao magistrado do quadro de saúde da agravante Djanira Silva Souza. Afirmam que a senhora DJANIRA SILVA DE SOUZA sofre de Alzheimer em estágio avançado, alimenta-se por sonda, encontra-se acamada e sem possibilidade alguma de se locomover. Aduzem que já residem no imóvel desde 1997, exercendo desde então a posse mansa, pacífica ininterrupta e com animus domini. Requerem, assim, a concessão do efeito suspensivo ao recurso e que, no mérito, seja dado provimento ao mesmo. Juntou os documentos de fls. 18/132 dos autos. Efeito concedido às fls.137/139 em razão do grave estado de saúde de uma das agravantes. Contrarrazões do agravo de instrumento às fls. 141/142, na qual o agravado que também é pessoa idosa alega a necessidade da manutenção da decisão de piso e a reforma do efeito suspensivo concedido na decisão interlocutória de fls. 137/139. Aduz o agravado que apenas ajuizou a ação de reintegração de posse em face das agravantes, que são sua irmã DJANIRA SILVA DE SOUZA e sobrinha DJANIRA MENEZES DE ALMEIDA, em razão de estar passando por penosa dificuldade financeira em consequência de vários empréstimos bancários. Afirma que está na iminência de ser despejado do imóvel alugado em que vive já que não consegue pagar condomínio e aluguel a mais de 6 meses, cujas notificações foram juntadas nos autos principais. Aduz que o próprio locador do imóvel se sensibilizou com sua situação e pagou a sua conta de energia, lhe concedendo prazo para retirada do apartamento de três meses contados da notificação extrajudicial. Alega que sua sobrinha DJANIRA MENEZES DE ALMEIDA que também reside no imóvel emprestado pelo agravado, é funcionária pública Federal do INSS nunca se importou com sua situação, sendo ele pessoa idosa e que necessita de cuidados da família. Por fim requer, o não provimento do agravo de instrumento interposto pela agravada, devendo ser mantida a liminar de reintegração de posse em seu favor. Às fls. 179 o agravado informou óbito de sua irmã, a ora agravante DJANIRA SILVA DE SOUZA. Às fls. 180 proferi despacho requerendo a juntada de certidão de óbito. Às fls. 181/182 a agravante DJANIRA MENEZES DE ALMEIDA, informou o falecimento de sua mãe DJANIRA SILVA DE SOUZA, requerendo a manutenção da decisão interlocutória que concedeu o efeito suspensivo da decisão de piso. É o relatório. DECIDO. Presentes os pressupostos de admissibilidade, CONHEÇO do recurso de apelação. Pois bem. Nas razões recursais as rés/agravantes aduziram que têm a posse mansa, pacífica ininterrupta do bem, e que não poderia ser mantida a decisão interlocutória do juiz de piso que concedeu a reintegração de posse em favor do agravado, em razão do grave estado de saúde da comodatária que é irmã do agravado. Em decisão interlocutória esse juízo deferiu o efeito suspensivo da decisão de piso, por considerar que a reintegração de posse naquele momento seria prejudicial à saúde de uma da agravante, irmão do agravado, que estava em estado avançado de Alzheimer e sendo alimentada por meio de sonda (fls. 89/83). Em contraminuta (fls. 141/148), o agravado, autor da ação de reintegração de posse, aduz que é pessoa idosa, solteiro e sem filhos, atualmente com 88 anos de idade, que possui apenas o usufruto do imóvel o qual deseja ser reintegrado, tendo em vista que já doou o bem, por gratidão, a um terceiro, que é filho de amigos que cuidaram dele anteriormente. Verifica-se que após o deferimento da decisão interlocutória, a agravada que já estava em grave estado de saúde veio a falecer, conforme certidão de óbito de fls.183, contudo a outra agravada que é filha da de cujus, e que também reside no imóvel, pugna pela necessidade de ser mantida no imóvel por ser também idosa. Adianto, não assiste a razão a agravante sobrevivente. É cediço que à luz dos artigos 1.210 , do Código Civil , em combinação com o artigo 926 , do Código de Processo Civil , o possuidor tem direito a ser