Ementa: DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE. ATOS ADMINISTRATIVOS. LICENÇAS. REGISTRO E PORTE DE ARMA DE FOGO. ART. 4º DO ESTATUTO DO DESARMAMENTO . ART. 12, § 1º E § 7º, IV, DO DECRETO 5.123/2019 (COM ALTERAÇÃO DADA PELO DECRETO 9.685 /2019). ART. 9º , § 1º DO DECRETO Nº 9.785 /2019. ART. 3º , I E § 1º DO DECRETO Nº 9.845 /2019. PERDA DE OBJETO POR REVOGAÇÃO DO DISPOSITIVO VERGASTADO. INOCORRÊNCIA. EFEITOS TEMPORALMENTE DIFERIDOS DA VIOLAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS. CONVERSÃO EM JULGAMENTO DE MÉRITO. DIREITO À VIDA E À SEGURANÇA. DEVER DO ESTADO DE PROMOVER A SEGURANÇA PÚBLICA COMO COROLÁRIO DO ESTADO DE DIREITO DEMOCRÁTICO. OBRIGAÇÕES ASSUMIDAS PELO ESTADO BRASILEIRO PERANTE O DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS. DEVER DE AGIR COM DILIGÊNCIA DEVIDA E PROPORCIONALIDADE PARA REDUZIR A CIRCULAÇÃO E O USO DE ARMAS DE FOGO NA SOCIEDADE. INEXISTÊNCIA DE UM DIREITO FUNDAMENTAL A ADQUIRIR E PORTAR ARMA DE FOGO. ACESSO EXCEPCIONAL. CONTROLE QUANTO A NECESSIDADE, ADEQUAÇÃO E PROPORCIONALIDADE. INTERPRETAÇÃO CONFORME. REQUISITO DA EFETIVA NECESSIDADE. IMPERATIVIDADE DA DEMONSTRAÇÃO CONCRETA. REGULAÇÃO QUE FERE A RESERVA DE LEI. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA E DIFICULDADE PRÁTICA IMPOSTA À FISCALIZAÇÃO. NECESSIDADE PRESUMIDA PARA RESIDENTES DE ÁREAS URBANAS VIOLENTAS. INCONSTITUCIONALIDADE. AÇÃO JUGADA PROCEDENTE. 1. A revogação dos Decretos nº 5.123/2019 e nº 9.785 /2019 não obsta o conhecimento da ação, uma vez que o Partido-requerente, ao aditar a contento a petição inicial, demonstrou a continuidade normativa dos dispositivos impugnados na ordem jurídica. Ademais, trata-se de violação de direitos fundamentais tendente a se protrair no tempo, pelo que se preserva o interesse processual na discussão de sua constitucionalidade. 2. O conteúdo normativo dos direitos à vida e à segurança exige do Estado prestação ativa no sentido de construir uma política pública de segurança e controle da violência armada. 3. As obrigação assumidas pelo Estado brasileiro perante o direito internacional dos direitos humanos aprofunda a semântica dos direitos à vida e à segurança, devendo a responsabilidade do Poder Público passar pelo crivo da diligência devida e da proporcionalidade. 4. Da inexistência, na ordem constitucional brasileira, de um direito fundamental ao acesso a armas de fogo pelos cidadãos, conclui-se que a aquisição e o porte devem estar sempre marcados pelo caráter excepcional e pela exigência de demonstração de necessidade concreta. 5. É dever do Estado promover uma política de controle da circulação de armas de fogo, implementando mecanismos institucionais de restrição ao acesso, dentre os quais se incluem procedimentos fiscalizatórios de licenciamento, de registro, de monitoramento periódico, e de treinamentos compulsórios. 6. A única interpretação conforme à Constituição da Republica do art. 4º , caput, do Estatuto do Desarmamento , é aquela que toma a noção de “efetiva necessidade para aquisição de arma de fogo” como requisito indeclinável de demonstração fática. 7. É incompatível com a Constituição da Republica , e com o dever de diligência devida na regulação de armas de fogo, norma que estabelece inversão do ônus probatório, determinando que se presumam verdadeiras as informações constantes de declaração de efetiva necessidade. 8. É contrária à Constituição da Republica a criação de categoria jurídica que excetue a efetiva necessidade em prol de “necessidade presumida” para os residentes em áreas urbanas violentas. Esta exceção só seria justificável caso se demonstrasse, inequivocamente, a partir das melhores teorias e práticas científicas, que tal medida tenderia à produção de maior segurança pública. Inexistindo suporte epistêmico a esta premissa, conclui-se pelo triunfo dos direitos à vida e à segurança. 9. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente.