ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PODER JUDICIÁRIO Juízo de Vila Velha - Comarca da Capital - 3ª Vara Criminal Rua Doutor Annor da Silva, 191, Fórum Desembargador Annibal de Athayde Lima , Boa Vista II, VILA VELHA - ES - CEP: 29107-355 Telefone:(27) 31492754 PROCESSO Nº XXXXX-06.2024.8.08.0035 PROCEDIMENTO ESPECIAL DA LEI ANTITÓXICOS (300) INTERESSADO: A SOCIEDADE AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPIRITO SANTO REU: THIAGO RIBEIRO DOS SANTOS Advogado do (a) REU: LOHANY WAGNER SOARES FERREIRA - ES34438 SENTENÇA THIAGO RIBEIRO DOS SANTOS , foi denunciado nas sanções do artigo 33 da Lei N. 11.343 /06, pois, no dia 23 de Dezembro de 2023, no Bairro Barra do Jucu, nesta Comarca, transportava, para fins de mercância, 1.250 (mil, duzentos e cinquenta) pinos de “cocaína”, em desacordo com determinação legal ou regulamentar, além de R$ 438,00, produto do comércio ilícito. BU, Auto de Apreensão, Auto de constatação da natureza da substância, refletidos da documentação id XXXXX. A prisão em flagrante foi convertida em preventiva, nos termos da documentação id XXXXX. Notificação determinada, id XXXXX, assim como a destruição dos entorpecentes, na forma da Instrução Conjunta nº 01/2018, sem notícias do cumprimento. Defesa Preliminar, id XXXXX. Denúncia recebida, id XXXXX. Audiência de Instrução e Julgamento, id XXXXX. Em diligências, as partes requereram a juntada do Laudo, o que foi deferido. Laudo Químico, id XXXXX. Alegações Finais, na forma de memoriais, id XXXXX e XXXXX. É em síntese o Relatório. Decido. A materialidade restou devidamente comprovada em face do Auto de Apreensão e em Laudos Preliminar e Definitivo de Substância Entorpecente. O PM Rafael , em Juízo, relatou que o acusado foi abordado após receberem uma “denúncia” proveniente do Serviço de Inteligência da 13ª Cia de que um veículo suspeito, com placa informada, fazia transporte de drogas. Relatou, ainda, que sendo o veículo relatado avistado, foi abordado e no interior deste apreendidos os entorpecentes, acondicionados abaixo do banco dianteiro direito, em uma sacola. Disse, por fim, que havia uma passageira no interior do veículo, eis que o acusado trabalhava como motorista de aplicativo, tendo o réu confessado que a passageira nada tinha a ver com os entorpecentes, sendo estes por ele transportados, a pedido de terceira pessoa não declinada. O PM Gabriel , em Juízo, relatou que o acusado foi abordado a partir de informações provenientes do serviço de inteligência da PM, sendo avistado em “cerco inteligente”, o que acionou a viatura da testemunha, que logrou êxito em abordar o veículo que estava sendo conduzido pelo acusado. A testemunha relatou, ainda, que as drogas foram apreendidas embaixo do banco dianteiro direito do carro e que, ao tempo, o acusado confessou que estava transportando as drogas a pedido de outra pessoa, tendo as buscado em Barramares e as deixaria no Bairro Cobi, pelo que receberia R$ 300,00. O crime de tráfico se encontra elencado entre aqueles equiparados a hediondos. Diversos são os verbos descritos no artigo 33 da Lei Antitóxico, como vender, oferecer, fornecer, ter em depósito, transportar, guardar. O objeto jurídico principal é a saúde pública e o secundário, a vida, a saúde individual, a incolumidade física, dentre outros bens da vida. No secundário, trata-se de crime de perigo concreto e naquele, de perigo abstrato. Sabe-se que os depoimentos dos agentes públicos envolvidos nas diligências que culminaram com a acusação da prática de um crime por parte dos acusados devem ser analisados como os de qualquer outra pessoa. Por uma questão lógica e racional, contudo, eles preponderam sobre a declaração de quem é acusado de um delito, porque, geralmente, este tenta fugir de sua responsabilidade penal pelo fato. Não se imagina que, sendo o policial uma pessoa idônea e sem qualquer animosidade específica contra o agente, vá a juízo mentir, acusando falsamente um inocente. Portanto, sua declaração, como a de todas as outras testemunhas e vítimas, deve ser examinada apenas pelos elementos que ela contém. Confrontar-se-á com as outras provas obtidas na instrução e até com a qualidade da pessoa que depôs. Se a prova sobrevive após esta análise, ela é forte para a condenação, não importando quem a trouxe. Nesse sentido: APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE DROGAS. DESCLASSIFICAÇÃO. INTERPRETAÇÃO DO ART. 28 , § 2º DA LEI 11.343 /2006. TRÁFICO PRIVILEGIADO. NÃO RECONHECIDO. GRATUIDADE DE JUSTIÇA. ANÁLISE DO JUÍZO DA EXECUÇÃO. RECURSO IMPROVIDO. 