Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro Primeira Turma Recursal da Fazenda Pública Recurso Inominado nº XXXXX-47.2019.8.19.0001 Recorrente: DETRAN - DEPARTAMENTO DE TRÂNSITO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO Recorridos: WAGNER BARROSO PINTO RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM INDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS. CLONAGEM DE VEÍCULO. APLICAÇÃO DO ENUNCIADO Nº 06 DO III ENCONTRO DE DESEMBARGADORES DE CÂMARAS CÍVEIS DO TJRJ, REALIZADO EM 2011. INEXISTÊNCIA DE DANO MORAL. RECURSO PROVIDO. RELATÓRIO Trata-se de recurso inominado interposto pelo DETRAN - DEPARTAMENTO DE TRÂNSITO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Cuida-se de ação de obrigação de fazer, através da qual a parte autora objetiva a regularização do cadastro de seu veículo, com a substituição da numeração da placa, bem como a compensação à título de danos morais que alega ter sofrido. O autor sustenta existir veículo semelhante ao seu transitando ilegalmente e cometendo infrações de trânsito que lhe estão sendo imputadas. Decisão a fl. 75, que indeferiu a antecipação de tutela, reformada parcialmente, às fls. 127/129, por esta Turma Recursal. Contestação do DETRAN, às fls. 154/160, sustentando a legalidade da conduta da autarquia, bem como a ausência de interesse de agir. Alega que em nenhum momento o DETRAN/RJ se negou a averiguar a suposta clonagem, bem como não houve inércia por parte da autarquia, ressaltando as investigações nos termos do art. 3º da Resolução PRES/DETRAN 4.033/2009. Ressalta que a clonagem de veículos é caso característico de culpa exclusiva de terceiro. Narra que, em 18/01/2019, o veículo placa LSQ 2281 realizou o serviço de atualização para placa padrão MERCOSUL, sendo-lhe atribuída a placa LSQ2C81, registrado em nome do demandante, desde o primeiro emplacamento, em 18/07/2016. Após a atualização para placa padrão MERCOSUL, foi incluída restrição administrativa cód. 5.2 - bloqueio, em 05/02/2019, face a constatação da clonagem através do procedimento administrativo E-16/121/1/2019, pela Coordenadoria do RENAVAM. Sendo assim, atualmente, a placa LSQ2C81 não pertence ao cadastro ativo deste Departamento, sendo atribuída ao veículo do autor a placa LMX8J91 em 06/02/2019, constando na JARI desde 18/06/2019. Afirma a não configuração de danos morais. Manifestação do Ministério Público às fls. 96 informando não intervir no feito. Sentença proferida às fls. 211/212, julgando procedentes os pedidos nos seguintes termos: "...Isto posto, considerando o mais que dos autos consta, JULGO PROCEDENTE os pedidos para tornar definitiva a tutela concedida em sede de recurso para manutenção do atual registro do veículo do autor quanto a placa MERCOSUL e RENAVAM e para condenar a ré ao pagamento de R$4000,00 a título de indenização por danos morais, acrescido de juros de mora segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança e correção monetária com base no IPCA-E, nos termos do tema 905 do Superior Tribunal de Justiça. Sem custas, por aplicação subsidiária (art. 27 , da Lei no 12.153 /09), do artigo 55 , da Lei no 9.099 /95. Sem honorários. Com o trânsito em julgado, dê-se baixa e arquive-se." Recurso inominado interposto, às fls. 225/231, pelo DETRAN-RJ, sustentando, em síntese, a ausência de dano moral. Salienta que em nenhum momento o DETRAN/RJ se negou a averiguar a suposta clonagem, bem como que não houve inércia por parte da autarquia em regularizar a situação da placa do veículo do autor. Ressalta que a clonagem de veículos é conduta criminosa, praticada por terceiros, o que isenta o DETRAN/RJ de qualquer responsabilidade pela sua ocorrência. Requer, subsidiariamente, a redução do montante da condenação. Contrarrazões às fls. 243/257. É O RELATÓRIO. VOTO Presentes os pressupostos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, conheço o recurso. A controvérsia recursal restringe-se aos alegados danos morais. No caso sub judice, não se resta configurado dano moral em razão da clonagem do veículo por terceiro, na hipótese, se aplicando o Enunciado nº 06 do III Encontro de Desembargadores de Câmaras Cíveis do TJRJ, realizado em 2011: "Descabe a condenação do ente