Recurso Extraordinário. Repercussão Geral reconhecida. Direito Civil e Constitucional. Conflito entre paternidades socioafetiva e biológica. Paradigma do casamento. Superação pela Constituição de 1988 . Eixo central do Direito de Família: deslocamento para o plano constitucional. Sobreprincípio da dignidade humana (art. 1º , III , da CRFB ). Superação de óbices legais ao pleno desenvolvimento das famílias. Direito à busca da felicidade. Princípio constitucional implícito. Indivíduo como centro do ordenamento jurídico-político. Impossibilidade de redução das realidades familiares a modelos pré-concebidos. Atipicidade constitucional do conceito de entidades familiares. União estável (art. 226 , § 3º , CRFB ) e família monoparental (art. 226 , § 4º , CRFB ).Vedação à discriminação e hierarquização entre espécies de filiação (art. 227 , § 6º , CRFB ). Parentalidade presuntiva, biológica ou afetiva. Necessidade de tutela jurídica ampla. Multiplicidade de vínculos parentais. Reconhecimento concomitante. Possibilidade. Pluriparentalidade. Princípio da paternidade responsável (art. 226 , § 7º , CRFB ). Recurso a que se nega provimento. Fixação de tese para aplicação a casos semelhantes. 1. O prequestionamento revela-se autorizado quando as instâncias inferiores abordam a matéria jurídica invocada no Recurso Extraordinário na fundamentação do julgado recorrido, tanto mais que a Súmula n. 279 desta Egrégia Corte indica que o apelo extremo deve ser apreciado à luz das assertivas fáticas estabelecidas na origem. 2. A família, à luz dos preceitos constitucionais introduzidos pela Carta de 1988, apartou-se definitivamente da vetusta distinção entre filhos legítimos, legitimados e ilegítimos que informava o sistema do Código Civil de 1916 , cujo paradigma em matéria de filiação, por adotar presunção baseada na centralidade do casamento, desconsiderava tanto o critério biológico quanto o afetivo. 3. A família, objeto do deslocamento do eixo central de seu regramento normativo para o plano constitucional, reclama a reformulação do tratamento jurídico dos vínculos parentais à luz do sobreprincípio da dignidade humana (art. 1º , III , da CRFB ) e da busca da felicidade. 4. A dignidade humana compreende o ser humano como um ser intelectual e moral, capaz de determinar-se e desenvolver-se em liberdade, de modo que a eleição individual dos próprios objetivos de vida tem preferência absoluta em relação a eventuais formulações legais definidoras de modelos preconcebidos, destinados a resultados eleitos a priori pelo legislador. Jurisprudência do Tribunal Constitucional alemão (BVerfGE 45, 187). 5. A superação de óbices legais ao pleno desenvolvimento das famílias construídas pelas relações afetivas interpessoais dos próprios indivíduos é corolário do sobreprincípio da dignidade humana. 6. O direito à busca da felicidade, implícito ao art. 1º , III , da Constituição , ao tempo que eleva o indivíduo à centralidade do ordenamento jurídico-político, reconhece as suas capacidades de autodeterminação, autossuficiência e liberdade de escolha dos próprios objetivos, proibindo que o governo se imiscua nos meios eleitos pelos cidadãos para a persecução das vontades particulares. Precedentes da Suprema Corte dos Estados Unidos da América e deste Egrégio Supremo Tribunal Federal: RE 477.554 -AgR, Rel. Min. Celso de Mello, DJe de 26/08/2011; ADPF 132, Rel. Min. Ayres Britto, DJe de 14/10/2011. 