1. Para identificar a dedicação ao tráfico de entorpecentes, o juízo valorativo das provas produzidas deve considerar o contexto da apreensão, especialmente os parâmetros sugeridos pelo legislador no art. 28 , § 2º da Lei 11.343 /2006. 2. O fato do recorrente ser usuário não impede que pratique o crime de tráfico de drogas, tratando-se de delitos autônomos que preveem em seu núcleo condutas também distintas. De igual modo, a pouca droga encontrada, por si só, não é motivo para afastar a traficância, que independe da comprovação de efetiva comercialização de entorpecentes, bastando a ocorrência de algum dos verbos previstos no tipo penal. 3. É assente o entendimento dos Tribunais Pátrios no sentido de que o depoimento policial prestado em juízo constitui meio de prova idôneo a respaldar a condenação, notadamente quando ausente dúvida sobre a imparcialidade das testemunhas, cabendo à defesa o ônus de demonstrar a imprestabilidade da prova. Jurisprudência do STJ. 4. A aplicação do art. 33 , § 4º da Lei 11.343 /2006 deve respeitar a sua finalidade, que tem como objetivo beneficiar apenas pequenos e eventuais traficantes, que não possuem a atividade ilícita como meio de vida, mas um fato pontual e isolado. Jurisprudência do STJ. 5. As autoridades policiais somente chegaram à residência do réu após denúncias de tráfico na localidade, praticado em concurso de agentes, sendo que ainda possuía uma arma para defesa pessoal. Ainda que tenham sido apreendidos apenas 34 papelotes e 02 pinos de cocaína, as circunstâncias fáticas afastam da figura do pequeno ou eventual traficante. 6. O momento de verificação da miserabilidade do condenado, para fins de suspensão da exigibilidade do pagamento, é na fase de execução. Jurisprudência do STJ. 7. Recurso conhecido e improvido. (TJES, Classe: Apelação Criminal, 002190009973, Relator : ELISABETH LORDES , Órgão julgador: PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL, Data de Julgamento: 02/02/2022, Data da Publicação no Diário: 16/02/2022) O depoimento das testemunhas, foram firmes e coerentes, ilidindo quaisquer dúvidas quanto a sua veracidade. O acusado, em Juízo, confessou a autoria delitiva, afirmando que estava transportando os entorpecentes, porque estava precisando de dinheiro e que, pelo transporte, receberia a quantia de R$ 450,00. O tráfico de drogas, como crime de múltiplas condutas, busca punir não apenas quem comercializa, mas também quem traz consigo, transporta e mantém em depósito drogas, que, pela quantidade e forma de acondicionamento, destinavam-se ulteriormente ao comércio. Por oportuno ressaltar que, segundo posicionamento unânime da doutrina bem como da jurisprudência, inclusive do STF e do STJ, não haverá necessidade do chamado dolo específico para a configuração do tráfico, bastando, tão somente o dolo genérico. APELAÇÃO CRIMINAL ARTIGO 33 , CAPUT, DA LEI Nº 11.343 /06 E ART. 16 , PARÁGRAFO ÚNICO , INCISO IV , DA LEI 10.826 /03 PRELIMINAR DE AFRONTA O ART. 93, IX, DA CF/88 NÃO OCORRÊNCIA PRELIMINAR REJEITADA PRELIMINAR DE NULIDADE - PROVAS ILÍCITAS NÃO OCORRÊNCIA PRELIMINAR REJEITADA - MÉRITO ABSOLVIÇÃO DO CRIME DE TRÁFICO OU DESCLASSIFICAÇÃO PARA O DELITO TIPIFICADO NO ART. 28 DA LEI Nº 11.343 /06 - IMPOSSIBILIDADE MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS ABSOLVIÇÃO OU DESCLASSIFICAÇÃO DO DELITO PREVISTO NO ART. 16 , PARÁGRAFO ÚNICO , IV , DA LEI 10.826 /03 PARA A CONDUTA DO ART. 14 DO MESMO DIPLOMA LEGAL INVIABILIDADE POSSE DE ARMA DE FOGO COM NUMERAÇÃO RASPADA REDUÇÃO DA PENA-BASE PARA O MÍNIMO LEGAL VIABILIDADE AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA (CRIME DE POSSE DE ARMA DE FOGO COM NUMERAÇÃO RASPADA) - APLICAÇÃO DA FRAÇÃO MÁXIMA (2/3) NA CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO DO ART. 33 , § 4º , DA LEI DE TÓXICOS NÃO CABIMENTO NATUREZA E QUANTIDADE DE DROGAS - ISENÇÃO DE CUSTAS IMPOSSIBILIDADE MATÉRIA DO JUÍZO DA EXECUÇÃO - RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (...). Preliminar de nulidade das provas : 1 - O crime de tráfico de drogas é de natureza permanente, o que se permite, desta feita, ao agente policial entrar no domicílio de um indivíduo em decorrência do estado de flagrância, sendo, inclusive, desnecessária a posse de mandado de busca e apreensão. 