Tribunal de Justiça do Estado da Bahia PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA TURMA RECURSAL - PROJUDI PADRE CASIMIRO QUIROGA, LT. RIO DAS PEDRAS, QD 01, SALVADOR - BA ssa-turmasrecursais@tjba.jus.br - Tel.: 71 3372-7460 PROCESSO Nº XXXXX-32.2020.8.05.0001 ÓRGÃO: 1ª TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS CLASSE: RECURSO INOMINADO RECORRENTE: LIVIA DA SILVA SANTOS ADVOGADO: ROSANA DE SANTANA SILVA RECORRIDO: MK MONDIAL ADVOGADO: VANDRE CAVALCANTE BITTENCOURT TORRES RECORRIDO: ATACADAO CENTRO SUL LTDA ADVOGADO: RENATO DINIZ DA SILVA NETO RECORRIDO: TEOMIRO SANTANA MOREIRA DE PINHO ADVOGADO: ------ ORIGEM: 11ª VSJE DO CONSUMIDOR (MATUTINO) RELATORA: JUÍZA NICIA OLGA ANDRADE DE SOUZA DANTAS JUIZADO ESPECIAL. DIREITO DO CONSUMIDOR. RECURSO INOMINADO. DECISÃO MONOCRÁTICA (ART. 15, XI E XII, DO REGIMENTO INTERNO DAS TURMAS RECURSAIS E ART. 932 , III , IV e V , DO CPC ). VÍCIO DO PRODUTO (CAIXA AMPLIFICADORA DE SOM) NO CURSO DA GARANTIA CONTRATUAL. SUBMISSÃO DO APARELHO PARA A ASSISTÊNCIA TÉCNICA DO FABRICANTE. REPARO NÃO REALIZADO. EXTINÇÃO DO FEITO. DECLARAÇÃO DE INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DE SUPOSTA NECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DE PERÍCIA. DESNECESSIDADE DE PRODUÇÃO DE PROVA DE NATUREZA COMPLEXA. COMPETÊNCIA DO JUÍZO. CAUSA MADURA. BOA-FÉ DO CONSUMIDOR QUE SE VISLUMBRA. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA E SOLIDÁRIA ENTRE FABRICANTE E COMERCIANTE. DANOS MORAIS CONFIGURADOS E ORA ARBITRADOS EM R$ 3.000,00. DANOS MATERIAIS CONSISTENTES NA RESTITUIÇÃO DO VALOR PAGO PELO PRODUTO (R$ 379,89). ILEGITIMIDADE PASSIVA ¿AD CAUSAM¿ DA ASSISTÊNCIA TÉCNICA. RECONHECIMENTO DE OFÍCIO. 1. Merece ser anulada a sentença que extinguiu o processo sem resolução do mérito em razão de suposta necessidade de produção de prova complexa. A parte autora acosta comprovante de que submeteu o bem para a assistência técnica do fabricante, porém, este, nada informa o motivo sobre a não realização do reparo, não apresentando qualquer laudo técnico ou elemento de prova que chegou a analisar o bem, portanto, absolutamente desnecessária a realização de prova complexa para deslinde do mérito litigioso. Assim, conclui-se pela competência do Juízo ¿a quo¿ para processar e julgar a presente ação. 2. Deve ser reconhecida a ilegitimidade passiva ¿ad causam¿ da corré TEOMIRO SANTANA MOREIRA DE PINHO, visto tratar-se de mera assistência técnica, que atua conforme as determinações da fabricante, desenvolvendo sua atividade como mera longa manus do fabricante. 3. Adentrando ao mérito, como já delineado no subitem 1, a parte autora se desincumbiu de seu ônus de prova ao comprovar que submeteu o aparelho na assistência técnica da fabricante em 24.08.2020 (OS nº 55473770), momento que ainda estava vigente a garantia contratual, acostando também protocolo de atendimento (nº 8143547) porém, a corré MONDIAL nem mesmo explica o defeito apresentado ou apresenta laudo de análise técnica do produto, portanto, não se desincumbindo de seu ônus de prova previsto no art. 373 , II do CPC , devendo ocorrer a restituição do valor pago pelo produto. 4. O art. 18 , do CDC , em seu caput, diz que ¿os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor¿. Destarte, todos aqueles que figuram na cadeia de consumo respondem, solidária e objetivamente, pelos vícios de inadequação ocorridos dentro do prazo de garantia contratual. 