7. O indivíduo jamais pode ser reduzido a mero instrumento de consecução das vontades dos governantes, por isso que o direito à busca da felicidade protege o ser humano em face de tentativas do Estado de enquadrar a sua realidade familiar em modelos pré-concebidos pela lei. 8. A Constituição de 1988 , em caráter meramente exemplificativo, reconhece como legítimos modelos de família independentes do casamento, como a união estável (art. 226, § 3º) e a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, cognominada “família monoparental” (art. 226, § 4º), além de enfatizar que espécies de filiação dissociadas do matrimônio entre os pais merecem equivalente tutela diante da lei, sendo vedada discriminação e, portanto, qualquer tipo de hierarquia entre elas (art. 227, § 6º). 9. As uniões estáveis homoafetivas, consideradas pela jurisprudência desta Corte como entidade familiar, conduziram à imperiosidade da interpretação não-reducionista do conceito de família como instituição que também se forma por vias distintas do casamento civil (ADI nº. 4277, Relator (a): Min. AYRES BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 05/05/2011). 10. A compreensão jurídica cosmopolita das famílias exige a ampliação da tutela normativa a todas as formas pelas quais a parentalidade pode se manifestar, a saber: (i) pela presunção decorrente do casamento ou outras hipóteses legais, (ii) pela descendência biológica ou (iii) pela afetividade. 11. A evolução científica responsável pela popularização do exame de DNA conduziu ao reforço de importância do critério biológico, tanto para fins de filiação quanto para concretizar o direito fundamental à busca da identidade genética, como natural emanação do direito de personalidade de um ser. 12. A afetividade enquanto critério, por sua vez, gozava de aplicação por doutrina e jurisprudência desde o Código Civil de 1916 para evitar situações de extrema injustiça, reconhecendo-se a posse do estado de filho, e consequentemente o vínculo parental, em favor daquele utilizasse o nome da família (nominatio), fosse tratado como filho pelo pai (tractatio) e gozasse do reconhecimento da sua condição de descendente pela comunidade (reputatio). 13. A paternidade responsável, enunciada expressamente no art. 226 , § 7º , da Constituição , na perspectiva da dignidade humana e da busca pela felicidade, impõe o acolhimento, no espectro legal, tanto dos vínculos de filiação construídos pela relação afetiva entre os envolvidos, quanto daqueles originados da ascendência biológica, sem que seja necessário decidir entre um ou outro vínculo quando o melhor interesse do descendente for o reconhecimento jurídico de ambos. 14. A pluriparentalidade, no Direito Comparado, pode ser exemplificada pelo conceito de “dupla paternidade” (dual paternity), construído pela Suprema Corte do Estado da Louisiana, EUA, desde a década de 1980 para atender, ao mesmo tempo, ao melhor interesse da criança e ao direito do genitor à declaração da paternidade. Doutrina. 15. Os arranjos familiares alheios à regulação estatal, por omissão, não podem restar ao desabrigo da proteção a situações de pluriparentalidade, por isso que merecem tutela jurídica concomitante, para todos os fins de direito, os vínculos parentais de origem afetiva e biológica, a fim de prover a mais completa e adequada tutela aos sujeitos envolvidos, ante os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e da paternidade responsável (art. 226, § 7º). 16. Recurso Extraordinário a que se nega provimento, fixando-se a seguinte tese jurídica para aplicação a casos semelhantes: “A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios”.
Encontrado em: REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA NO ARE 692186 RG. - Acórdão (s) citado (s): (DIREITO À BUSCA DA FELICIDADE) ADPF 132 (TP), RE 477554 AgR (2ªT).
