ADMINISTRATIVO. DISPENSA DE VISTO DE ENTRADA E PERMANÊNCIA DE INDIVIDUOS NÃO NACIONAIS. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. NÚCLEO BÁSICO DOS DIREITOS HUMANOS DE NATUREZA UNIVERSAL. IGUALDADE DE TRATAMENTO ENTRE NACIONAIS E ESTRANGEIROS DENTRO DO TERRITORIO NACIONAL. TRATADOS DE DIREITO DE INTERNACIONAL E SUA INTERNACIONALIZAÇÃO. DIREITO À REUNIÃO FAMILIAR 1. A dignidade da pessoa humana é o núcleo essencial dos direitos fundamentais, sua fonte jurídico-positiva, a fonte ética que confere unidade de sentido, valor e de concordância prática ao sistema dos direitos fundamentais. E sobre esse fundamento do Estado Democrático de Direito que a Administração Pública deve pautar sua atuação. O ser humano, independentemente de sua condição, deve ter reconhecida sua dignidade humana, que é fundamento da República (art. 1º , III , da CF ) e de todos os direitos humanos. Este princípio estrutural remete respeito à integridade física e psíquica das pessoas, garantindo condições fundamentais de liberdade e igualdade, independente de nacionalidade. 2. Cumpre ainda assinalar que a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), todos os seres humanos têm uma igual dignidade inerente e formam igualmente parte da "família humana". 3. Logo, se todos os seres humanos têm o mesmo valor e a mesma dignidade, todos eles devem ter plenamente reconhecido um núcleo básico de idênticos direitos, os quais devem ser gozados independentemente da nacionalidade da pessoa, (ou de qualquer característica ou circunstância pessoal, como cor, sexo, raça, etnia, gênero, opção religiosa ou filosófica, profissão, vocação política, procedência territorial, etc .). Os direitos humanos são direitos básicos dotados de universalidade subjetiva (todos os seres humanos são titulares) e territorial (devem ser garantidos por todos os Estados em todos os territórios do mundo). 4. Portanto, esse direito superior não deve ser garantido pelo Estado somente a seus nacionais, mas também a todos aqueles que se encontram momentaneamente sujeitos a seu poder soberano. Não cabe ao Estado distinguir nacionais e não-nacionais no momento da efetivação dos direitos humanos. Se todo cidadão é igual a outro em dignidade e em seu núcleo de direitos humanos, o nacional e o estrangeiro merecem igualmente do Estado o respeito a seus direitos 5. Em reforço a essa universalidade de respeito a esse direito estruturante, independente da localização geográfica do cidadão, cumpre anotar que existe um conjunto bastante extenso de tratados internacionais que tratam dos direitos humanos, em desdobramentos do que a doutrina internacional chama de Carta Internacional de Direitos Humanos, a qual é composta por três documentos: a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (PIDCP) e o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC). O núcleo dos direitos ali anunciados é reconhecido como jus cogens do sistema internacional, ou seja, faz parte do núcleo de normas jurídicas aceitas globalmente que é intangível ao direito convencional, não podendo tal núcleo ser reformado sequer por tratados internacionais, por decisão dos países, porque atuam como limites à soberania dos Estados. 6. É importante observar que essas normas de direitos humanos ostentam uma dupla dimensão. Ao mesmo tempo em que são normas do sistema jurídico internacional (interestatal), são também recepcionadas pelos estados democráticos como normas de seus respectivos sistemas internos. Essa dimensão interna decorre da integração entre o Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH) com os sistemas jurídicos nacionais, sobressaindo à própria dimensão externa, uma vez que a maior garantia de respeito às normas de direitos humanos é o reconhecimento de sua validade jurídica interna, de sua aplicação cotidiana em integração com o direito de cada país. A integração dessas normas opera-se desde o plano constitucional, passando para a legislação infraconstitucional e normativas regulamentadoras. 7. No Brasil, o respeito à dignidade humana é fundamento da República previsto no art. 1º , III , CRFB . Por isso que o conjunto de normas internacionais de direitos humanos passa a ser integrado à nossa ordem constitucional, influenciando inclusive a interpretação constitucional. Independentemente de se reconhecer formalmente os tratados internacionais de direitos humanos como normas propriamente constitucionais ou meramente supralegais (como quer a jurisprudência oficial do Supremo Tribunal Federal), a integração interna dessas normas passam pela Constituição Federal , a qual inclusive foi bastante incisiva ao repetir em todo seu programa normativo diversos direitos humanos reconhecidos internacionalmente. 8. A reunião familiar configura, além de princípio constitucional, uma medida humanitária para que os refugiados e migrantes tenham restituídas as condições mínimas de existência digna e de cidadania, alcançando ao máximo a possibilidade de levar uma vida normal, de modo que, em casos excepcionais, devem tais princípios prevalecerem inclusive ao primado da soberania. 9. Diante de tudo isso, inobstante o ingresso dos dependentes de estrangeiro residentes no país não seja automático - devendo estes requererem o visto e se sujeitarem ao procedimento legalmente estabelecido - a demora da União em analisar os pedidos existentes na Embaixada do Brasil em Porto Príncipe e viabilizar novos pedidos de visto humanitário e autorizações de viagem, autoriza a flexibilização da regra para assegurar a proteção da unidade familiar e especialmente da menor de idade. 10. Hipótese em que, independentemente da concessão de visto, em observância à garantia do direito à reunião e proteção familiar, não dispensa que estejam presentes os demais requisitos exigíveis a tanto e de que sejam observadas as demais normas aplicáveis, em especial os procedimentos necessários à regularização documental ao chegar ao território nacional, ressalvando-se que a União somente poderá indeferir o ingresso no Brasil, caso constatado algum impedimento legal (que não seja a ausência de visto).