PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA Tribunal Pleno Processo: HABEAS CORPUS n. XXXXX-97.2018.8.05.0000 Órgão Julgador: Tribunal Pleno PACIENTE: MARCELL CARVALHO DE MORAES e outros Advogado (s): FERNANDO VAZ COSTA NETO IMPETRADO: JUIZ DE DIREITO DE SALVADOR, 3ª VARA DO SISTEMA DOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS DA BAHIA Advogado (s): ACORDÃO HABEAS CORPUS - AÇÃO PENAL PRIVADA - QUEIXA-CRIME CONTRA DEPUTADO ESTADUAL – ARTS. 138 , 139 E 140 , DO CÓDIGO PENAL - INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DO JUIZADO ESPECIAL PARA JULGAMENTO DA CAUSA - PRERROGATIVA DE FORO – ART. 84 , § 6º, DA CONSTITUIÇÃO DA BAHIA – CONCURSO DE CRIMES DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO – ULTRAPASSADO O PATAMAR MÍNIMO DE 02 (DOIS) ANOS. 1. Sustentam os Impetrantes a incompetência do Juízo da 3ª Vara do Sistema dos Juizados Especiais Criminais da Comarca de Salvador/BA para processar e julgar o feito originário, considerando que o Paciente é detentor de foro privilegiado, por ser deputado estadual. 2. Asiste-lhes razão. 3. Prevê a Constituição Estadual da Bahia, em seu art. 84, § 6º, que os deputados somente poderão ser processados e julgados pelo Tribunal de Justiça. 4. Por meio do documento de ID XXXXX, verifica-se que o Paciente Marcell Carvalho de Moraes foi diplomado em 15 de dezembro de 2014 e que o fato supostamente ofensivo a honra objetiva e subjetiva dos querelantes, segundo a exordial da queixa-crime, teria ocorrido em 21 de fevereiro de 2017 (fls. 03/11 do ID XXXXX). 5. No Primeiro Grau, quando sustentada pela Defesa do Paciente a tese de incompetência absoluta, o magistrado condutor do processo de origem entendeu pelo prosseguimento do feito. 6. Em seus informes, a autoridade apontada como coatora aduz que a imunidade parlamentar não é absoluta e que está restrita a atos praticados in officio ou propter officium, o que, segundo seu entendimento, não é a hipótese dos autos. 7. Com efeito, a competência fixada em razão do foro por prerrogativa de função, tendo em vista a relevância de determinados cargos e/ou funções públicas, é material, e como tal, considerada absoluta, por estar fixada em norma constitucional e por apresentar como fundamento interesse público. 8. Desse modo, em razão de tais características, é improrrogável e pode ser conhecida a qualquer tempo, até mesmo de ofício. 9. Nesta trilha, a matéria que ora se argui, deve ser declarada, inclusive, de ofício, porque é óbice ao ajuizamento da ação, perante os Juizados Especiais. 10. Conforme exposto alhures, tendo a prerrogativa de foro como termo inicial a diplomação, a competência para processamento e julgamento do Paciente, deputado estadual à época dos fatos - e ainda em exercício do mandato, no que toca aos crimes a ele imputados por meio da queixa-crime formulada pelos Querelantes, é deste egrégio Tribunal de Justiça do Estado da Bahia. 11. Como é cediço, em 03 de maio de 2018, o Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento da Questão de Ordem na Ação Penal nº 937/RJ , que teve como objeto analisar "a possibilidade de conferir interpretação restritiva às normas da Constituição de 1988 que estabelecem as hipóteses de foro por prerrogativa de função, de modo a limitar tais competências jurisdicionais aos crimes cometidos em razão do ofício e que digam respeito estritamente ao desempenho daquele cargo". 12. Referida decisão, por sua vez, não abarca, inicialmente, o cargo de deputado estadual. Até o momento, a Corte Constitucional considerou, exclusivamente em relação aos Deputados Federais e aos Senadores, que "a limitação do alcance do foro especial aos crimes praticados durante o exercício funcional e que sejam diretamente relacionados às funções desempenhadas é, desse modo, mais condizente com a exigência de assegurar a credibilidade e a efetividade do sistema penal. Além disso, tem a aptidão de promover a responsabilização de todos os agentes públicos pelos atos ilícitos praticados, em atenção ao princípio republicano. O Supremo, ao interpretar suas competências, tem assentado, com base na teoria dos poderes implícitos, que se deve buscar “conferir eficácia real ao conteúdo e ao exercício de dada competência constitucional”, sempre como forma de garantir a “integral realização dos fins que lhe foram atribuídos” (voto do Min. Celso de Mello na ADI 2.797 ). Assim, a capacidade de o Tribunal desempenhar devidamente suas atribuições, com a qualidade e a rapidez desejadas, não pode ser desconsiderada na definição do alcance das competências jurisdicionais que instituem o foro privilegiado" ( QO na AP 937 , Rel.: Ministro Luis Roberto Barroso, Tribunal Pleno, j. Em 3/5/18). 13. É bem verdade que a matéria está sendo debatida no Congresso Nacional, onde tramita a proposta de emenda a Constituição nº 333/2017, visando à restrição do Juiz Natural das autoridades com prerrogativa de foro. Sabe-se, de igual modo, que, em 09/05/2018, o Exmo Ministro do Supremo Tribunal Federal Dias Toffoli encaminhou a Presidência daquela Corte proposta de aprovação de duas Sumulas Vinculantes no intuito de esclarecer as duvidas sobre o tema e “impedir a insegurança jurídica”. 