5. Digno de nota a existência de responsabilidade solidária entre o fabricante e comerciante, conclusão lógica extraída do art. 18 do CDC , possuindo posicionamento pacífico da jusrisprudência no sentido de que o prazo de 90 dias previsto no CDC inicia-se após o esgotamento da garantia contratual. Portanto, configurada a legitimidade passiva da corré ATACADÃO CENTRO SUL. 6. A extrapolação do prazo legal para solução do vício do produto, privando o consumidor do bem adquirido sem qualquer posicionamento satisfatório, compelindo-o à necessidade da buscar a tutela jurisdicional, configura quebra dos deveres de qualidade e confiança. 7. Evidenciado o vício do produto dentro do prazo de garantia legal e tendo sido recusado o reparo, são devidos danos morais in re ipsa, não tendo as partes acionadas se desincumbido do ônus de provar o mau uso do produto pelo consumidor. Reputa-se adequada a quantia de R$ 3.000,00, mormente pela natureza não essencial do bem o qual restou privado a parte autora, circunstância que deve influenciar no quantum indenizatório. 8. Digno de nota que a narrativa autoral não deixa claro se o produto foi devolvido, ou não, pela assistência técnica, portanto, caso a caixa de som esteja sob a posse da parte autora, ficam autorizadas as corrés, no prazo de 15 dias após o pagamento da condenação, a retirar o bem da residência da acionante. SENTENÇA RECORRIDA QUE SE ANULA. CAUSA MADURA. RECURSO INOMINADO QUE DEVOLVEU A MATÉRIA AO ÓRGÃO COLEGIADO EM SUA INTEGRALIDADE - ART. 1.013 , § 3º , I , DO CPC . JULGAMENTO PELA PROCEDÊNCIA EM PARTE DOS PEDIDOS DECLARAÇÃO, DE OFÍCIO, DA ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DA ASSISTÊNCIA TÉCNICA. RELATÓRIO Alega a acionante que, em 24.11.2019 adquiriu em estabelecimento da corré ATRACADÃO CENTRO SUL uma caixa de som amplificadora de fabricação da corré MONDIAL, pagando o valor de R$ 379,89. Aduz que, em o produto apresentou defeito, submetendo o mesmo à assistência técnica da fabricante em 24.08.2020 (OS nº 55473770), momento que ainda estava vigente a garantia contratual, acostando também protocolo de atendimento (nº 8143547), porém, o aparelho não foi reparado. Requereu restituição do valor pago pelo aparelho e indenização por danos morais. A acionada ATACADÃO CENTRO SUL defende-se arguindo preliminar de ilegitimidade passiva ad causam, afirmando que limitou-se a comercializar o aparelho, sendo a fabricante responsável pelos prejuízos alegados. A corré MONDIAL defende-se de forma evasiva, limitando-se a informar que o uso incorreto do aparelho ocasionou o defeito narrado. Pugnou pela declaração de improcedência dos pedidos. A corré TEOMIRO SANTANA MOREIRA DE PINHO, não obstante devidamente citada, não compareceu na audiência realizada, também não apresentando defesa, tendo sua revelia decretada. A sentença atacada extinguiu o feito sem resolução do mérito, sob a alegação de que a resolução do litígio demanda produção de prova pericial complexa, medida que não se coaduna com o procedimento estabelecido com a lei 9.099 /95. Insatisfeito, a parte autora ingressou com recurso inominado. Foram oferecidas contrarrazões. DECISÃO MONOCRÁTICA O artigo 15 do Regimento Interno das Turmas Recursais (Resolução nº 02/2021 do TJBA), em seus incisos XI e XII, estabelece a competência do Juiz Relator para julgar monocraticamente as matérias com entendimento já sedimentado pela Turma Recursal ou pela Turma de Uniformização, ou ainda por Tribunal Superior, além da possibilidade de proferir decisão em razão de recurso prejudicado em consonância com o