TRF-1 - APELAÇÃO CIVEL: AC XXXXX20114013604
ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI 8.429 /92. PREFEITO E MEMBROS DE COMISSÃO DE LICITAÇÃO MUNICIPAL. VERBAS REPASSADAS PELO MINISTÉRIO DA SAÚDE E PELO FNDE. AQUISIÇÃO DE AMBULÂNCIAS E MICRO-ÔNIBUS. FRAUDE EM LICITAÇÃO. ATOS ÍMPROBOS COMPROVADOS EM RELAÇÃO AO EX-GESTOR E AO FUNCIONÁRIO DO MUNICÍPIO. CONDENAÇÃO MANTIDA. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO EM RELAÇÃO AOS MEMBROS DA COMISSÃO DE LICITAÇÃO. AUSÊNCIA DE PROVAS. SANÇÕES. READEQUAÇÃO. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO EM RELAÇÃO AO EX-PREFEITO E AO FUNCIONÁRIO DA PREFEITURA. RECURSO PROVIDO EM RELAÇÃO AOS DEMAIS REQUERIDOS. 1. Apelação interposta por ex-prefeito, ex-funcionário da prefeitura e ex-membros da comissão de licitação contra sentença que, em ação civil pública de improbidade administrativa ajuizada pelo Ministério Público Federal, julgou procedente o pedido para condenar os requeridos nas penas do art. 12 , inciso II , da Lei 8.429 /92, por terem supostamente se associado para fraudar procedimentos licitatórios relacionados a convênios destinados à aquisição de unidades móveis de saúde e micro-ônibus para transporte escolar no município de Santo Afonso/MT. 2. Afirma o MPF na inicial que os requeridos se associaram a Luís Antônio Vedoin e Darci Vedoin, de modo a fraudar e direcionar procedimentos licitatórios em favor de empresas vinculadas à organização criminosa denominada Máfia das Sanguessugas. 3. A matéria relativa à prescrição já tinha sido afastada pelo juízo de origem no curso do processo, e não tendo havido interposição de recurso pelos requeridos, a discussão está preclusa, não podendo, portanto, ser novamente suscitada na apelação. Precedente: AC XXXXX-80.2013.4.01.3309 , Rel. Desembargador Federal Ney Bello, Terceira Turma, PJe 04/05/2020. 4. De acordo com o relatório de auditoria realizado em 27/08/2007 pela Controladoria Geral da União CGU, em conjunto com o Departamento Nacional de Auditoria do SUS DENASUS, por meio do Sistema de Auditoria SISAUD, constatou-se que nos convênios firmados pelo município de Santo Afonso/MT com a União (Convênios nºs 1.487/2000, 971/2002 e 1.261/2003), para aquisição de unidades móveis de saúde, houve irregularidades nos procedimentos licitatórios e sobrepreço nas referidas aquisições. 5. Por sua vez, o Laudo de Exame Contábil nº 1.676/2007, elaborado pela Superintendência Regional da Polícia Federal no Estado do Mato Grosso, constatou que na Carta Convite nº 36/2001, referente ao Convênio nº 750.075/2002, firmado com o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação FNDE para aquisição de micro-ônibus para transporte escolar, também houve sobrepreço no valor da proposta vencedora. 6. O Ministério Público Federal, em relação ao Convênio nº 971/2002, juntou aos autos acórdão do TCU (nº 10.558/2011) que julgou irregulares as contas prestadas pelo ex-prefeito em razão da constatação de superfaturamento na aquisição/transformação da unidade móvel de saúde adquirida com recursos recebidos por força do mencionado convênio e o condenou ao pagamento do valor do dano, acrescido de multa. 7. Demonstrou o DENASUS, além da existência de sobrepreço, a ocorrência de diversas irregularidades nos procedimentos licitatórios, das quais se destacam; a) utilização indevida da modalidade convite, uma vez que sendo o valor dos objetos dos convênios superiores a 80.000,00 (art. 23 , I , b , da Lei 8.666 /93), realizaram o fracionamento da licitação em dois procedimentos de convite, um para a aquisição do veículo e outro para a aquisição dos equipamentos de saúde; b) falta de pesquisa de preço de mercado (art. 43 , IV , da Lei 8.666 /93); c) homologação do procedimento licitatório antes ou na mesma data da celebração dos convênios; d) exigência dos documentos de regularidade fiscal apenas em relação à empresa licitante vencedora do certame. 8. Constatou-se, ainda, que os procedimentos licitatórios foram direcionados para que apenas empresas da família Trevisan Vedoin fossem sagradas vencedores dos certames, quais sejam: Klass Comércio e Representação Ltda. (Convênio nº 971/2002); Planam Comércio e Representações Ltda. (Convênio nº 1.261/2003) e Santa Maria Comércio e Representação Ltda. (Convênios nº 1.487/2000 e 750.075/2002). 9. Ao prestar depoimento perante a Superintendência Regional da Polícia Federal em Mato Grosso (IPL 646/2004), Luiz Antônio Trevisan Vedoin confessou que as licitações em Santo Afonso/MT foram direcionadas para que fossem sagradas vencedoras as empresas pertencentes à família Vedoin. 10. Para a configuração do ato de improbidade é necessária a demonstração do elemento subjetivo consubstanciado pelo dolo para os tipos previstos nos arts. 9º e 11 e ao menos pela culpa grave, nas hipóteses do art. 10 (STJ, AIA XXXXX/AM, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Corte Especial, DJe de 28/09/2011), eis que o ato ímprobo, mais do que ilegal, é um ato de desonestidade do servidor ou agente público para com a Administração e, portanto, não prescinde de dolo ou culpa grave evidenciadora de má-fé para que se possa configurar. 