Ação Direta de Inconstitucionalidade. Direito constitucional e ambiental. Conceito de meio ambiente. Proteção da vida em todas as suas formas. Proteção aos Animais. Maus tratos. Alegação de inconstitucionalidade da Lei Municipal n. 2.905/2021 de Porto Velho (Lei Spyke). Dispositivos legais acerca do cadastro de organizações e entidades para oferta gratuita de palestras para infratores de maus tratos a animais, e necessidade de fiscalizar e aplicar multa. Dever Constitucional do Poder Público - proteção e defesa da fauna e vedação de práticas que submetam os animais a crueldade (art. 225 , § 1º , VII , da CF/88 ; art. 221, VI, da CE). Conceito de ‘One Health’ dado pela OMS. Matriz biocêntrica. Princípio da máxima efetividade. Estado Socioambiental. Pacto Federativo Ecológico. Interesse local. Norma mais protetiva. Vício de iniciativa. Inexistência. Atribuições da SEMA. Ausência de infração à iniciativa da competência privativa do Chefe do Executivo. Inconstitucionalidade formal não verificada. Ação julgada improcedente. 1. A legislação que dispõe sobre regras ambientais deve ser interpretada de forma a assegurar a proposta da Constituição Federal para um Estado Socioambiental, com comprometimento de todos, resolvendo-se os conflitos com prevalência da norma que melhor defenda o direito fundamental tutelado (Princípio da Máxima Efetividade da Constituição ). 2. A CF (art. 225, § 1º, VII) dispõe expressamente que incumbe ao poder público proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade. Na mesma linha, a Constituição Estadual (art. 221, VI) prevê que incumbe ao Estado e aos Municípios prevenir e coibir toda prática que submeta os animais à crueldade. 3. A Carta da Terra, da qual o Estado brasileiro é signatário e que integra nosso ordenamento jurídico, reconhece, dentre seus princípios, que “todos os seres vivos são interligados e cada forma de vida tem valor, independentemente do uso humano”. Isso quer dizer que devemos respeitar todos como seres vivos em sua completa alteridade e complementariedade, tudo na forma do conceito de One Health (saúde única: animal, vegetal e ambiental), dado pela OMS. 4. A definição de meio ambiente dada pela Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (art. 3º , I , da Lei 6.938 /81) contempla todas as formas de vida, pois define o meio ambiente como o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas, onde estão incluídos os seres vivos não humanos.5. Na ADI 4983 , o STF destacou que o inciso VII do § 1º do art , 225 da CF possui uma matriz biocêntrica, dado que nossa Carta confere valor intrínseco também às formas de vidas não humanas, em contraposição a uma visão antropocêntrica, que considera os animais como “coisa”, desprovidos de direitos ou sentimentos.6. A SEMA, Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, órgão pertencente à administração pública direta do município, é integrante da estrutura do SISNAMA – Sistema Nacional do Meio Ambiente – art. 6º , VI , da Lei n. 6.938 /81, e, dentre as suas inúmeras atribuições, detém a obrigação de promover desenvolver a fiscalização e gerência da política pública ambiental e atividades correlatas (Lei Complementar Municipal n. 832/2020, art. 86 e incisos) no município.7. A Política Nacional de Educacao Ambiental , estabelecida pela Lei Federal 9.795 /99, além de dispor que todos têm direito à educação ambiental, estabelece princípios e objetivos, reafirmando que incumbe ao poder público promover políticas públicas que incorporem a dimensão ambiental, a educação ambiental e o engajamento da sociedade na conservação, recuperação e melhoria do meio ambiente (lato sensu), visando uma política pública para a educação da população e efetiva proteção do bem ambiental, incluídos obviamente outras formas de vida, consoante art. 3º , I , da Lei n. 6.938 /81.8. O simples fato de a Lei Municipal n. 2.905/2021 de Porto Velho (Lei Spyke) ao reafirmar que a Secretaria é o órgão responsável para aplicação de multas no âmbito municipal pela infração a maus tratos contra animais, assim como responsável pela mera promoção de cadastramento das ONGs que possam proferir palestras a infratores, não impõe nova atribuição à SEMA, pois tais ações se encontram em perfeita correlação com as ações de desenvolvimento da política pública ambiental e de educação ambiental, notadamente da efetiva proteção dos animais.9. A jurisprudência do STF admite, em matéria de proteção do meio ambiente, que os Estados e Municípios editem normas mais protetivas, com fundamento em suas peculiaridades e na preponderância de seu interesse, de forma que a Lei Municipal, ao impor ao autor dos maus tratos a responsabilidade por custear as despesas, promoveu um padrão mais elevado de proteção ao meio ambiente, tendo sido editada dentro de limites razoáveis do regular exercício de competência legislativa pelo ente municipal ( RE XXXXX ; ADPF 567 ).10. O STF, em repercussão geral no Tema 917 ( ARE XXXXX ), fixou tese aplicável neste caso: “Não usurpa competência privativa do Chefe do Poder Executivo Lei que, embora crie despesa para a Administração, não trata da sua estrutura ou da atribuição de seus órgãos nem do regime jurídico de servidores públicos (art. 61 , § 1º , II , a , c e e, da CF )”.11. Não há vício formal na hipótese, pois não usurpa a competência privativa do Executivo lei de iniciativa parlamentar que em momento algum estabelece nova atribuição à estrutura da SEMA, cuja estrutura já é formada para desenvolver as competências que a norma atacada atribui.12. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada improcedente. DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, Processo nº 0801568-29.2023.822.0000, Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, Tribunal Pleno, Relator (a) do Acórdão: Des. Miguel Monico Neto , Data de julgamento: 13/05/2024