permissivo do artigo 932 , incisos III , IV e V , do Código de Processo Civil . Cabe a transcrição do referido dispositivo do Regimento Interno das Turmas recursais: Art. 15. São atribuições do Juiz Relator, em cada Turma Recursal: (¿) XI. negar seguimento, nas Turmas Recursais Cíveis, em decisão monocrática, a recurso inadmissível, improcedente, prejudicado ou em desacordo com súmula ou jurisprudência dominante das Turmas Recursais ou da Turma de Uniformização ou ainda de Tribunal Superior, cabendo Recurso Interno, no prazo de 5 (cinco) dias; XII. dar provimento, nas Turmas Recursais Cíveis, em decisão monocrática, a recurso se a decisão estiver em manifesto confronto com súmula do Tribunal Superior ou jurisprudência dominante do próprio Juizado, cabendo Recurso Interno, no prazo de 5 (cinco) dias; No caso específico dos autos, esta Primeira Turma Recursal possui entendimento consolidado sobre o tema, cabendo destaque para os seguintes julgados: XXXXX-73.2020.8.05.0001 , XXXXX-02.2019.8.05.0201 , XXXXX-04.2019.8.05.0150 , XXXXX-12.2018.8.05.0229 , XXXXX-65.2019.8.05.0001 , XXXXX-34.2019.8.05.0113 , XXXXX-97.2019.8.05.0001 e XXXXX-35.2019.8.05.0039 . Feitas essas considerações: DECIDO. ¿Data venia¿, a sentença proferida pelo MM. Juízo ¿a quo¿ merece ser anulada. Merece ser anulada a sentença que extinguiu o processo sem resolução do mérito em razão de suposta necessidade de produção de prova complexa. A parte autora acosta comprovante de que submeteu o bem para a assistência técnica do fabricante, porém, este, nada informa o motivo sobre a não realização do reparo, não apresentando qualquer laudo técnico ou elemento de prova que chegou a analisar o bem, portanto, absolutamente desnecessária a realização de prova complexa para deslinde do mérito litigioso. Assim, conclui-se pela competência do Juízo a quo para processar e julgar a presente ação. Ante o acima exposto, declaro a nulidade da sentença recorrida. Deve ser reconhecida a ilegitimidade passiva ¿ad causam¿ da corré TEOMIRO SANTANA MOREIRA DE PINHO, visto tratar-se de mera assistência técnica, que atua conforme as determinações da fabricante, desenvolvendo sua atividade como mera longa manus do fabricante. Entende a jurisprudência: GRAVO DE INSTRUMENTO. REPARAÇÃO DE DANOS. VÍCIO DO PRODUTO. APARELHOS DE AR CONDICIONADO. EMPRESA PRESTADORA DE ASSISTÊNCIA TÉCNICA. NÃO CONFIGURAÇÃO DA HIPÓTESE PREVISTA NO ART. 18 DO CDC . EXCLUSÃO DA RESPONSABILIDADE. ACOLHIDA A ILEGITIMIDADE DE PARTE PASSIVA. RECURSO PROVIDO EM PARTE. - Situação diversa da hipótese do artigo 18, uma vez que a demanda é fundada em vício do próprio produto, e não do serviço, o que afasta, de logo, a responsabilidade da prestadora de serviços de assistência técnica; - A agravante não participou da venda dos produtos, nem tampouco foi acionada para efetuar qualquer prestação de serviço. A sua participação no episódio se restringiu à verificação do alegado pela agravada, após a notificação desta às empresas fabricantes/fornecedoras, demais demandadas, cujos produtos foram adquiridos diretamente junto a estas, conforme notas fiscais apresentadas. (Acórdão XXXXX no Agravo de Instrumento 0934/2006 do TJSE. Relator Des. Cezário Siqueira Neto. Julgamento em 19 de março de 2007). (grifos nossos) Outrossim, considerando que o feito já se encontra regularmente instruído, bem como que a causa versa exclusivamente sobre questão de direito, com base no quanto disposto no art. 1.013 , § 3º , I , do CPC , passo ao julgamento do