AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL. IRRESIGNAÇÃO MINISTERIAL COM A DECISÃO PROFERIDA PELA JUÍZA DA VARA DE EXECUÇÕES PENAIS, POR MEIO DA QUAL FOI DEFERIDO O PEDIDO DO AGRAVADO DE CÔMPUTO EM DOBRO ( 5 0%), DE TODO O PERÍODO DE PENA RECLUSIVA EM CUMPRIMENTO NO INSTITUTO PENAL PLÁCIDO DE SÁ CARVALHO - IPPSC. PLEITO MINISTERIAL DE CASSAÇÃO DA DECISÃO PROFERIDA, COM VIAS A AFASTAR O CÔMPUTO EM DOBRO, DEFERIDO EM FAVOR DO PENITENTE NOMEADO. RECURSO CONHECIDO E, NO MÉRITO , PARCIALMENTE PROVIDO. Recurso de Agravo em Execução, interposto pelo órgão do Ministério Público, contra a decisão proferida pela Juíza da Vara de Execuções Penais, que determinou o cômputo, em dobro, de todo o tempo em que o apenado, Fábio dos Santos Gomes , esteve acautelado no Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho - IPPSC, ou seja, no ano de 2 00 9 e, posteriormente, em 2 0 21 . A Corte Interamericana de Direitos Humanos-CIDH, em exame prévio, de cognição sumária, do conteúdo de representação, formulada pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, contra a República Federativa do Brasil, instituição estadual, na qualidade de representante das pessoas presas no Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho, localizado no Complexo Penitenciário de Gericinó, Estado do Rio de Janeiro, na qual se fez denúncias/queixas de situação de super população e superlotação, mortes recentes, e ausência de condições de detenção e infraestrutura, por decisão, consubstanciada na Resolucao de 22 de novembro de 2 0 18 , resolveu referida Corte tomar Medidas Provisórias a respeito do Brasil, relacionadas ("RESOLVE", itens 1 a 8 e l2), para adoção, em prol das pessoas privadas de liberdade recolhidas na referida unidade prisional, sendo o Estado Brasileiro notificado do teor de aludida Resolução contendo as Medidas Provisórias, em data de 14 de dezembro de 2 0 18 , na qual consta diversas determinações, solicitações e recomendações. Cumpre mencionar que, das propostas apresentadas, visando a solução do caso, pelos representantes, em data de 0 8 .0 3 . 2 0 18 , reunidos com o GMF-RJ, para reduzir a superlotação de referida unidade carcerária, consoante expresso no "item 29 " dos "Considerandos" (I-concessão de benefícios penitenciários temporariamente antecipados, principalmente a liberdade condicional e a progressão para o regime aberto na modalidade de prisão domiciliar; II - a proibição de ingresso de novos detentos na unidade), não consta a de cômputo em dobro ( 5 0 %) de parte da pena cumprida por réu condenado na indicada unidade prisional, Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho. Importa frisar, também, que das alternativas propostas em casos como o presente, após citar Sentenças da Corte Constitucional da Colômbia, da Suprema Corte dos Estados Unidos, do Tribunal Europeu de Direitos Humanos e Decisão do Supremo Tribunal Federal do Brasil, que originou a Súmula Vinculante nº 56 , sobre a questão de vagas nas unidades prisionais (item 11 0 dos Considerandos), a Resolução da Corte Interamericana de Direitos Humanos-CIDH, nas "CONCLUSÕES", item 121 , apenas sugeriu (rectius: recomendou), como justo, se cabível, a redução de até 5 0 % (não exatos 5 0%) do tempo de encarceramento, computação à razão de dois dias, por dia de efetiva privação da liberdade em condições degradantes, haja vista a ressalva inserta na parte final do item 129 ( "se isso não é aconselhável,..., ou se se deve abreviar em medida inferior a 5 0%). Outrossim, cabe ser destacado que, a aludida Resolução da Corte Interamericana de Direitos Humanos, como instrumento internacional, não é um Tratado, além do que não apresenta qualquer caráter self-executing, pois não criou nenhum direito material ou instituto novo, de caráter impositivo e auto-executável, de benefício compensador (sic) de comutação de parte (de exatos 5 0 %) da pena cumprida, por determinados presos condenados, de um certo estabelecimento prisional, no caso, o Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho, até porque, é curial que Resolução, ainda que emanada da aludida Corte Interamericana, a qual não ostenta competência legiferante, (mas apenas consultiva e contenciosa acerca de violação dos direitos humanos), não é lei , ou seja, norma jurídica em sentido estrito, nem ostenta natureza abstrata e geral erga omnes, destinando-se, apenas à aplicação ao caso concreto que lhe foi submetido. No tocante à menção de normas de Instrumentos internacionais, convém anotar que, inobstante os Tratados, nestes incluídos as Convenções, os Pactos, os Protocolos, e etc., gerarem efeitos vinculativos, quanto ao cumprimento de suas cláusulas mediante"ratificação"(aceitação, aprovação, adesão), nos termos do art., 2º, b da Convenção de Viena, de 23 .0 5 . 