público por dano moral em caso de clonagem de veículo, por se tratar de fato exclusivo de terceiro". Vale ressaltar que não houve inércia nem morosidade excessiva por parte da autarquia, que promoveu a regularização da placa do veículo. Com efeito, não houve violação de direitos da personalidade do autor a ensejar a indenização por danos morais. Isso porque não foi o recorrido atingido em sua honra, imagem, vida privada ou intimidade, restando os bens jurídicos tutelados pelo artigo 5º , X , da CRFB devidamente intactos. A busca do reconhecimento de um direito na justiça não é causadora de dano dessa natureza. Trata-se, outrossim, de um direito que a parte escolhe exercer, sendo a defesa apresentada o contraponto, posto que representa o direito da parte oposta de expor suas razões. Eis a dialética, berço do contraditório e da ampla defesa. Neste sentido: " XXXXX-45.2018.8.19.0001 - RECURSO INOMINADO Juiz (a) ANA PAULA CABO CHINI - Julgamento: 16/04/2020 - CAPITAL 1 TURMA RECURSAL DOS JUI ESP FAZENDA PUB. Recurso nº XXXXX-45.2018.8.19.0001 Recorrente: DETRAN - DEPARTAMENTO DE TRÂNSITO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO Recorrido: WESLEY DA CUNHA LOURENÇO EMENTA. DETRAN. VEÍCULO CLONADO. FATO DE TERCEIRO. AUSÊNCIA DE NEXO DE CAUSALIDADE. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. CONHECIMENTO E PROVIMENTO DO RECURSO. RELATÓRIO [...] No que cinge a responsabilidade do Estado tem-se que a mesma possui natureza objetiva, baseada na Teoria do Risco Administrativo, com fulcro no art. 37 § 6º da CRFB/88 , bastando a prova da conduta, do dano e do nexo de causalidade, sendo desnecessária a comprovação da culpa. Sobre o nexo de causalidade, leciona José dos Santos Carvalho Filho, em seu Manual de Direito Administrativo, edição, páginas:"O último pressuposto é o nexo causal (ou relação de causalidade) entre o fato administrativo e o dano. Significa dizer que ao lesado cabe apenas demonstrar que o prejuízo sofrido se originou da conduta estatal, sem qualquer consideração sobre o dolo ou a culpa. Se o dano decorre de fato que, de modo algum, pode ser imputado à Administração, não se poderá imputar responsabilidade civil a esta; inexistindo o fato administrativo, não haverá, por consequência, o nexo causal.38 Essa é a razão por que não se pode responsabilizar o Estado por todos os danos sofridos pelos indivíduos, principalmente quando decorrem de fato de terceiro ou de ação da própria vítima". ...."O nexo de causalidade é fator de fundamental importância para a atribuição de responsabilidade civil do Estado. O exame supérfluo e apressado de fatos causadores de danos a indivíduos tem levado alguns intérpretes à equivocada conclusão de responsabilidade civil do Estado. Para que se tenha uma análise absolutamente consentânea com o mandamento constitucional, é necessário que se verifique se realmente houve um fato administrativo (ou seja, um fato imputável à Administração), o dano da vítima e a certeza de que o dano proveio efetivamente daquele fato". Ademais, é sabido que a clonagem de veículos é fato praticado por criminosos que, em regra, tem o intuito de esconder e mascarar veículos roubados. Diante destas circunstâncias, este fato de terceiro em nada poderia ser atribuído ao réu recorrente. Aplica-se, pois, o Enunciado nº 6 do III Encontro de Desembargadores de Câmaras Cíveis do TJRJ:"descabe a condenação do ente público por dano moral em caso de clonagem de veículo, por se tratar de fato exclusivo de terceiro". Sentença que deve ser reformada, julgando-se improcedente o pedido de indenização por dano moral. Assim, VOTO para CONHECER o Recurso Inominado e a ele DAR PROVIMENTO nos termos da fundamentação supra. Sem custas e honorários. Rio de Janeiro, 15 de abril de 2020. ANA PAULA CABO CHINI Juíza Relatora Súmula: Acordam os Juízes que compõem a Primeira Turma Recursal em DAR PROVIMENTO ao recurso, nos termos do voto do Relator". Por conta de tais fundamentos, VOTO em conhecer do recurso e dar-lhe provimento, para reformar, em parte, a sentença, julgando improcedente o pedido de compensação por danos morais. Após o trânsito em julgado, dê-se baixa e devolva-se. Rio de Janeiro, 02 de junho de 2021. MIRELA ERBISTI Juíza Relatora