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ART. 543-B DO CPC . REPERCUSSÃO GERAL. ART. 5º , XL , DA CONSTITUIÇÃO . ESTATUTO DO DESARMAMENTO (LEI Nº 10.826 /03). CRIME DE POSSE DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO. PRAZO PARA REGULARIZAÇÃO. MEDIDA PROVISÓRIA Nº 417 /2008. NATUREZA JURÍDICA. APLICABILIDADE AOS FATOS PRATICADOS NO PERÍODO EM QUE VEDADO O REGISTRO DA ARMA DE FOGO. ABOLITIO CRIMINIS TEMPORÁRIA. NÃO CONFIGURAÇÃO. IRRETROATIVIDADE. PRECEDENTES. RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO. 1. O Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826 /03) favoreceu os possuidores e proprietários de arma de fogo com duas medidas: (i) permitiu o registro da arma de fogo (art. 30) ou a sua renovação (art. 5º, § 3º); e (ii) facultou a entrega espontânea da arma de fogo à autoridade competente (art. 32). 2. A sucessão legislativa prorrogou diversas vezes o prazo para as referidas medidas, a saber: (i) o Estatuto do Desarmamento , cuja publicação ocorreu em 23 de dezembro de 2003, permitiu aos proprietários e possuidores de armas de fogo tanto a solicitação do registro quanto a entrega das armas no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, após a publicação do diploma; (ii) após a edição das leis 10.884 /2004, 11.119 /2005 e 11.191 /2005, o prazo final para solicitação do registro de arma de fogo foi prorrogado para 23 de junho de 2005, enquanto o termo final para entrega das armas foi fixado em 23 de outubro de 2005; (iii) a Medida Provisória nº 417 (convertida, posteriormente, na Lei nº 11.706 /08), cuja publicação ocorreu em 31 de janeiro de 2008, alargou o prazo para registro da arma de fogo até a data de 31 de dezembro de 2008, bem como permitiu, sine die, a entrega espontânea da arma de fogo como causa de extinção da punibilidade; (iv) por fim, a Lei nº 11.922 /2009, cuja vigência se deu a partir de 14 de abril de 2009, tornou a prolongar o prazo para registro, até 31 de dezembro de 2009. 3. A construção jurisprudencial e doutrinária, conquanto inexistente previsão explícita de abolitio criminis, ou mesmo de que a eficácia do delito previsto no art. 12 do Estatuto do Desarmamento estaria suspensa temporariamente, formou-se no sentido de que, durante o prazo assinalado em lei, haveria presunção de que o possuidor de arma de fogo irregular providenciaria a normalização do seu registro (art. 30). 4. O art. 12 do Estatuto do Desarmamento , que prevê o crime de posse de arma de fogo de uso permitido, passou a ter plena vigência ao encerrar-se o interstício no qual o legislador permitiu a regularização das armas (até 23 de junho de 2005, conforme disposto na Medida Provisória nº 253 , convertida na Lei nº 11.191 /2005), mas a Medida Provisória nº 417 , em 31 de janeiro de 2008, reabriu o prazo para regularização até 31 de dezembro do mesmo ano. 5. No caso sub judice, a vexata quaestio gira em torno da aplicabilidade retroativa da Medida Provisória nº 417 aos fatos anteriores a 31 de janeiro de 2008, à luz do art. 5º , XL , da Constituição , que consagra a retroatividade da lex mitior, cabendo idêntico questionamento sobre a retroeficácia da Lei nº 11.922 /2009 em relação aos fatos ocorridos entre 1º de janeiro de 2009 e 13 de abril do mesmo ano. 6. Consectariamente, é preciso definir se a novel legislação deve ser considerada abolitio criminis temporária do delito previsto no art. 12 da Lei nº 10.826 /03, caso em que impor-se-ia a sua eficácia retro-operante. 7. O possuidor de arma de fogo, no período em que vedada a regularização do registro desta, pratica conduta típica, ilícita e culpável, porquanto cogitável a atipicidade apenas quando possível presumir que o agente providenciaria em tempo hábil a referida regularização, à míngua de referência expressa, no Estatuto do Desarmamento e nas normas que o alteraram, da configuração de abolitio criminis. 