14. Ocorre que, tratando-se de tema ainda em discussão no STF, e sendo a deliberação, no momento atual, desprovida de efeito vinculante, sua açodada e irrefletida aplicação implicaria na restrição indevida de garantias processuais de matriz constitucional, relativas ao Juízo Natural, sem o devido respaldo normativo. 15. No caso em apreço, por sem dúvida, os supostos delitos foram cometidos no curso do mandato parlamentar, não se podendo extirpar da competência do órgão ad quem a faculdade/dever de definir se os fatos possuem, ou não, relação com a função desempenhada pelo Querelado. 16. Assim, a priori, cabe à Seção Criminal, nos termos do art. 95, inc. XIV, do Regimento Interno desta Corte, deliberar sobre a competência para julgamento da causa, restringindo, conforme o caso, a prerrogativa de foro, caso entenda pertinente. 17. Sob outro vértice, apura-se, nos autos, a prática de crimes contra a honra – arts. 138 , 139 e 140 do Código Penal - imputados ao Querelado Marcell Carvalho de Moraes, sendo que, para o primeiro, há previsão legal de uma pena máxima de 02 anos; no segundo, de 01 ano e, em relação ao terceiro, a pena máxima abstratamente prevista no tipo é 06 meses de detenção. 18. Segundo o art. 61 da Lei 9.099 /95, são consideradas infrações de menor potencial ofensivo aqueles crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 02 (dois) anos, cumulada ou não, com multa. 19. Diante disso, no caso dos autos, verifica-se que as infrações imputadas ao acusado enquadram-se em tal conceito. 20. Com efeito, não obstante, isoladamente, configurarem crime de menor potencial ofensivo, em se tratando de concurso de crimes ou de crime continuado, a pena a ser considerada para a delimitação da competência do Juizado Especial Criminal para processar e julgar a ação penal é aquela derivada da soma das penas máximas cominadas, em se cuidando de concurso material, ou do aumento determinado, em se cuidando de concurso formal ou de crime continuado. 21. Nesse sentido, a edição n. 96 de Jurisprudência em Tese do Superior Tribunal de Justiça, com o Tema Juizados Especiais Criminais – II: “10) Na hipótese de apuração de delitos de menor potencial ofensivo, deve-se considerar a soma das penas máximas em abstrato em concurso material, ou, ainda, a devida exasperação, no caso de crime continuado ou de concurso formal, e ao se verificar que o resultado da adição é superior a dois anos, afasta-se a competência do Juizado Especial Criminal”. 22. No caso em comento, efetivamente será ultrapassado o patamar mínimo de 2 (anos), o que afasta a competência do Juizado Especial Criminal para o exame do feito. 23. Imperioso consignar, ademais, que o fato do Paciente possuir no Juízo processante ações em que figura como autor não tem o condão de afastar o foro por prerrogativa de função, quando ele for o réu. É que só há de se cogitar de tal privilégio quando o ocupante do cargo público estiver sendo processado. Inteligência dos artigos 53 , § 1º da CF ; 27 , § 1º , da CF e 84, § 6º, da CE. 24. A prerrogativa contida no art. 84, § 6º, da Constituição da Bahia decorre, da proteção ao cargo ocupado pelo processado, quando, em tese, tenha praticado delito omissivo ou comissivo, em nada se confundindo em sua qualidade de autor da ação que vier a pessoalmente intentar, porquanto não estará, nesta hipótese, atuando como agente público. 25. Nesta linha de entendimento, há de ser reconhecida a incompetência absoluta do Juízo da 3ª Vara do Sistema dos Juizados Especiais Criminais da Comarca de Salvador para processar e julgar o Querelado, devendo os autos da ação penal nº 0 0065831-84.2017.805.0001 serem encaminhados ao Juízo competente, observando-se o quanto disposto no art. 84, § 6º, da Constituição do Estado da Bahia. 26. Parecer Ministerial pela concessão da ordem. ORDEM CONCEDIDA, POR ABSOLUTA INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO DA 3ª VARA DO SISTEMA DOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS DA COMARCA DE SALVADOR PARA PROCESSAR E JULGAR O FEITO. DETERMINAÇÃO DE REMESSA DOS AUTOS DA DA AÇÃO PENAL Nº 0 0065831-84.2017.805.0001 , AO ÓRGÃO COMPETENTE DESTE EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, NOS TERMOS DO ART. 84, § 6º DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DA BAHIA E DO ART. 95, INC. XIV, DO REGIMENTO INTERNO DESTA CORTE. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos esses autos de Habeas Corpus n. XXXXX-97.2018.805.0000 do Juízo da 3ª Vara do Sistema dos Juizados Especiais Criminais da Comarca de Salvador/Ba, sendo Impetrantes os Béis. Fernando Vaz Costa Neto e Eledison Sampaio e Paciente Marcell Carvalho de Moraes. ACORDAM os Desembargadores integrantes do Tribunal Pleno deste Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, à unanimidade, em conceder a ordem, nos termos do voto do Relator.