mérito. Adentrando ao mérito, como já delineado no subitem 1, a parte autora se desincumbiu de seu ônus de prova ao comprovar que submeteu o aparelho na assistência técnica da fabricante em 24.08.2020 (OS nº 55473770), momento que ainda estava vigente a garantia contratual, acostando também protocolo de atendimento (nº 8143547) porém, a corré MONDIAL nem mesmo explica o defeito apresentado ou apresenta laudo de análise técnica do produto, portanto, não se desincumbindo de seu ônus de prova previsto no art. 373 , II do CPC , devendo ocorrer a restituição do valor pago pelo produto. Sempre que um produto colocado no mercado não atender às expectativas de durabilidade ou funcionamento ofertadas ao consumidor, por apresentar disfunções anormais estará caracterizado o vício do produto, devendo-se indenizar todos quantos lesados. Assim, caberia à acionada LG ELETRONICS a comprovação de que o mau uso deu causa ao vício alegado, mas não o fez, logo não foi demonstrado o nexo de causalidade entre o comportamento do consumidor e a lesão reclamada em Juízo. A jurisprudência manifesta-se nesse mesmo sentido (grifos nossos): CONSUMIDOR. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. APARELHO DE TELEFONE CELULAR. VÍCIO DO PRODUTO. LAUDO TÉCNICO QUE REFERE A OCORRÊNCIA DE OXIDAÇÃO NO APARELHO. INEXISTÊNCIA DE PROVAS DO MAU USO PELO CONSUMIDOR. APLICAÇÃO DO ART. 18 , § 1º , DO CDC . DEVIDA A RESTITUIÇÃO DO VALOR PAGO. NÃO DEVE SER CONHECIDO O RECURSO RELATIVAMENTE AOS DANOS MORAIS, NA MEDIDA EM QUE O PEDIDO FOI JULGADO IMPROCEDENTE PELO JUÍZO AQUO. SENTENÇA MANTIDA PELOS SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. Inexiste nos autos qualquer elemento que permita concluir pela culpa da consumidora. Assim, na ausência de qualquer outro elemento capaz de indicar o mau uso do bem, não há como concluir que a recorrida tenha usado indevidamente o aparelho celular. RECURSOS DESPROVIDOS. ( Recurso Cível Nº 71004161618 , Segunda Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Alexandre de Souza Costa Pacheco, Julgado em 10/07/2013) (TJ-RS - Recurso Cível: XXXXX RS , Relator: Alexandre de Souza Costa Pacheco, Data de Julgamento: 10/07/2013, Segunda Turma Recursal Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 15/07/2013) VOTO Relação de consumo. Vício em aparelho celular. Negativa de reparo ou troca ante a oxidação do produto. Falha na prestação do serviço. Verossimilhança da alegação autoral. Inversão do ônus da prova. Dano moral configurado. Consumidor que pleiteia a troca de telefone celular que apresenta defeito com três meses de uso ou a devolução do valor pago e indenização por danos morais. Sentença que acolhe preliminar de incompetência do Juízo por necessidade de perícia técnica, julgando improcedentes os pedidos com relação ao comerciante. Sentença que merece reforma. Aplicando-se a Teoria da Causa Madura, passo a apreciar o mérito da demanda, na forma do art. 515 , § 3º do CPC . Afasto a preliminar de incompetência do Juízo por necessidade de perícia, pois o próprio fabricante afirma que já realizou inspeção técnica tanto que teria sido constatada a oxidação do aparelho e portanto, o defeito. Rejeito a preliminar de ilegitimidade passiva do comerciante pelas mesmas razões da sentença. A relação jurídica entre as partes é de consumo, sendo impositiva a aplicação do Código de Proteçâo e Defesa do Consumidor , que presume a boa-fé do consumidor e estabelece a responsabilidade objetiva do fornecedor. O defeito do produto é fato