TJ-RJ - APELAÇÃO XXXXX20188190035 202305016799
APELAÇÃO . IMPUTAÇÃO ORIGINÁRIA DA PRÁTICA DO DELITO INSERTO NO ARTIGO 9 0, DA REVOGADA LEI Nº 8.666 / 1993 . FRUSTRAR OU FRAUDAR, COM O INTUITO DE OBTER PARA SI OU PARA OUTREM VANTAGEM DECORRENTE DA ADJUDICAÇÃO DO OBJETO DA LICITAÇÃO, O CARÁTER COMPETITIVO DO PROCESSO LICITATÓRIO. CONDENAÇÃO PELA PRÁTICA DO CRIME PREVISTO NO ARTIGO 337 -F, DO CÓDIGO PENAL , COM IMPOSIÇÃO DAS SANÇÕES DO REVOGADO ARTIGO 9 0, DA LEI DE LICITAÇÕES , VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS. RECURSOS DEFENSIVOS ARGUINDO QUESTÕES PRELIMINARES DE: 1 ) INÉPCIA DA DENÚNCIA POR AFRONTA AO ARTIGO 41 , DO C.P.P. ; 2 ) OCORRÊNCIA DE ABOLITIO CRIMINIS, DIANTE DA REVOGAÇÃO DO ARTIGO 9 0, DA ANTIGA LEI DE LICITAÇÕES , PELA LEI Nº 14.133 , DE 0 1 DE ABRIL DE 2 0 21 , A QUAL DISCIPLINOU A CONDUTA DELITUOSA, INSERINDO-A NO ARTIGO 337 -F DO CÓDIGO PENAL . NO MÉRITO , PUGNAM: 3 ) A ABSOLVIÇÃO POR ALEGADA INSUFICIÊNCIA DE PROVAS; 4 ) A REDUÇÃO DA PENA BASILAR; 5 ) O AFASTAMENTO DA AGRAVANTE GENÉRICA; 6 ) A SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITOS ; 7 ) O ABRANDAMENTO DO REGIME PRISIONAL. RECURSO MINISTERIAL, PLEITEANDO A EXASPERAÇÃO DA PENA INICIAL, EM RELAÇÃO A AMBOS OS ACUSADOS. CONHECIMENTO DOS RECURSOS DEFENSIVOS, PARA REJEITAR-SE AS QUESTÕES PRELIMINARES, E, NO MÉRITO , ABSOLVER OS ACUSADOS, NA FORMA DO ARTIGO 386 , VII, DO C.P.P. , RESULTANDO PREJUDICADO O EXAME DA APELAÇÃO MINISTERIAL. Recursos de apelação interpostos pelo membro do Ministério Público, e pelos acusados, Marcos Antonio da Silva Toledo e Stenio Reis Pereira , respectivamente, estes representados por advogados constituídos, contra a sentença , proferida pela Juíza de Direito da Vara Única da Comarca de Natividade, o qual condenou os nominados réus por infração aos artigo 337 -F, do Código Penal , com o preceito secundário inserto no artigo 9 0, da Lei nº 8.666 / 1993 , ante sua revogação total pela Lei nº 14.133 / 2 0 21 , aplicando-lhes as sanções de 0 2 (dois) anos e 11 (onze) meses de detenção e pagamento de 58 (cinquenta e oito) dias- multa , no valor unitário mínimo legal (réu Marcos Antonio ) e, 0 2 (dois) anos e 0 6 (seis) meses de detenção e pagamento de 5 0 (cinquenta) dias- multa , no valor unitário mínimo legal (réu Stenio), ambas a serem cumpridas em regime inicial semiaberto, deixando de substituir as penas privativas de liberdade por restritivas de direitos , condenando- os , ainda, ao pagamento das despesas do processo . Inicialmente, quanto a primeira quaestio proemial aventada, concernente à pretensão de ver reconhecida a inépcia da exordial acusatória, entende-se que tal arguição deve ser rechaçada. Com efeito, a denúncia considerada inepta é aquela que não permite ao acusado exercer seu direito de defesa, porquanto não narra, ainda que de forma sucinta, o comportamento imputado ao agente, deixando de expor todos os elementos do fato típico, ilícito e culpável, bem como a descrição minuciosa da conduta criminosa e as circunstâncias do delito, em apreço. No caso, porém, ao contrário do que alega a Defesa do acusado, Stenio, a peça inicial possui descrição suficiente do fato criminoso imputado, com as suas respectivas circunstâncias, tal como a definição das respectivas condutas dos autores nominados, ensejando claramente a adequação típica, bem como o exercício da ampla defesa e contraditório. Segundo a prefacial acusatória, no dia 25 de fevereiro de 2 0 13 , o réu apelante, Marcos Antonio , na qualidade de Prefeito do município de Natividade, em unidade de desígnios com o acusado, Stenio, este representante legal da empresa Fercicle, teria expedido ordem de serviço nº 084 / 2 0 13 , com determinação à Comissão Municipal Permanente de Licitação Pública , a abertura de processo licitatório, na modalidade de pregão, para aquisição de materiais, com fins de atendimento à Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano, sem que tivesse havido qualquer pedido desta Secretaria, com o fim de obterem vantagem decorrente da adjudicação do objeto para a empresa administrada pelo correu Stenio, frustrando-se, assim, o caráter competitivo do processo licitatório. Precedentes jurisprudenciais. Logo, tem-se por cristalino que a exordial acusatória descreveu, adequadamente, a realidade fática das condutas imputadas, atendendo, pois, a todas as formalidades exigidas pelo art. 41 do C.P.P. , inclusive no tocante à narrativa geral da dinâmica delitiva individual de cada denunciado, mostrando-se totalmente fora de contexto a preliminar de inépcia ora suscitada. Quanto a segunda e última questão prévia, notadamente pela qual se suscita a ocorrência de abolitio criminis, ao sustentar a revogação total do artigo 9 0, da Lei nº 8.666 / 1993 , pela Lei nº 14.133 de 0 1 de abril de 2 0 21 , a qual alterou o Código Penal para incluir os artigos 337 -E a 337 - O , no capítulo "Dos crimes em licitações e contratos administrativos", entende-se, também, que a mesma deve ser refutada. Por certo, a infração penal inserta no artigo 9 0, prevista na Lei nº 8.666 / 1993 , conquanto expressamente revogada pela Lei nº 14.133 / 2 0 21 , seu núcleo verbal foi