RECURSO ORDINÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TUTELA INIBITÓRIA VOLTADA À PROIBIÇÃO DA CELEBRAÇÃO DE CONTRATOS DE CESSÃO DE CRÉDITOS DE DEMANDAS TRABALHISTAS. ILICITUDE CONTRATUAL "A PRIORI" NÃO RECONHECIDA. FALTA DE PROVAS SUFICIENTES DE DESÁGIO PREJUDICIAL AOS CEDENTES. RECONHECIMENTO DA ILICITUDE DAS CLÁUSULAS QUE IMPÕEM AO CEDENTE A OBRIGAÇÃO DE REVOGAR O MANDATO DO SEU ADVOGADO E DE OUTORGAR NOVO MANDATO AOS ADVOGADOS INDICADOS PELA CESSIONÁRIA. TUTELA INIBITÓRIA PARCIALMENTE CONCEDIDA. A celebração de contratos de cessão de créditos de demandas trabalhistas não encontra oposição na natureza da obrigação e na lei (artigo 286 do Código Civil ). Além de inexistir vedação explícita do ordenamento jurídico à cessão de créditos trabalhistas, alguns dispositivos legais a admitem expressamente, como o artigo 22 da Lei 14.193 /2021 e o antigo parágrafo 4º do artigo 83 da Lei 11.101 /2005 (revogado pela Lei 14.112 /2020). Na atualização de 28.10.2008, o artigo 100 da Consolidação dos Provimentos da Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho previa que "a cessão de crédito prevista no artigo 286 do Código Civil não se aplica na Justiça do Trabalho", mas, a partir de nova atualização e sistematização, ocorrida em 17.08.2012, a Consolidação dos Provimentos da Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho não tratou mais a respeito da cessão de créditos trabalhistas. No panorama jurídico atual, não há como afirmar-se que o contrato de cessão de créditos de demandas trabalhistas seria ilícito "a priori", e, diante da ausência de provas suficientes para a conclusão de que o deságio imposto pela ré seria inequivocamente prejudicial aos cedentes, não se acolhe a pretensão do autor de que a ré seja condenada a abster-se de firmar quaisquer contratos de cessão de créditos trabalhistas. Todavia, ainda que se admita a possibilidade em tese da celebração de contratos de cessão de créditos de demandas trabalhistas, não se revestem de licitude cláusulas contratuais que obrigam os cedentes a revogarem os mandatos dos seus advogados e a outorgarem novo mandato aos advogados indicados pela cessionária, pois essas cláusulas favorecem a atuação dos novos procuradores, embora em nome do cedente, na defesa não de direito seu, já cedido, mas exclusivamente na defesa de direito da cessionária, além de facilitarem a ocultação da cessão dos créditos trabalhistas do magistrado responsável pela condução do processo. Embora não se negue o seu direito de indicar procuradores que representem seus interesses, dada a relação personalíssima entre advogado e cliente, a cessionária deve assumir a posição jurídica de sucessora ou assistente litisconsorcial do cedente ( parágrafos 1º e 2º do artigo 109 e parágrafo 1º , III , do artigo 778 , ambos do CPC ). A exigência de que o juiz seja comunicado da cessão de créditos trabalhistas já foi reconhecida pela Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho, e o dever de publicidade e informação também é direcionado à proteção do devedor. A lei impõe às partes que procedam em juízo com lealdade e boa-fé, não apenas em suas relações recíprocas, mas também em relação ao próprio juiz. As cláusulas dos contratos de cessão de créditos de demandas trabalhistas que obrigam os cedentes a revogarem os mandatos dos seus advogados e a outorgarem novo mandato aos advogados indicados pela cessionária são passíveis de reconhecimento de nulidade (artigo 166 , VI , do Código Civil ), já que possibilitam que se contorne indevidamente a exigência de notificação do devedor para que a cessão tenha eficácia em relação ao devedor (artigo 290 do Código Civil ), a exigência de consentimento do devedor para que a cessionária ingresse em juízo, sucedendo o cedente ( parágrafo 1º do artigo 109 do CPC ) e a vedação ao pleito de direito alheio em nome próprio (artigo 18 do CPC ), bem como configuram abuso de direito, por excederem manifestamente os limites impostos pela boa-fé objetiva (artigo 187 do Código Civil ). Recurso ordinário a que dá provimento parcial para conceder-se a tutela inibitória consistente na determinação de que a ré abstenha-se de celebrar contratos de cessão de créditos de demandas trabalhistas que imponham aos cedentes a obrigação de revogarem os mandatos dos seus advogados e de outorgarem novos mandatos aos advogados indicados pela cessionária, sob pena de pagamento de multa.