incontroverso. O fabricante não comprovou que a oxidação constatada foi ocasionada em razão de mau uso por parte do autor, como alegado em defesa (fls. 66-67), ônus que lhe incumbia (art. 333 , II, do CPC ). Não se pode afirmar que a simples ocorrência de oxidação seja decorrente do uso incorreto do produto por parte do consumidor. Pelo contrário, comprova que o produto não apresenta a durabilidade e qualidade que dele se poderia esperar. Presumindo-se o uso normal do produto, cabe ao fabricante garantir um acabamento mais hermético ao produto para evitar assim a oxidação, mormente porque o produto tinha apenas três meses de uso e ainda se encontrava no prazo de garantia. Falha caracterizada, pois o celular não foi reparado no prazo legal de 30 dias (art. 18 do CPC ). Responsabilidade pelo vício do produto que é solidária entre comerciante e fabricante, que respondem pelos danos causados ao autor, ainda que ausente sua culpa, arcando com os riscos de seu empreendimento. Quanto a danos morais, estes decorrem in re ipsa, ante a frustração da legítima expectativa do consumidor em utilizar regularmente o bem adquirido, que não apresentou a durabilidade e qualidade que dele se poderia esperar (art. 4º , II , alínea d , do CDC ). Pelo fato do produto, nos termos do art. 12 do CDC , apenas o fabricante é responsável. Entendo que o valor de R$1.000,00 é suficiente aos prejuízos experimentados pelo autor, em observância aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, bem como a natureza e extensão do prejuízo. Ante o exposto, conheço do recurso interposto pelo autor e dou-lhe provimento para reformar a sentença, julgando procedente em parte o pedido para: 1- condenar os réus, solidariamente, a restituírem ao autor o valor de R$349,00 corrigido monetariamente e acrescido de juros legais a partir da citação; 2- condenar a segunda ré , SONY, a pagar ao autor o valor de R$1.000,00 a título de danos morais, corrigido monetariamente e acrescido de juros legais a partir da publicação desta decisão. Sem ônus sucumbenciais, por se tratar de recurso com êxito. Rio de Janeiro, 18 de agosto de 2011. Marcia de Andrade Pumar Juíza Relatora (TJ-RJ - RI: XXXXX20108190029 RJ XXXXX-10.2010.8.19.0029 , Relator: MARCIA DE ANDRADE PUMAR, Quinta Turma Recursal, Data de Publicação: 31/10/2011 12:47) APELAÇÃO CÍVEL NO JUIZADO. ALEGAÇÃO DE NECESSIDADE DE PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL. INCOMPETÊNCIA DO JUIZADO AFASTADA. MÉRITO. DIREITO DO CONSUMIDOR. VÍCIO DO PRODUTO. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. TELEFONE CELULAR. OXIDAÇÃO DO APARELHO. SUBSTITUIÇÃO POR OUTRO DA MESMA ESPÉCIE OU DEVOLUÇÃO DO VALOR PAGO. ESCOLHA DO CONSUMIDOR. 1. DESNECESSÁRIA A REALIZAÇÃO DE PERÍCIA, AFASTAR A COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL, SE EXISTE NOS AUTOS PARECER DA ASSISTÊNCIA TÉCNICA AUTORIZADA, IDENTIFICANDO PERFEITAMENTE O DEFEITO NO APARELHO (OXIDAÇÃO), CAUSA DE SEU NÃO-FUNCIONAMENTO. 2. TRATANDO-SE DE RELAÇÃO DE CONSUMO TEM-SE A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA COMO DIREITO BÁSICO DO CONSUMIDOR EM FACE DE SUA HIPOSSUFICIÊNCIA. 3. COMPROVADA A EXISTÊNCIA DO VÍCIO QUE TORNA O PRODUTO IMPRÓPRIO AO FIM A QUE SE DESTINA, TEM O CONSUMIDOR O DIREITO À SUBSTITUIÇÃO POR OUTRO DA MESMA ESPÉCIE, OU A DEVOLUÇÃO DA QUANTIA PAGA, NÃO PODENDO A RÉ ESQUIVAR-SE DA OBRIGAÇÃO, APENAS COM BASE NA SIMPLES ALEGAÇÃO DE QUE O DEFEITO É DECORRENTE DE MAU USO DO APARELHO, CABENDO-LHE, AO CONTRÁRIO, FAZER PROVA INEQUÍVOCA DO SUPOSTO MAU USO, O QUE NÃO OCORREU NO PRESENTE CASO. 4. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO, MANTENDO-SE ÍNTEGRA A SENTENÇA RECORRIDA. 5. CONDENAÇÃO DA RECORRENTE AO PAGAMENTO DAS CUSTAS, FIXADOS EM 10% DO VALOR DA CONDENAÇÃO E AO PAGAMENTO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS A SEREM REVERTIDOS EM FAVOR DO PROJUR, POR TER SIDO O AUTOR PATROCINADO PELA DEFENSORIA PÚBLICA. (TJ-DF - ACJ: XXXXX DF , Relator: GISLENE PINHEIRO, Data de Julgamento: 10/10/2006, Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do D.F., Data de Publicação: DJU 24/11/2006 Pág. : 199) Acerca do tema, como se sabe, o art. 18 do CDC dispõe acerca da responsabilidade por vício do produto, estabelecendo em seu § 1º que não sendo o vício sanado no prazo máximo de trinta dias, pode o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha: I - a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso; II - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos; III - o abatimento proporcional do preço. Em seu caput, diz, ainda, que ¿os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor¿. Neste sentido, o sistema do CDC estabeleceu a garantia de adequação (mais do que a garantia de vícios redibitórios), de forma intrínseca ao produto, tendo como desígnio sua funcionalidade e adequação. Assim, torna-se exigível que o produto seja minuciosamente testado para que não venha a apresentar vícios que o tornem inadequado para o fim a que se destinou, sob pena de se responsabilizar objetivamente o fornecedor. Descumprido o dever de qualidade, é quebrada a relação de confiança entre as partes. Com a inadequação do produto ou serviço aos fins que deles se esperam, surgirá a obrigação de reparar os danos decorrentes. No caso concreto, a parte ré tem o dever de assistir o consumidor adquirente de produto advindo de sua cadeia produtiva. É o que se designa de dever de confiança1, nada mais do que a legítima expectativa que tem o consumidor na qualidade e utilidade do produto. O CDC adotou o referido princípio, segundo o qual o produto deve proporcionar ao consumidor exatamente aquilo que ele esperava ou deveria esperar quando o adquiriu, e o princípio da qualidade, retratado pela durabilidade, funcionalidade e segurança. "Assim, no sistema do CDC , da tradicional responsabilidade assente na culpa, passa-se à presunção geral desta e conclui-se com a imposição de uma responsabilidade legal. O novo regime de vícios no CDC caracteriza-se como um regime de responsabilidade legal do fornecedor, tanto daquele que possui um vínculo contratual com o consumidor, quanto daquele cujo vínculo contratual é apenas com a cadeia de fornecedores." (Cláudia Lima Marques. Contratos no Código de Defesa do Consumidor : o novo regime das relações contratuais. 4. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 984). A cadeia de distribuição de produtos se inicia com a fabricação e estende-se à comercialização e assistência técnica, criando um feixe de responsabilidades entre os seus participantes. Nesse sentido, Odete Novais Carneiro Queiroz: "Não se faz necessária uma efetiva relação contratual, podendo a vítima reclamar em face de quem com ela certamente não contratou, mesmo porque existe uma responsabilidade solidária entre o fabricante, o intermediário e o comerciante (distribuidor) (...)" (In: Da responsabilidade por vício do produto e do serviço: Código de Defesa do Consumidor Lei 8.078 , de 11.09.1990. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. p. 111). Grave é a conduta omissiva da parte ré, que está em melhor condição de produzir a prova sobre o defeito apresentado, razão pela qual lhe é transferido o ônus de provar uma das causas excludentes de sua responsabilidade, para que se exima de reparar o dano ou os prejuízos, o que não ocorreu neste processo. Por estas razões, nos casos de vícios dos produtos, aparentes ou não, obrigatória é a reparação do dano, bastando que o ¿germe¿ do vício fosse existente a época da última atividade do fornecedor2. Desta forma, a apuração da responsabilidade se dá, levando-se em consideração alguns pressupostos, dentre os quais sublinhamos a objetividade da reparação e a vulnerabilidade técnica, jurídica e econômica do consumidor. Logo, há necessidade de se representar ao causador do dano, quando comparar a extensão da lesão com o valor deferido, advertência para que adote a cautela necessária a fim de evitar a repetição da conduta. O dano moral in re ipsa se configura quando é desnecessária a comprovação do direito, pois este se presume existente em virtude da ocorrência de determinado fato, a exemplo do ocorrido: a parte autora se viu privada da utilização do veículo adquirido e, como se não bastasse, teve de suportar o descaso e a má-fé da demandada, que injustificadamente olvidou-se de adotar as medidas cabíveis para a devida resolução do problema. Como sabido, a indenização por danos morais é um meio de mitigar o sofrimento, sob forma de conforto, e não o pagamento de um preço pela dor ou humilhação, não se lhe podendo atribuir a finalidade de enriquecimento, sob pena de transformar em vantagem a desventura ocorrida. A repercussão no âmbito das relações da vítima deve ser considerada na fixação do quanto da indenização por danos morais. O art. 944 , do Código Civil prevê que "a indenização mede-se pela extensão do dano". A inteligência desse preceito remete ao exame da proporcionalidade. A jurisprudência tem decidido neste sentido, in verbis: DANOS MORAIS ¿ FIXAÇÃO DA INDENIZAÇÃO ¿ CRITÉRIOS ¿ Na fixação da indenização por danos morais é necessário considerar a capacidade econômica do agente, a situação da vítima, o grau de culpa e a extensão do dano, de maneira que o valor arbitrado compense o constrangimento, permitindo a aquisição de bem material que proporcione satisfação, e ao mesmo tempo represente para o causador do dano, quando comparar a extensão da lesão com o valor deferido, advertência para que adote a cautela necessária a fim de evitar a repetição da conduta3. Quanto à aquilatação dos danos morais, é pacífico que a fixação da verba reparatória reside no poder discricionário do Julgador, que levará em consideração os detalhes e as características do caso concreto. Na presente hipótese, arbitra-se o valor de R$ 3.000,00 (três mil reais), adequado às suas peculiaridades. Digno de nota a existência de responsabilidade solidária entre o fabricante e comerciante, conclusão lógica extraída do art. 18 do CDC , possuindo posicionamento pacífico da jusrisprudência no sentido de que o prazo de 90 dias previsto no CDC inicia-se após o esgotamento da garantia contratual. Leciona o Professor Rizzato Nunes4 sobre a contagem do prazo da garantia contratual e da garantia legal sob o aspecto da interpretação ao art. 50 , do Código de Defesa do Consumidor ao mencionar a natureza complementar da garantia contratual argumentado que ¿como a garantia legal independe da manifestação do fornecedor e como a contratual é de sua livre