TJ-CE - Apelação Criminal XXXXX20198060070 Crateús
DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME DE FURTO. SENTENÇA CONDENATÓRIA. APELAÇÃO DA DEFESA. ALEGAÇÃO DE CRIME IMPOSSÍVEL. MONITORAMENTO POR CÂMERAS DE SEGURANÇA. RÉU MONITORADO. NÃO CARACTERIZAÇÃO DA IMPOSSIBILIDADE DE CONSUMAÇÃO. SÚMULA 587 DO STJ. PEDIDO DE APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. ACOLHIMENTO. RES FURTIVA. DUAS UNIDADES DE DESODORANTE REXONA. VALOR VENAL ABAIXO DE 10% DO SALÁRIO MÍNIMO. LESÃO JURÍDICA INEXPRESSIVA. AUSÊNCIA DE OFENSIVIDADE ACENTUADA. INEXISTÊNIA DE PERICULOSIDADE SOCIAL. DIMINUTO GRAU DE REPROVABILIDADE. ATIPICIDADE PENAL DA CONDUTA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. SENTENÇA REFORMADA. ATIPICIDADE PENAL DA CONDUTA. DENÚNCIA JULGADA IMPROCEDENTE. RÉU ABSOLVIDO. 1. Cuida-se de recurso de apelação interposto pela defesa de Jerre Alves de Sousa , contrapondo-se à sentença prolatada pela Vara Única Criminal De Crateús/CE, que julgou procedente a pretensão acusatória formulada na denúncia, condenando o acusado pela prática do crime tipificado nos art. 155 , Caput c/c art. 14 , II do Código Penal Brasileiro, à pena de 11 (onze) meses de reclusão e em 7 dias-multa, a ser cumprida em regime inicial semiaberto, além do pagamento de 07 (sete) dias-multa. 2. De início, cabe ressaltar que o crime impossível ocorre quando os meios utilizados para a prática delituosa não causam perigo de lesão ao bem jurídico por sua ineficácia ou impropriedade absoluta, de modo que existindo a possibilidade objetiva de o agente conseguir consumar o delito, há de se afastar sua aplicação, como se afigura no caso em exame. 3. Denota-se no caso concreto, a par da prova colacionada, que havia franca possibilidade de êxito na empreitada criminosa do apelante, vez que ele já havia colocado os objetos furtados por baixo de sua roupa, não conseguindo consumar seu intento criminoso apenas em razão da intervenção da vigilância do supermercado que o abordou quando estava saindo do local. 4. Não parece desarrazoado concluir que o monitoramento por câmeras de segurança auxilia na verificação de furtos e desvios, mas não necessariamente impede que a subtração se perpetre integralmente, mediante artifícios outros, como uma corrida repentina do acusado, um repasse da res furtiva de mãos em mãos em casos de parceria, enfim, não se pode admitir como impossível um crime quando há situações fáticas plausíveis a demonstrar sua, ainda que remota, possibilidade de consumação. 5. Nessa perspectiva, a jurisprudência pátria se consolidou na edição da Súmula 567 do STJ, segunda a qual o ¿Sistema de vigilância realizado por monitoramento eletrônico ou por existência de segurança no interior de estabelecimento comercial, por si só, não torna impossível a configuração do crime de furto.¿ 6. Sobre o princípio da insignificância ou princípio da bagatela tem como objetivo retirar da esfera de ação do direito penal certas condutas que, por não atingir bens jurídicos relevantes, não devem movimentar a máquina judiciária, e exige o preenchimento de quatro requisitos, a saber: a) mínima ofensividade da conduta do agente; b) ausência total de periculosidade social da ação; c) ínfimo grau de reprovabilidade do comportamento; d) inexpressividade da lesão jurídica ocasionada. 7. No caso em exame, a prova colacionada revela que a conduta do acusado não traz em si uma ofensividade acentuada, tampouco se insere em um contexto de periculosidade social do agente, além de não exigir intervenção do direito penal por não ter um expressivo grau de reprovabilidade. 8. Sobre a inexpressividade da lesão jurídica, é importante recordar o entendimento jurisprudencial, com o qual me alinho, de que o limite máximo para caracterizar bem de pequeno valor, repousa em 10% do valor do salário-mínimo, que é o que se afere no presente caso em que a res furtiva se trata de dois fracos de desodorante Rexona. 9. É de se ressaltar, no contrafluxo da decisão do juízo de piso, que a jurisprudência pátria tem admitido, em caráter excepcional de acordo com o caso concreto, o princípio da insignificância até mesmo para réus reincidentes e até multirreincidentes, conforme entendimento jurisprudencial contemporâneo. 10. No caso em exame, embora o apelante seja reincidente e esteja a responder a outro processo penal igualmente por furto, denota-se a inexpressividade da lesão jurídica provocada, tendo em vista a reduzida expressividade do valor do bem subtraído - 2 (duas) unidades de frasco de desodorante marca Rexona, as quais, inclusive foram restituídas ao estabelecimento comercial. 11. Importante pontuar que o princípio da insignificância é uma causa de exclusão da tipicidade. Sua presença acarreta a atipicidade penal do fato, que, por sua vez, é constituída pela união da tipicidade formal com a tipicidade material. Na sua incidência, opera-se tão somente a tipicidade formal (juízo de adequação entre o fato praticado na vida real e o modelo de crime descrito na norma penal), falta a tipicidade material (lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico). Em síntese, exclui-se a tipicidade pela ausência da sua vertente material. ( MASSON , 2015, p. 28/29). 12. Recurso conhecido e provido. Sentença reformada. Atipicidade penal da conduta. Denúncia julgada improcedente. Réu absolvido. ACÓRDÃO Acordam os integrantes da Terceira Câmara Criminal deste Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, por unanimidade, por uma de suas Turmas, em conhecer do recurso e dar-lhe provimento, declarando a atipicidade penal do fato, julgando improcedente a denúncia e, por conseguinte, absolvendo o apelante, nos termos do art. 386, inc. III, do Código Penal , nos termos do voto desta relatora. Fortaleza/CE, 10 de outubro de 2023. Marlúcia de Araújo Bezerra Relatora