2 Preliminar rejeitada. Mérito : 1 - O crime de tráfico ilícito de entorpecentes é de ação múltipla, sendo que a prática de qualquer uma das condutas incriminadoras previstas no artigo 33 , da Lei nº 11.343 /06 preenche o núcleo do tipo penal. Restando patente que o recorrente guardava substância entorpecente destinada à comercialização, encontra- se devidamente confirmada a autoria e a materialidade delitiva, não havendo que se falar em absolvição, tampouco na desclassificação para o art. 28 , da Lei de Tóxicos . 2 - Não há como se acolher o pleito absolutório ou desclassificatório do crime previsto no art. 16 , parágrafo único , inciso IV , da L. 10.826 /03, tendo em vista que as provas colhidas são claras no sentido de que o recorrente possuía uma arma de fogo com a numeração raspada, sendo típica a sua conduta nos moldes do aludido dispositivo. 3 - Tendo a magistrada a quo considerado 03 (três) circunstâncias judiciais negativas sem a devida fundamentação, estas devem ser anuladas, fixando-se a reprimenda base do recorrente no mínimo legal. 4 Incabível a aplicação da fração máxima - 2/3 (dois terços)- na causa especial de diminuição do art. 33 , § 4º , da Lei de Tóxicos , uma vez que a fração de 1/2 (metade) foi devidamente justificada em razão da quantidade e da natureza das drogas apreendidas. 5 - O agente, ainda que beneficiário da assistência judiciária gratuita, pode ser condenado ao pagamento das custas processuais, nos termos do artigo 804 , do Código de Processo Penal . Ademais, a isenção do pagamento é matéria de execução penal, quando, efetivamente, deverá ser avaliada a miserabilidade do beneficiário da justiça gratuita. 6 - Recurso conhecido e parcialmente provido para reduzir a pena-base do crime do art. 16 , parágrafo único , inciso IV , da Lei 10.826 /03, para o seu mínimo legal. (TJES, Classe: Apelação, 035130345719, Relator: FERNANDO ZARDINI ANTONIO - Relator Substituto : JULIO CESAR COSTA DE OLIVEIRA , Órgão julgador: SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL , Data de Julgamento: 07/11/2018, Data da Publicação no Diário: 13/11/2018) Pois bem, são esses, em síntese, os fatos e as provas produzidas nos autos. Latente e sobejamente demonstrado nos autos a autoria. Pelas provas colimadas aos autos, restou cabalmente demonstrada a ocorrência de fatos típicos, antijurídicos e culpáveis, tendo como embasamento para a motivação da condenação a prova testemunhal, documental e pericial colhida. De saber que, pelo princípio do livre convencimento motivado, o Magistrado poderá valer-se de qualquer meio probatório lícito, desde que haja fundamentação para formar seu convencimento. Das provas orais e documentais carreadas, têm-se que a conduta do Acusado se adequa a figura penal do tráfico ilícito de entorpecentes. Posto isto, considerando despiciendas considerações outras e que o apanágio do Juiz é fazer Justiça, com a função precípua de pesquisar a verdade para colimar tal objetivo, inclusive porque a prova fica a critério do julgador fazer a avaliação e verossimilhança dos fatos, das causas, e, apoiada no conjunto probatório demonstrado, é que JULGO PROCEDENTE a pretensão punitiva estatal para CONDENAR, THIAGO RIBEIRO DOS SANTOS , nas sanções do artigo 33 , da Lei Nº 11.343 /06. Considerando a culpabilidade do agente, agindo com dolo, sendo certo que a exploração do tráfico ilícito de entorpecentes vem se tornando cada vez mais organizada, resultando em verdadeiras facções escalonadas do crime em que cada parte desenvolve funções específicas e delimitadas, movimentando enormes somas em dinheiro e, em muitas comunidades, encampando o Poder Oficial, exercido pelo Estado, gerindo-as como bem entenderem, merecendo, pois, reprimenda estatal; antecedentes, tecnicamente