mantido na posse, em caso de turbação, e reintegrado, na hipótese de esbulho. Possuidor e esbulhado não é simplesmente quem alega, é quem prova ter tido a posse da coisa, e ter sido dela privado por violência. Segundo, Arnaldo Rizzardo1, para configurar o direito à reintegração da posse, três pressupostos sobressaem: a) deverá o possuidor esbulhado ter exercido uma posse anterior; b) a existência de esbulho; c) a perda da posse em razão do esbulho. No mesmo diapasão: A posse é fato material e não jurídico, é uma situação de fato, ¿poder de fato, é uma relação do poder de fato de uma pessoa para a coisa¿ 2. Em outras palavras, exerce a posse aquele que desfruta de fato, isto é, realmente, efetivamente, de algum dos poderes inerentes ao direito de propriedade, de acordo com o entendimento de Renan Falcão de Azevedo.3 Há que se atentar, todavia, à possibilidade da ¿posse¿ se desdobrar em posse direta (imediata) e posse indireta (mediata), sendo ambas merecedoras de tutela possessória. Arnaldo Rizzardo bem elucida tal situação: ¿Há, na posse direta, uma relação contratual, ou o uso e gozo da coisa. A posse indireta continua com o proprietário, ou o locador, o arrendante, o comodante, o depositante, o mandante, o nu-proprietário e o devedor pignoratício. (...). Normalmente, porém, a posse direta coexiste com a indireta, formando o que se denomina posse paralela, como no usufruto, onde o usufrutuário detém a posse direta, enquanto o nu-proprietário a posse indireta. Explica Caio Mário da Silva Pereira4: 'A posse direta e a indireta coexistem; não colidem nem se excluem.Ambas, mediata e imediata, são igualmente tuteladas'.¿ Nelson Nery Jr5. pontua tal matéria com propriedade: ¿Possuidor indireto. Proteção possessória contra o possuidor direto. Embora a norma (referindo-se ao art. 1.197 do Código Civil ) só regule a admissibilidade dos interditos pelo possuidor direto contra o indireto, a recíproca é verdadeira. Pode ocorrer, por exemplo, que executado o contrato de penhor, o credor pignoratício (possuidor direto) não devolva o bem empenhado, praticando esbulho, pois não tem mais título jurídico para possuir. Pode o dono da coisa empenhada (possuidor indireto) utilizar-se dos interditos possessórios (no caso, reintegração de posse) para reaver a coisa¿. Pois bem, em se provando a posse anterior, seja ela direta ou indireta, há que se demonstrar a ocorrência do ato de agressão sobre a mesma, ou seja, o esbulho praticado pelo réu, que culminará na perda da posse pelo autor. Nesse aspecto, Arnaldo Rizzardo6 esclarece: ¿Conforme é admitido de forma geral, o esbulho se concretiza não só em face dos atos de violência, mas também com a recusa em restituir a coisa quando a isto se é obrigado. (...) Assim, o comodatário, vencido o contrato, notificado se de prazo indeterminado a permissão em manter-se na posse de um bem, torna-se usurpador ou esbulhador a partir do ato que o intimou para a restituição¿. E conclui expondo que: ¿(...) exige-se a notificação unicamente para o contrato de prazo indeterminado e, igualmente, para aquele cujo prazo mede-se de acordo com a presunção da necessidade do uso da coisa¿. O agravado comprovou os fatos constitutivos de seu direito, quais sejam: a posse anterior (indireta), o esbulho praticado pela agravante, que por meio da sucessão, alega que tem direito sobre o imóvel, se negando a desocupar o imóvel cedido pelo agravado em comodato verbal a sua falecida mãe, e não a ela que é filha da comodatária e sobrinha do agravado. Assim, a relação aportada configura um empréstimo a título gratuito, na qual a agravante DJANIRA SILVA DE SOUZA qual recebeu o imóvel em comodato, por prazo indeterminado. A sucessora DJANIRA DE SOUZA MENEZES que é filha de DJANIRA SILVA DE SOUZA recusa-se a desocupar o imóvel, restando configurado o esbulho à posse indireta do autor/agravado e, por conseguinte, a perda da posse. A alegação de posse