11. No caso, verifica-se a presença do elemento subjetivo, tendo em vista que ficou comprovada a ligação entre os procedimentos licitatórios e o esquema criminoso da chamada Máfia da Sanguessuga, tendo sido demonstrada a efetiva participação do ex-prefeito e do ex-funcionário da prefeitura (que prestava apoio à Comissão de Licitação na produção dos documentos necessários aos processos licitatórios) no esquema fraudulento, uma vez que tinham ingerência nos procedimentos licitatórios irregulares que objetivavam favorecer empresas da família Vedoin, o que é reforçado pelos depoimentos prestados por ambos perante a Polícia Federal, nos autos do IPL 646/2004, evidenciando que atuaram de forma consciente e dolosa para que os atos de improbidade que lhes foram imputados ocorressem. 12. A alegação de que houve a aprovação das contas dos convênios no âmbito do Ministério da Saúde, por si só, não comprova a inexistência de prejuízo ao erário, uma vez que nos autos da ação civil pública de ressarcimento ao erário XXXXX-15.2011.4.01.3604 com trânsito em julgado , que também apurava a responsabilidade pelas irregularidades ocorridas nos Convênios nºs 1.487/2000, 971/2002, 1.2611/2003 e 750.075/2001, os requeridos Luiz Antônio Trevisan Vedoin e Darci José Vedoin foram condenados a ressarcir à União o valor de R$ 91.105,45 (noventa e um mil, cento e cinco reais, e quarenta e cinco centavos), a título de reparação pelo dano patrimonial causado ao erário. 13. Não obstante isso, a aplicação das sanções da Lei de Improbidade Administrativa independe da aprovação ou rejeição das contas pelo órgão de controle interno ou pelo Tribunal ou Conselho de Contas, a teor do art. 21 , II , da Lei 8.429 /92. 14. O ex-prefeito e o ex-funcionário da prefeitura, portanto, foram responsáveis pelas irregularidades verificadas na execução dos referidos convênios, agentes esses que tinham o dever de zelar pela lisura dos procedimentos licitatórios, e, não o fazendo, causaram dano ao erário e infringiram princípios da Administração Pública, superfaturando preços de veículos e direcionando o resultado dos certames, praticando, assim, as condutas previstas nos arts. 10 , incisos V e VIII e 11 , inciso I , da LIA . 15. Em relação aos demais requeridos, ex-membros da comissão de licitação à época da celebração dos convênios, verifica-se dos autos que não há provas de sua efetiva participação nas fraudes descritas na inicial. 16. A imputação da prática de atos ímprobos em relação a eles fundamentou-se apenas em suas condições de membros da Comissão de Licitação, não tendo sido comprovado nenhum ato concreto de participação nas irregularidades descritas na inicial. 17. O reconhecimento da prática de ato de improbidade administrativa pelos membros da comissão de licitação sem a efetiva comprovação do elemento subjetivo, equivaleria a se admitir a responsabilidade objetiva do agente público, o que não é aceito pela lei de regência. Precedente: ( AC XXXXX-30.2008.4.01.3500 , Rel. Desembargador Federal Ney Bello, Terceira Turma,PJe 10/09/2020. 18. As penalidades impostas aos agentes responsáveis podem ser aplicadas de forma cumulativa ou não, em consonância com os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, considerando a gravidade dos fatos. Precedente: AC XXXXX-38.2009.4.01.4101 , Rel. Desembargador Federal Ney Bello, Terceira Turma, PJe 18/12/2020. 19. Na espécie em causa, considerando-se a gravidade dos atos ímprobos e a extensão do dano, de montante não exorbitante, merecem ser readequadas as penalidades impostas. 20. Em relação ao ex-prefeito: a) redução da condenação de ressarcimento ao erário ao valor de R$ 91.105,45 (noventa e um mil, cento e cinco reais, e quarenta e cinco centavos), a ser devidamente atualizado, conforme apurado nos autos da ação XXXXX-15.2011.4.01.3604 ; b) exclusão da condenação de perda da função pública, uma vez que a perda da função pública diz respeito apenas ao cargo ou função ocupados pelo agente e no qual praticou o ato de improbidade ( AC XXXXX-72.2010.4.01.3904 , Rel. Desembargador Federal Olindo Menezes, Quarta Turma, e-DJF1 04/12/2019); c) redução do prazo de suspensão dos direitos políticos para 05 (cinco) anos; d) redução da multa civil para 10% (dez por cento) do valor do dano ao erário atualizado, conforme precedentes da Terceira e Quarta Turmas ( AC XXXXX-68.2009.4.01.3603 , Rel. Desembargador Federal Ney Bello, Terceira Turma, e-DJF1 11/10/2018; AC XXXXX-15.2009.4.01.3311 , Rel. Desembargador Federal Olindo Menezes, Quarta Turma, e-DJF1 27/01/2021). 21. Em relação ao ex-funcionário da prefeitura: a) exclusão da condenação de perda da função pública; b) redução da multa civil para 10% (dez por cento) do valor do dano ao erário atualizado. 22. Apelação do ex-prefeito e do ex-funcionário da prefeitura a que se dá parcial provimento. 23. Apelação dos ex-membros da comissão de licitação a que se dá provimento para, reformando integralmente a sentença, julgar improcedente o pedido, com extensão ao Espólio de Ademir Borges Marinho, litisconsorte que não recorreu (art. 1.005 do CPC ). 24. Afasta-se, de ofício, a condenação ao pagamento de honorários advocatícios, porquanto a jurisprudência é firme no sentido de que, em razão do critério da simetria, a previsão do art. 18 da Lei 7.347 /1985 deve ser interpretada também em favor do requerido em ação civil pública. Precedente: AC XXXXX-10.2009.4.01.3813 , Rel. Desembargador Federal Ney Bello, Terceira Turma, PJe 26/05/2020.