primário; conduta social, não esclarecida; personalidade, que não pode ser aferida, eis que ausente Laudo Psicológico firmado por profissional habilitado; motivos, não comprovados, mas que, na essência, visam ao lucro rápido e fácil; circunstâncias, desfavoráveis, face a apreensão de vultosa quantidade de entorpecentes transportadas em veículo utilizado a pretexto de exercício de atividade laboral lícita, como clara tentativa de subterfúgio, visando elidir abordagens policiais; consequências, desfavoráveis, com disseminação de droga e perniciosa à sociedade e a situação financeira do réu, mediana. Considerando as circunstâncias judiciais do artigo 59, do CPB, fixo-lhe a PENA BASE em 07 (SETE) ANOS DE RECLUSÃO e ao pagamento de 700 (SETECENTOS) DIAS MULTA à razão de um trinta avos do salário mínimo vigente quando dos fatos, devidamente corrigido até a data do efetivo pagamento. Incide a atenuante da confissão, de modo que reduzo-lhe a pena aplicada em 03 (três) meses, atingindo-se, então, 06 (SEIS) ANOS E 09 (NOVE) MESES DE RECLUSÃO, sem alteração da pena de multa, por reputá-la suficiente aos critérios de prevenção geral/especial da pena. Considerando que o acusado estava em posse de 1250 (mil, duzentos e cinquenta) pinos de “cocaína”, os quais não seriam confiadas a mero participante eventual do “movimento”, é de se reconhecer que, embora sem comprovação da estabilidade e permanência necessárias a ensejar o crime do artigo 35, da Lei em comento, passou a integrar organização criminosa, visto ser rara, para não dizer inexistente, a atuação “autônoma” no escalonado regime imposto pelo Tráfico de Entorpecentes e seus chefes, de modo que não incide em seu favor a causa de diminuição de pena prevista no § 4º, do art. 33, da Lei em voga. Considerando a inexistência de causas outras de majoração ou mitigação das penas impostas, torno-as em definitivo. A pena de multa imposta deverá ser paga na forma do artigo 50 do Código Penal e do Ato Normativo Conjunto nº 27/2020. Ante o montante de pena aplicado, o regime inicial da pena será o SEMIABERTO. Considerando que o acusado esteve preso durante toda a instrução processual, por verificar ainda presentes os requisitos da custódia cautelar, eis que ausentes quaisquer alterações fáticas hábeis a infirmar a decisão que a decretou, bem como face o regime inicial de pena aplicado, não permito que recorra em liberdade, recomendando-o a estabelecimento prisional congênere ao regime inicial fixado para cumprimento da pena definitiva. Nesse sentido, DIREITO PROCESSUAL PENAL. COMPATIBILIDADE ENTRE A PRISÃO CAUTELAR E O REGIME PRISIONAL SEMIABERTO FIXADO NA SENTENÇA. Há compatibilidade entre a prisão cautelar mantida pela sentença condenatória e o regime inicial semiaberto fixado nessa decisão, devendo o réu, contudo, cumprir a respectiva pena em estabelecimento prisional compatível com o regime inicial estabelecido. Precedentes citados: HC 256.535-SP , Quinta Turma, DJe 20/6/2013; e HC 228.010-SP , Quinta Turma, DJe 28/5/2013. HC 289.636-SP , Rel. Min. Moura Ribeiro , julgado em 20/5/2014. Expeça-se GE provisória, que deverá ser cadastrada no BNMP 2.0, dando-se ciência ao MP. Condeno-o, ainda, ao pagamento das custas e despesas processuais. Oficie-se para a destruição dos entorpecentes e da contraprova. Declaro a perda da quantia em dinheiro apreendida, em favor da União, após abatida a multa criminal, em havendo saldo. Ausente comprovação de que o veículo apreendido pertença a terceiro de boa fé, declaro a perda deste, em favor do FUNAD. Ausente comprovação da propriedade/origem lícita, declaro a perda e determino a destruição dos demais bens apreendidos e que não foram objeto de restituição. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Cientifique-se. Transitada em julgado, certificado, lance a Sra. Chefe de Secretaria o nome do Apenado no rol dos culpados, oficiando-se aos órgãos de identificação e estatística criminal do Estado para as devidas anotações, inclusive ao T.R.E., expedindo-se, a competente Guia de Execução Criminal, da qual deverá ser dada ciência ao Presentante do Órgão Ministerial, arquivando-se, após. VILA VELHA-ES, 9 de abril de 2024. Juiz (a) de Direito