reservado ao artigo 337 -F do Código Penal , preservando, portanto, a natureza ilícita da conduta típica. Ademais, a evolução legislativa em defesa da higidez das contratações públicas está abarcada pelo fenômeno jurídico da "continuidade normativo-típica", o qual estabelece que, fica mantida na nova lei as elementares dos tipos penais imputados pelo órgão do Ministério Público no momento do oferecimento da denúncia, com utilização da penalidade da norma revogada, por ser mais benéfica ao réu, mantendo, dessa forma, as condutas descritas no campo da ilicitude penal. Em verdade, não obstante o novo tipo penal (art. 337 -F), ter como preceito secundário, pena privativa de liberdade mais severa ( 4 a 8 anos), assim como regime prisional mais rigoroso (reclusão), a jurisprudência pátria, consolidou o entendimento de que as condutas praticadas anteriormente a entrada em vigor da Lei nº 14.133 / 2 0 21 , na forma ocorrida no caso em exame, devem ser analisadas à luz da Lei n. º 8 . 666 / 1993 , em observância ao princípio da ultratividade da lei penal. Precedentes jurisprudenciais. Diante dos fundamentos expostos, rejeita-se ambas as questões prévias arguidas. No mérito , conclui-se pela procedência do pleito absolutório, haja vista que, da leitura atenta e minuciosa do conteúdo de todos os elementos de prova trazidos aos autos, e feitas as devidas confrontações entre os mesmos, chega-se à conclusão de que, embora inegável a materialidade do crime descrito na exordial acusatória, a autoria delitiva, contudo, resultou efetivamente duvidosa em relação aos apelantes, pois não se verificou no processo licitatório nº 14 / 2 0 13 que, o primeiro acusado, Marcos Antonio , então Prefeito da cidade de Natividade, teria agido em conluio com o corréu, Stenio, com dolo de fraldar e causar danos ao erário público e beneficiar-se com o ato. Conforme relatado alhures, narra a denúncia "que no dia 25 de fevereiro de 2 0 13 , na Prefeitura Municipal da cidade de Natividade, o acusado Marcos Antonio , na qualidade de prefeito do município, teria expedido a ordem de serviço nº 084 / 2 0 13 determinando à Comissão Municipal Permanente de Licitação Pública , a abertura de processo licitatório, na modalidade de pregão, para aquisição de materiais de construção, em atendimento à Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano, sem que tivesse havido pedido da referida Secretaria, com fins de beneficiar o corréu Stenio , administrador da sociedade empresária, Paulo Roberto Pereira da Silva , CNPJ nº 0 1 .0 52 . 741 /0001 - 89 , nome fantasia Fercicle, e obter vantagem decorrente da adjudicação do objeto da referida licitação, frustrando-se o caráter competitivo do certame, porquanto, teriam estes agido em concorrência de ações para que a competição ficasse restrita à empresa administrada pelo corréu nomeado". No entanto, embora o processo licitatório tenha se iniciado por ordem do então prefeito municipal, assim como a publicação do certame apenas no Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro e a verificação da prática de atos em uma mesma data, não resultou devidamente demonstrado a vontade dos agentes de frustrar ou fraudar o procedimento, pois tais afirmativas, segundo a jurisprudência dos Tribunais Superiores, acompanhadas por este Sodalício, não são suficientes para demonstrar o dolo dos réus e caracterizar, assim, a ocorrência do ilícito penal. Quanto à imputação, que recai sobre a alegada irregularidade no tocante a ausência de ofício da Secretaria de Desenvolvimento Urbano para a aquisição dos materiais que deram origem a abertura do processo licitatório, os Tribunais pátrios orienta-se no sentido da possibilidade de que o requerimento seja feito pela autoridade competente, in casu, o prefeito, na qualidade de ordenador de despesa, sendo incapaz, desta forma, de contaminar o certame. Precedentes jurisprudenciais. No que diz respeito ao argumento de que o certame estaria maculado pois a publicação do processo licitatório teria sido realizado apenas no Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro, notadamente pela modalidade de pregão presencial (à época), não consta dos autos qualquer insurgência de outras empresas quanto a alegação de desconhecimento da existência de outros certames, concluindo-se não estar demonstrado prejuízo suficiente na abrangência publicitária da licitação, prevalecendo, no ponto, o interesse público como chancelador da legalidade do ato, perdendo significado a irregularidade ocorrida. Aliás, a nova Lei de Licitações ( Lei nº 14 . 133 / 2 0 21 ), em seu artigo 54 , corroborando o ultrapassado meio de publicidade, extinguiu a divulgação por meio do diário oficial e de jornais, no que guarda coerência com a recomendação postada no inciso VI do art. 12 , no sentido de que os atos do processo licitatório "serão preferencialmente digitais, de forma a permitir que sejam produzidos, comunicados, armazenados e validados por meio eletrônico
Encontrado em: INOCORRÊNCIA. RECURSO DESPROVIDO. (...) 4... CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. 1... INOCORRÊNCIA. DESCRIÇÃO SUFICIENTE. ATIPICIDADE DA CONDUTA. MÉRITO. (...) 3