1969 (Dispõe sobre o Direito dos Tratados entre Estados e Organizações Internacionais ou entre Organizações Internacionais), tal etapa fica na dependência da sua forma de recepção, (a automática (as normas de Direito internacional têm reconhecimento, como parte integrante do Direito interno, sendo desnecessário qualquer ato ou lei com o objetivo de aplicá-las); por incorporação (as normas de Direito internacional para terem eficácia necessitam da edição de uma espécie legislativa que as recepcionem ao Direito interno, com vias à sua aplicação); ou, por transformação (as normas de Direito internacional só terão vigência se forem editadas leis internas materialmente idênticas e de igual teor, e só então produzirão efeitos derivativos das normas de Direito interno)), devendo-se levar-se em conta, ainda, a adoção da doutrina (dualista ou monista (esta em suas duas vertentes, unicidade da ordem jurídica; e, nacionalista), acerca da" supremacia "das normas de Direito Internacional ou do Direito interno, dos Estados. Importante lembrar, a título ilustrativo que pela doutrina monista, em sua vertente nacionalista, o sistema normativo interno de cada Estado soberano, deve sobrepujar o Direito Internacional, ficando a adoção das normas destes jungida ao poder discricionário de cada nação, em particular, que pode ou não, de acordo com sua oportunidade e conveniência recepcioná-las. É por oportuno pontuar que, o Estado Brasileiro é partidário da teoria monista, sob a vertente nacionalista, conforme já assentado em diversas oportunidades, pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Desta forma, o fato de o Estado brasileiro, pessoa jurídica com personalidade originária de direito internacional público, em direito das gentes, ter aderido a Instrumentos Internacionais (Tratados, Convenções, Pactos, Protocolos, Declarações, e etc.) não quer dizer, que tenha se despojado total ou parcialmente de sua soberania, de molde a serem inaplicáveis suas leis internas ( Constituição e legislação infraconstitucional), considerando que, adotou a doutrina monista em sua vertente nacionalista, como alhures mencionado, e, assim sendo, as normas constantes de aludidos instrumentos, só serão incorporadas ao direito interno brasileiro, mediante a edição de lei interna materialmente idêntica e de igual teor, valendo recordar que, as organizações internacionais em sentido estrito, no direito das gentes, segundo a doutrina, tem personalidade jurídica derivada. Por certo, o Estado brasileiro ratificou a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San Jose da Costa Rica) de 2 0. 11 . 1989 , aprovando-a pelo Decreto Legislativo nº 28, de 14 .0 9 . 199 0, e promulgando-a pelo Decreto nº 99.710 , de 21 . 11 . 199 0, sendo ratificada em 24 .0 9 . 199 0, se submetendo à jurisdição de seu Órgão Judiciário, a Corte Interamericana de Direitos Humanos. Todavia, tal órgão internacional não proferiu sentença no caso versado nos autos, com caráter definitivo e inapelável, por violação de direito protegido por referida Convenção, tendo apenas editado medidas provisórias, que considerou pertinentes, com notificação ao Estado Brasileiro. Consoante doutrina citada," o direito internacional público não possui regras próprias indiscutíveis, nesta matéria. Existem, contudo, certos princípios de ordem geral e certas regras gerais de interpretação, a que se pode recorrer para a solução de dúvidas, na hipótese de cláusulas obscuras contraditórias de um tratado. In casu, não se discute o direito ao cômputo "em dobro" da pena, mas os limites/termos para o início e o fim da implementação do prazo para o aludido cômputo. De fato, referida Resolução foi omissa quanto aos marcos a quo e ad quem da contagem, de tempo em que os condenados cumpriram pena no referido estabelecimento prisional, já tendo esse órgão colegiado se manifestado, quanto ao termo inicial, no sentido da aplicação das regras do ordenamento jurídico brasileiro, que confere efetividade e coercibilidade as decisões, a partir data de sua notificação formal, in casu, no dia 14 . 12 . 