Tribunal de Justiça do Estado da Bahia PODER JUDICIÁRIO QUARTA TURMA RECURSAL - PROJUDI PADRE CASIMIRO QUIROGA, LT. RIO DAS PEDRAS, QD 01, SALVADOR - BA ssa-turmasrecursais@tjba.jus.br - Tel.: 71 3372-7460 Ação: Procedimento do Juizado Especial Cível Recurso nº XXXXX-34.2023.8.05.0001 Processo nº XXXXX-34.2023.8.05.0001 Recorrente (s): BURGER KING Recorrido (s): MARCELO NOVAES DA SILVA DECISÃO MONOCRÁTICA RECURSO INOMINADO. O NOVO REGIMENTO DAS TURMAS RECURSAIS, RESOLUÇÃO Nº 02/2021, ESTABELECEU A COMPETÊNCIA DO RELATOR PARA JULGAR MONOCRATICAMENTE MATÉRIAS COM UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA OU ENTENDIMENTO SEDIMENTADO. CONDIÇÕES DE ADMISSIBILIDADE PREENCHIDAS. INADIMPLEMENTO CONTRATUAL RELACIONANDO A COBRANÇAS IMPUGNADAS. MÁ PRESTAÇÃO DE SERVIÇO COMPROVADA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA, NOS TERMOS DO ART. 14 , CDC . DANO MORAL NÃO CONFIGURADO, DIANTE DA AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO A DIREITO DA PERSONALIDADE. SENTENÇA REFORMADA PARA EXCLUSÃO DO DANO MORAL. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. A Resolução nº 02, de 10 de fevereiro de 2021, que instituiu o Regimento Interno das Turmas Recursais dos Juizados Especiais Cíveis, Criminais e da Fazenda Pública do Estado da Bahia e da Turma de Uniformização da Jurisprudência, estabeleceu a competência do relator para julgar monocraticamente matérias com uniformização de jurisprudência ou entendimento sedimentado. Trata-se de ação que busca a restituição de valores pagos : “Após a compra, o autor se encaminhou a loja da parte ré para retirar o pedido, contudo, após a longa demora para confirmar a compra bem como para a respectiva entrega dos lanches, o autor resolveu por bem cancelar o pedido feito pelo aplicativo e comprar novamente através do guichê de atendimento na loja da parte ré, pois assim sairia mais rápido, fazendo um novo pagamento diante do novo pedido. Ato contínuo, o autor se dirigiu ao gerente da loja, informou o ocorrido, e requereu a devolução do valor que havia sido pago via PIX na compra pelo aplicativo. Neste momento, o gerente informou que iria abrir um chamado para devolução do dinheiro, e que o autor deveria aguardar para que fosse restituído. Passados alguns dias sem nenhum retorno, o autor entrou em contato novamente com prepostos da parte ré para saber se já havia sido autorizado a devolução do valor pago, porém, prepostos da parte ré informaram que o chamado ainda estava em aberto. Depois desta negativa, o autor entrou em contato mais de 3 (três) vezes com a parte ré, no intuito de que fosse restituído o valor pago pela aquisição dos lanches que foram pagos e posteriormente cancelados, contudo, em todas as ocasiões, o autor sempre obtinha a mesma resposta: ‘’que o chamado ainda estava em aberto’’. Assim, mesmo depois de tantas solicitações do autor para que fosse restituído o valor pago pelo pedido que cancelou, a parte ré, após decorridos quase 2 (dois) meses dos fatos, se nega a devolver a quantia que foi paga.”. A sentença foi proferida nos seguintes termos: “Ante o exposto, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTE a ação para: a) Condeno a Ré a promover o reembolso do valor de R$ 172,30, na forma simples, corrigido monetariamente pelo INPC e acrescido dos juros moratórios de 1% ao mês a partir da citação; b) Condenar a empresa Ré ao pagamento de indenização a título de danos morais no montante de R$ 3.000,00 (três mil reais) a título de danos morais sujeitos a correção monetária INPC e juros de 1% a.m., contados a partir do arbitramento até a data do efetivo cumprimento da obrigação. Caso a acionada intimada para pagamento não efetue no prazo de 15 (quinze) dias, deverá ser acrescida