direta resultante de permissão ou comodato, assim como a mera detenção são situações que excluem o animus domini, pois se a agravante possuir em nome alheio o bem, não há posse, em consequência não cabe a alegação de usucapião como pretende a agravante. A respeito do tema, elucidativa a doutrina de Arnaldo Rizzardo7: ¿... Em primeiro lugar, há de configurar-se como posse com animus domini a própria para o usucapião. A pessoa que mantém a posse deve exercê-la em seu nome próprio ou pessoal, com a intenção de dono. É a preponderância do elemento animus, ou intenção, da teoria subjetiva de SAVIGNY. O possuidor deve ter a coisa para si, ou seja, animus rem sibi habendi. Salienta ULDERICO PIRES DOS SANTOS (Usucapião - Doutrina, Jurisprudência e Prática, p. 19):'Como é notório, todo aquele que sabe que a coisa não lhe pertence não é detentor da posse ad usucapionem, por que esta exige animus domni. Quer dizer: se o possuidor não fizer a prova de que possui o imóvel como seu, não há que se cogitar de usucapião porque a posse sem a intenção de dono não autoriza a declaração de domínio' ¿. Neste sentido, a jurisprudência: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE -ESCRITURA DE CESSÃO DE DIREITOS - FALECIMENTO DO POSSUIDOR INDIRETO - TRANSMISSÃO DA POSSE AOS HERDEIROS - ESBULHO CARACTERIZADO - COMPROVAÇÃO DOS REQUISITOS - ALEGAÇÃO DE USUCAPIÃO - AUSENCIA DOS REQUISITOS DO ART. 1240 , DO CC . Nos termos do art. 1.784 do Código Civil , é transmitida automaticamente aos herdeiros não só a propriedade, mas também a posse dos bens deixados pelo de cujus. Nos termos do art. 561 do NCPC , na ação de reintegração de posse, cumpre ao postulante comprovar a posse do bem e o esbulho praticado pelo Réu . Ausentes os requisitos exigidos pelo art. 1240 , do CC , quais sejam: área urbana até 250,00 m², posse mansa e pacífica exercida ininterruptamente e sem oposição, por cinco anos, destinação do imóvel para moradia própria ou de sua família, não há que se falar em aquisição da propriedade do imóvel por usucapião. (TJ-MG - AC: XXXXX40005058002 MG , Relator: Luciano Pinto, Data de Julgamento: 26/10/2017, Câmaras Cíveis / 17ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 07/11/2017) 'USUCAPIÃO. Ânimo de dono. O reconhecimento de domínio alheio sobre o imóvel, por incompatível com ânimo de dono, impede a existência de usucapião. Apelo improvido¿. (Apelação Cível n. XXXXX- 8ª Câmara Cível - Julgada em 07/05/96 - Julgados do TARS nº 98, páginas XXXXX-375) Nesse passo, presentes os requisitos do art. 561 do CPC/15 , deve ser mantida a decisão de 1ª grau que julgou procedente a liminar em ação de reintegração de posse. Ante o exposto, conheço e nego provimento ao recurso, tornado sem efeito a decisão interlocutória de fls. 137/139, para manter a decisão interlocutória do juiz a quo, pelos fundamentos acima apresentados. Belém, 08 de agosto de 2018. MARIA FILOMENA BUARQUE DE ALMEIDA DESEMBARGADORA 1 1 RIZZARDO, Arnaldo. Direito das Coisas: Lei nº 10.406 , de 10.01.2002. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 105. 2 2 LAFAYETE. Direito das Coisas. v. 1., 2ª ed., & 5º; RIBAS. A posse e as ações possessórias, 1983; SAVATIER. Cours de Droit Civil. 2ªb0 ed., 1947, n. 628, 1º/320. 3 3 AZEVEDO, Renan Falcão de Posse: efeitos e proteção. Caxias do Sul: EDUCS, 1984, p. 36. 4 4 RIZZARDO, Arnaldo. Direito das Coisas: Lei n º 10.406 , de 10.01.2002. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 49. 5 5 NERY JÚNIOR, Nelson, Rosa Maria de Andrade Nery. Código Civil Comentado e Legislação Extravagante. 3ª Ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 609. 6 6 RIZZARDO, Arnaldo. Direito das Coisas: Lei n º 10.406 , de 10.01.2002. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 106 7 7 RIZZARDO, ARNALDO. Direito das Coisas - de acordo com a Lei nº 10.406 , de 10.01.2002. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 265/266