2 0 18 . Precedentes deste órgão fracionário no mesmo sentido. Todavia, quanto ao último precedente citado no corpo do voto (Habeas Corpus nº 00 56922 - 61 . 2 0 2 0. 8 . 19 .0000), constata-se que a Defesa Técnica do paciente interpôs Recurso Ordinário em face do julgado , o qual foi autuado e distribuído à Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (RHC nº 136 . 961 /RJ), sob a Relatoria do Ministro Reynaldo Soares da Fonseca , que, por decisão monocrática, prolatada em 3 0.0 4 . 2 0 21 , acolheu a pretensão recursal defensiva e deu provimento ao recurso para que fosse efetuado o cômputo em dobro de todo o período em que o paciente cumpriu pena no Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho, de 0 9 de julho de 2 0 17 a 24 de maio de 2 0 19 . Inconformado com a decisao, o Ministério Público Estadual interpôs recurso de Agravo Regimental, sob a alegação de que a determinação exarada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, por meio da Resolucao de 22 de novembro de 2 0 18 da CIDH, teria a natureza de medida cautelar provisória, nos termos do art. 63.2 da Convenção Americana apontada. Assim, ante tal circunstância, referida Resolução não poderia produzir efeitos retroativos, devendo produzir efeitos jurídicos tão somente ex nunc, a contar da intimação da parte obrigada. Asseverou que o fato de mencionada resolução estabelecer prazos para seu cumprimento corrobora tal entendimento. Pugnou, ao final, pelo provimento do agravo e reforma da decisão atacada. Em 15 .0 6 . 2 0 21 , a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade de votos , negou provimento ao recurso ministerial, mantendo, por consequência, a decisão que, dando provimento ao recurso ordinário em habeas corpus, determinou o cômputo em dobro de todo o período em que o paciente cumpriu pena no Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho, considerando-se que as sentenças da Corte Interamericana de Direitos Humanos possuem eficácia imediata para os Estados Partes e efeito meramente declaratório. Este órgão fracionário foi notificado da decisao, em 14 .0 9 . 2 0 21 , sendo certo que, em julgamentos recentes, já manifestou compreensão no sentido de se admitir a aplicação do cômputo, em dobro, sobre todo o período de cumprimento de pena no Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho, inclusive, o anterior à notificação formal do Estado Brasileiro. Precedentes jurisprudenciais deste órgão fracionário e de outros órgãos colegiados, com competência em matéria criminal, deste Sodalício. No que tange ao marco inicial para o cômputo da pena em dobro, tem-se que, a melhor interpretação das convenções sobre direitos humanos, tal como ocorre com as normas de conteúdo penal, deve observar a maneira mais favorável àquele a quem o preceito visa a proteger, devendo-se evitar a adoção de postura que acabe por prejudicar o mesmo, em total harmonia com a recomendação reparatória da Corte Interamericana de Direitos Humanos, pelo que, deve ser considerado todo o período anterior à notificação do Estado Brasileiro sobre as determinações contidas na Resolução da CIDH. Já quanto ao período compreendido no ano de 2 0 21 , o órgão de execução ministerial faz referência ao Ofício nº 91/ 2 0 2 0, expedido pela Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (SEAP) e endereçado ao Juízo da Vara de Execuções Penais, por meio do qual se informou que a condição de superlotação do Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho teria cessado desde 0 5 .0 3 . 2 0 2 0, destacando-se a redução, desde a data da promulgação da Resolução da CIDH, do efetivo carcerário, de 3 . 82 0 (três mil, oitocentos e vinte) apenados para aquém da capacidade máxima de ocupação. Desta feita, interrompida a situação fática degradante, que constituiu o móvel da decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos, por meio da normalização das condições do efetivo carcerário da Unidade Prisional em comento, não mais se vislumbra o estado de violação dos direitos fundamentais que rendeu ensejo a mesma. Precedentes jurisprudenciais deste órgão colegiado. Assim, considerando o período referente ao ano de 2 0 21 , em que o penitente, ora agravado, esteve acautelado no Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho, ou seja, após cessada a situação degradante de superlotação da unidade prisional indicada, que ocorreu, em 0 5 .0 3 . 2 0 2 0, não faz o ora agravado jus ao cálculo da pena em dobro, quanto ao período indicado. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.