multa no percentual de 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, conforme dispõe o art. 523 do CPC .” Irresignada, a ré apresentou recurso inominado, visando reformar a sentença para a total improcedência. Compulsando os autos, concluo que não foi atendido o dever legal imposto pelo art. 14 , § 3º , do Código de Defesa do Consumidor . Trata-se da chamada inversão ope legis do ônus da prova. Em se tratando de fato do serviço, cabe ao fornecedor comprovar que o defeito inexiste ou que a culpa é exclusiva do consumidor ou de terceiro. No caso em espécie, a empresa demandada não trouxe aos autos documentos capazes de certificar a regularidade das cobranças valores impugnados. A tese autoral encontra-se comprovada no ev. 01, sem que a empresa ré tenha oposto documento capaz de controverter a versão da inicial. No mesmo sentido, entendeu o juízo de origem: “Denota-se, ainda, que a parte autora solicitou o cancelamento da compra. Com efeito, até hoje não foi reembolsado ainda do valor da compra. Tenta a Ré, assim, eximir-se de sua reponsabilidade sem contudo, produzir provas aptas a comprovar suas alegações, ônus que lhe incumbia nos termos do artigo 333 II do CPC .”. Logo, impõe-se deferimento do pleito cominatório, bem como a restituição integral dos valores pagos. No que diz respeito à indenização extrapatrimonial, muito embora a parte autora tenha sido cobrada indevidamente, tal fato não foi apto a ensejar danos morais, correspondendo a um mero aborrecimento, uma vez que não fez prova de que foi inscrita em órgão de proteção ao crédito ou exposta a conduta humilhante e vexatória, ônus que lhe incumbia, nos termos do art. 373 , I , do CPC . No caso dos autos, não se vislumbra qualquer ofensa a direitos da personalidade, e os transtornos vividos pela parte autora não chegaram a caracterizar verdadeira situação de dano moral, o que afasta a possibilidade de cogitar de reparação nesse aspecto.Não vislumbro que as provas dos autos tenham certificado violação indenizável a direito da personalidade. Conforme já exposto pelo STJ, o mero inadimplemento contratual não é causa automática de concessão de indenização por danos morais: A recente jurisprudência consolidada neste Sodalício é no sentido de que o mero inadimplemento contratual não se revela suficiente a ensejar dano de ordem moral hábil a perceber indenização, considerando como hipótese de mero dissabor do cotidiano. Precedentes. ( AgInt nos EDcl no REsp XXXXX/SP , Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 01/03/2021, DJe 04/03/2021). CIVIL E PROCESSUAL CIVIL - RELAÇÃO DE CONSUMO - APELAÇÃO CÍVEL - AUSENCIA DE ENTREGA DO PRODUTO - DANO MORAL NÃO CONFIGURADO - MERO ABORRECIMENTO - RECURSO NÃO PROVIDO. 1. Discute-se se a não entrega de produto adquirido em site constitui hipótese de indenização por danos morais. 2. Os danos morais pressupõem, pois, violação a direitos da personalidade, sem os quais a condenação não pode persistir, de modo que os fatos narrados não ensejam danos morais presumidos, devendo haver prova eficaz da lesão extrapatrimonial. 3. Trata-se, assim, de hipótese de mero aborrecimento, incapaz de ensejar a condenação por danos morais. 4. Recurso não provido.(TJ-PE - AC: XXXXX PE , Relator: Humberto Costa Vasconcelos Júnior, Data de Julgamento: 05/02/2020, 1ª Câmara Regional de Caruaru - 1ª Turma, Data de Publicação: 11/02/2020). AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO COMINATÓRIA CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. AUSÊNCIA DE OMISSÃO NO ACÓRDÃO RECORRIDO. FALHA NA ENTREGA DE MERCADORIA ADQUIRIDA PELA INTERNET. INEXISTÊNCIA DE DANOS MORAIS. INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. PRECEDENTES. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. A jurisprudência desta Corte entende que o simples inadimplemento contratual não gera, em regra, danos morais, por caracterizar mero aborrecimento, dissabor, envolvendo controvérsia possível de surgir em qualquer relação negocial, sendo fato comum e previsível na vida social, embora não desejável nos negócios contratados. 2. "A falha na entrega de mercadoria adquirida pela internet configura, em princípio, mero inadimplemento contratual, não dando causa a indenização por danos morais. Apenas excepcionalmente, quando comprovada verdadeira ofensa a direito de personalidade, será possível pleitear indenização a esse título" ( REsp XXXXX/MG , Relator Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 11/02/2014, DJe de 06/03/2014). 3. Agravo interno a que se nega provimento. (STJ - AgInt no AREsp: XXXXX SP XXXXX/XXXXX-0, Relator: Ministro RAUL ARAÚJO, Data de Julgamento: 14/09/2020, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 01/10/2020) AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO E DANOS MORAIS. DESCONTO INDEVIDO. VALOR ÍNFIMO. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS 283 E 284 /STF. DANO MORAL INEXISTENTE. MERO ABORRECIMENTO. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. A ausência de impugnação, nas razões do recurso especial, de fundamento autônomo e suficiente à manutenção do aresto recorrido atrai, por analogia, o óbice da Súmula 283 do STF. 2. O Tribunal de origem concluiu que o desconto indevido de uma parcela no valor de R$ 28,00 (vinte e oito reais) no benefício previdenciário da recorrente não acarretou danos morais, pois representa valor ínfimo, incapaz de comprometer sua subsistência, bem como o valor foi restituído com correção monetária, de modo que ficou configurado mero aborrecimento. 3. A jurisprudência desta Corte entende que, quando a situação experimentada não tem o condão de expor a parte a dor, vexame, sofrimento ou constrangimento perante terceiros, não há falar em dano moral, uma vez que se trata de mero aborrecimento ou dissabor, mormente quando a falha na prestação de serviços, embora tenha acarretado aborrecimentos, não gerou maiores danos ao recorrente, como ocorreu na presente hipótese. 4. Agravo interno não provido. (STJ - AgInt no AREsp: XXXXX MS XXXXX/XXXXX-7, Relator: Ministro RAUL ARAÚJO, Data de Julgamento: 02/04/2019, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 24/04/2019) Ainda: Em regra, o desconto indevido em conta corrente, posteriormente ressarcido ao correntista, não gera, por si só, dano moral, sendo necessária a demonstração, no caso concreto, do dano eventualmente sofrido. Em outras palavras, não há dano moral in re ipsa. Ou seja, o prejuízo não é presumido. Deve-se comprovar o abalo à honra. Assim, para que haja dano moral é necessária a demonstração, no caso concreto, do dano eventualmente sofrido ou violação ao direito da personalidade (exemplo: inscrição indevida em cadastro de inadimplentes ou cobrança vexatória). STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp XXXXX/GO , Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 01/03/2021. STJ. 3ª Turma. AgInt no AREsp XXXXX/RS , Rel. Min. Marco Aurélio Belizze, julgado em 17/06/2019. Assim, cumpre salientar que desta forma o Superior Tribunal de Justiça tem se posicionado: CIVIL E PROCESSUAL CIVIL - RELAÇÃO DE CONSUMO - APELAÇÃO CÍVEL - AUSENCIA DE ENTREGA DO PRODUTO - DANO MORAL NÃO CONFIGURADO - MERO ABORRECIMENTO - RECURSO NÃO PROVIDO. 1. Discute-se se a não entrega de produto adquirido em site constitui hipótese de indenização por danos morais. 2. Os danos morais pressupõem, pois, violação a direitos da personalidade, sem os quais a condenação não pode persistir, de modo que os fatos narrados não ensejam danos morais presumidos, devendo haver prova eficaz da lesão extrapatrimonial. 