disposição, o prazo para reclamar, quando há garantia contratual, somente se inicial a seu termo. Daí vem o sentido de complementar. Contudo, conforme já vimos, existem duas maneiras de se definir o sentido de ¿complementar¿: a) complementar tem sentido de ¿aquilo que excede o prazo de garantia contratual¿; b) complementar significa que se soma o prazo de garantia ao prazo contratual¿. Reproduz-se julgado do E. STJ em tal sentido: RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR . VEÍCULO NOVO. AQUISIÇÃO. DEFEITOS NÃO SOLUCIONADOS DURANTE O PERÍODO DE GARANTIA. PRESTAÇÃO JURISDICIONAL DEFICIENTE. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO FABRICANTE E DO FORNECEDOR. INCIDÊNCIA DO ART. 18 DO CDC . DECADÊNCIA. AFASTAMENTO. FLUÊNCIA DO PRAZO A PARTIR DO TÉRMINO DA GARANTIA CONTRATUAL. 1. Diversos precedentes desta Corte, diante de questões relativas a defeitos apresentados em veículos automotores novos, firmaram a incidência do art. 18 do Código de Defesa do Consumidor para reconhecer a responsabilidade solidária entre o fabricante e o fornecedor. 2. O prazo de decadência para a reclamação de vícios do produto (art. 26 do CDC ) não corre durante o período de garantia contratual, em cujo curso o veículo foi, desde o primeiro mês da compra, reiteradamente apresentado à concessionária com defeitos. Precedentes. 3. Recurso especial provido para anular o acórdão recorrido."( REsp XXXXX/PR , Relatora a Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, DJe de 22.2.2011). Grifos postos. Digno de nota que a narrativa autoral não deixa claro se o produto foi devolvido, ou não, pela assistência técnica, portanto, caso a caixa de som esteja sob a posse da parte autora, ficam autorizadas as corrés, no prazo de 15 dias após o pagamento da condenação, a retirar o bem da residência da acionante. Diante do quanto exposto, CONHEÇO E DOU PROVIMENTO AO RECURSO para ANULAR A SENTENÇA, e, no mérito, JULGAR PARCIALMENTE PROCEDENTES OS PEDIDOS, para condenar, de forma solidária, as acionadas MONDIAL e ATACADAO CENTRO SUL, a restituírem o valor de R$ 379,89 (trezentos e setenta e nove reais e oitenta e nove centavos), devidamente corrigida desde o desembolso e aplicação de juros de mora de 1% ao mês desde a citação, além de pagarem indenização por danos morais no importe de R$ 3.000,00 (três mil reais), quantia devidamente corrigida desde o arbitramento e aplicação de juros de mora de 1% ao mês desde a citação. Declaração, de ofício, da ilegitimidade passiva ¿ad causam¿ da corré TEOMIRO SANTANA MOREIRA DE PINHO. Caso a caixa de som esteja sob a posse da parte autora, ficam autorizadas as corrés, no prazo de 15 dias após o pagamento da condenação, a retirar o bem da residência da acionante. Sem custas e honorários, eis que vencedora a parte recorrente. NICIA OLGA ANDRADE DE SOUZA DANTAS Juíza Relatora 1 BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e. Da qualidade de produtos e serviços, da prevenção e da reparação dos danos. In: Comentários ao Código de Proteção ao Consumidor. São Paulo: Saraiva, 1991. 2 MARQUES, Claudia Lima. BENJAMIM, Antonio Herman V. MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor . 2. ed. ver., atual. e ampl. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2006. pág. 341. 3 TRT 12ª R. ¿ RO XXXXX-2005-012-12-00-2 ¿ 1ª T. ¿ Rel. Reinaldo Branco de Moraes ¿ J. 30.07.2008 4 RIZZATTO NUNES. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor , 2ª ed. Reformada. São Paulo, São Paulo: 2005, pg. 549.