3. Trata-se, assim, de hipótese de mero aborrecimento, incapaz de ensejar a condenação por danos morais. 4. Recurso não provido.(TJ-PE - AC: XXXXX PE , Relator: Humberto Costa Vasconcelos Júnior, Data de Julgamento: 05/02/2020, 1ª Câmara Regional de Caruaru - 1ª Turma, Data de Publicação: 11/02/2020). DIREITO DO CONSUMIDOR. AUSÊNCIA DE DANO MORAL IN RE IPSA PELA MERA INCLUSÃO DE VALOR INDEVIDO NA FATURA DE CARTÃO DE CRÉDITO. Não há dano moral in re ipsa quando a causa de pedir da ação se constitui unicamente na inclusão de valor indevido na fatura de cartão de crédito de consumidor. Assim como o saque indevido, também o simples recebimento de fatura de cartão de crédito na qual incluída cobrança indevida não constitui ofensa a direito da personalidade (honra, imagem, privacidade, integridade física); não causa, portanto, dano moral objetivo, in re ipsa. Aliás, o STJ já se pronunciou no sentido de que a cobrança indevida de serviço não contratado, da qual não resultara inscrição nos órgãos de proteção ao crédito, ou até mesmo a simples prática de ato ilícito não têm por consequência a ocorrência de dano moral ( AgRg no AREsp 316.452-RS , Quarta Turma, DJe 30/9/2013; e AgRg no REsp 1.346.581-SP , Terceira Turma, DJe 12/11/2012). Além disso, em outras oportunidades, entendeu o STJ que certas falhas na prestação de serviço bancário, como a recusa na aprovação de crédito e bloqueio de cartão, não geram dano moral in re ipsa ( AgRg nos EDcl no AREsp 43.739-SP , Quarta Turma, DJe 4/2/2013; e REsp 1.365.281-SP , Quarta Turma, DJe 23/8/2013). Portanto, o envio de cobrança indevida não acarreta, por si só, dano moral objetivo, in re ipsa, na medida em que não ofende direito da personalidade. A configuração do dano moral dependerá da consideração de peculiaridades do caso concreto, a serem alegadas e comprovadas nos autos. Com efeito, a jurisprudência tem entendido caracterizado dano moral quando evidenciado abuso na forma de cobrança, com publicidade negativa de dados do consumidor, reiteração da cobrança indevida, inscrição em cadastros de inadimplentes, protesto, ameaças descabidas, descrédito, coação, constrangimento, ou interferência malsã na sua vida social, por exemplo ( REsp 326.163-RJ , Quarta Turma, DJ 13/11/2006; e REsp 1.102.787-PR , Terceira Turma, DJe 29/3/2010). Esse entendimento é mais compatível com a dinâmica atual dos meios de pagamento, por meio de cartões e internet, os quais facilitam a circulação de bens, mas, por outro lado, ensejam fraudes, as quais, quando ocorrem, devem ser coibidas, propiciando-se o ressarcimento do lesado na exata medida do prejuízo. A banalização do dano moral, em caso de mera cobrança indevida, sem repercussão em direito da personalidade, aumentaria o custo da atividade econômica, o qual oneraria, em última análise, o próprio consumidor. Por outro lado, a indenização por dano moral, se comprovadas consequências lesivas à personalidade decorrentes da cobrança indevida, como, por exemplo, inscrição em cadastro de inadimplentes, desídia do fornecedor na solução do problema ou insistência em cobrança de dívida inexistente, tem a benéfica consequência de estimular boas práticas do empresário. REsp 1.550.509-RJ , Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 3/3/2016, DJe 14/3/2016. Pelo exposto, entendo por CONHECER E DAR PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO, reformando a sentença recorrida apenas para exclusão da indenização extrapatrimonial, mantendo-a nos demais termos. Decisão integrativa proferida nos termos do art. 46 da lei 9.099 /95. Sem custas e honorários. MARY ANGÉLICA SANTOS COELHO Juíza Relatora