8. A jurisprudência desta Corte é assente no sentido de que, verbis: “I - A vacatio legis de 180 dias prevista nos artigos 30 e 32 da Lei 10.826 /2003, com a redação conferida pela Lei 11.706 /2008, não tornou atípica a conduta de posse ilegal de arma de uso restrito. II – Assim, não há falar em abolitio criminis, pois a nova lei apenas estabeleceu um período de vacatio legis para que os possuidores de armas de fogo de uso permitido pudessem proceder à sua regularização ou à sua entrega mediante indenização. III – Ainda que assim não fosse, a referida vacatio legis não tem o condão de retroagir, justamente por conta de sua eficácia temporária” ( RHC 111637 , Relator (a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 05/06/2012). Em idêntico sentido: HC 96168 , Relator (a): Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 09/12/2008. 9. O Pretório Excelso, pelos mesmos fundamentos, também fixou entendimento pela irretroatividade do Estatuto do Desarmamento em relação aos delitos de posse de arma de fogo cometidos antes da sua vigência ( HC 98180 , Relator (a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 29/06/2010; HC 90995 , Relator (a): Min. MENEZES DIREITO, Primeira Turma, julgado em 12/02/2008). 10. In casu: (i) o Recorrido foi preso em flagrante, na data de 27 de dezembro de 2007, pela posse de arma de fogo e munição (um revólver Taurus, calibre 22, nº 97592, com seis munições intactas do mesmo calibre; uma cartucheira Rossi, calibre 28, nº 510619; um Rifle CBC, calibre 22, nº 00772; uma espingarda de fabricação caseira, sem marca visível; uma espingarda Henrique Laport, cano longo; uma espingarda de marca Rossi, calibre 36, nº 525854; nove cartuchos, sendo cinco de metal e cheios, calibre 28, e quatro de plástico, calibre 20, intactos), bem como por ocultar motocicletas com chassis adulterados; (ii) o ora Recorrido foi condenado, em primeira instância, à pena de 08 (oito) anos de reclusão pela prática dos crimes previstos no art. 12 da Lei nº 10.826 /03, no art. 180, §§ 1º e 2º, e no art. 311, ambos do Código Penal; (iii) o Tribunal de Justiça de Goiás reformou em parte a sentença para absolver o Recorrido das imputações do art. 12 da Lei nº 10.826 /03, com base no art. 386 , V , do CPP . 11. Ex positis, dou provimento ao Recurso Extraordinário do Ministério Público para restabelecer a sentença condenatória de primeira instância, ante a irretroatividade da norma inserida no art. 30 da Lei nº 10.826 /03 pela Medida Provisória nº 417 /2008, considerando penalmente típicas as condutas de posse de arma de fogo de uso permitido ocorridas após 23 de junho de 2005 e anteriores a 31 de janeiro de 2008.
Encontrado em: REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA NO ARE 674610 RG. - Acórdão (s) citado (s): (POSSE IRREGULAR DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO, VACATIO LEGIS, ESTATUTO DO DESARMAMENTO, AUSÊNCIA, "ABOLITIO CRIMINIS") RHC
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. ESTABILIDADE E PERMANÊNCIA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. ATIPICIDADE RECONHECIDA. 1. Nos termos da orientação desta Corte Superior, para a subsunção do comportamento ao tipo penal descrito no art. 35 da Lei n. 11.343 /2006, é imperiosa a demonstração concreta da estabilidade e da permanência da associação criminosa. Precedentes. 2. No caso, a condenação do réu pelo delito previsto no art. 35 da Lei n. 11.343 /2006 baseou-se na existência de processo anterior pela prática do crime de tráfico de entorpecentes. Diante desse cenário, a associação do paciente com outras pessoas e o vínculo estável e permanente com o corréu foram presumidos pelo Tribunal de Justiça. Embora já condenado pelo delito de tráfico de drogas, não ficou demonstrada, durante a instrução processual penal, a estabilidade e permanência da atividade ou a ligação com grupo criminoso. 3. Agravo regimental a que se nega provimento.
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. ESTELIONATO JUDICIAL. ATIPICIDADE RECONHECIDA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. O Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, e a Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade. 2. A conduta intitulada por estelionato judiciário é atípica, por ausência de previsão legal e diante do direito de ação previsto na Constituição Federal , desde que o Magistrado, durante o curso do processo tenha condições de acesso às informações que caracterizam a fraude, como no caso dos autos. Precedentes. 3. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para, reconhecendo a atipicidade da conduta de estelionato judicial, absolver a paciente nos autos da Ação Penal n. 5006974-96.2013.4.04.7102 .
PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO. ESTELIONATO JUDICIAL. ATIPICIDADE RECONHECIDA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. Esta Corte e o Supremo Tribunal Federal pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado. 2. O trancamento da ação penal por meio do habeas corpus é medida excepcional, que somente deve ser adotada quando houver inequívoca comprovação da atipicidade da conduta, da incidência de causa de extinção da punibilidade ou da ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito. 3.O estelionato judicial consiste no uso do processo judicial para auferir lucros ou vantagens indevidas, mediante fraude, ardil ou engodo, ludibriando a Justiça, com ciência da inidoneidade da demanda. Percebe-se que a leitura das elementares do art. 171 , caput, do Código Penal deve estar em consonância com a garantia constitucional da inafastabilidade jurisdicional ( CF , art. 5º , XXXV ), do que decorre o entendimento segundo o qual o direito de ação é subjetivo e público e abstrato, em relação ao direito material. Desse modo, verifica-se atipicidade penal da conduta de invocar causa de pedir remota inexistente para alcançar consequências jurídicas pretendidas, mesmo que a parte ou seu procurador tenham ciência da ilegitimidade da demanda. 4. Em verdade, a conduta constitui infração civil aos deveres processuais das partes, nos termos do art. 77 , II , do Código de Processo Civil , e pode sujeitar a parte ao pagamento de multa e indenizar a parte contrária pelos danos processuais, consoante arts. 79 , 80 e 81 do Código de Processo Civil ilícito processual. Outrossim, conforme art. 34 , XIV , da Lei n. 8.906 /1994, verifica-se infração profissional do advogado deturpar a situação fática com o objetivo de iludir o juízo. Conclui-se, pois, que a conduta descrita não configura infração penal, mas meramente civil e administrativa, sujeita à punição correlata. 5. Em princípio, os meios de induzir a erro o julgador podem ensejar a subordinação típica a crimes autônomos. Cite-se, exemplificativamente, a hipótese do advogado valer-se de testemunha ou de qualquer auxiliar da justiça para falsear a verdade processual, na forma dos arts. 343 ou 344; produzir ou oferecer documento falso, material ou ideologicamente ( CP , arts. 297 e 304 do CP ). No processo, há produção de provas e condução pelo juiz, de forma que, se prejuízo houver, advirá da sentença e não da atitude de qualquer das partes. Pode-se até falar em erro judiciário, porém não em estelionato judiciário, o que enseja, inclusive a possibilidade de ajuizamento de ação rescisória, com fundamento no art. 966 , VI e VII , do Código de Processo Civil . 6. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para que seja trancado o processo penal em questão, diante da atipicidade da conduta imputada ao paciente.
PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO. TENTATIVA DE ESTELIONATO JUDICIAL. ABSOLVIÇÃO. ATIPICIDADE RECONHECIDA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. Esta Corte e o Supremo Tribunal Federal pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado. 2. O habeas corpus não se presta para a apreciação de alegações que buscam a absolvição do paciente, em virtude da necessidade de revolvimento do conjunto fático-probatório, o que é inviável na via eleita. 3. O estelionato judicial consiste no uso do processo judicial para auferir lucros ou vantagens indevidas, mediante fraude, ardil ou engodo, ludibriando a Justiça, com ciência da inidoneidade da demanda. Percebe-se que a leitura das elementares do art. 171 , caput, do Código Penal deve estar em consonância com a garantia constitucional da inafastabilidade jurisdicional ( CF , art. 5º , XXXV ), do que decorre o entendimento segundo o qual o direito de ação é subjetivo público e abstrato, em relação ao direito material. Desse modo, verifica-se atipicidade penal da conduta de invocar causa de pedir remota inexistente para alcançar consequências jurídicas pretendidas, mesmo que a parte ou seu procurador tenham ciência da ilegitimidade da demanda. 4. A conduta constitui infração civil aos deveres processuais das partes, nos termos do art. 77 , II , do Código de Processo Civil , e pode sujeitar a parte ao pagamento de multa e indenizar a parte contrária pelos danos processuais, consoante arts. 79 , 80 e 81 do Código de Processo Civil ilícito processual. Outrossim, conforme art. 34 , XIV , da Lei n. 8.906 /1994, verifica-se infração profissional do advogado deturpar a situação fática com o objetivo de iludir o juízo. Conclui-se, pois, que a conduta descrita não configura infração penal, mas meramente civil e administrativa, sujeita à punição correlata. 5. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para absolver a paciente quanto ao delito de estelionato tentado ( Ação Penal n. 023634-39.2011.8.26.0196 ).
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PENAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ART. 2.º , INCISO II , DA LEI N. 8.137 /90. NÃO RECOLHIMENTO DE ICMS. TIPICIDADE DA CONDUTA. NECESSÁRIO COMPROVAR TAMBÉM A CONTUMÁCIA. ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PLASMADO NO RHC N. 16.334/SC. CONDUTA QUE SE RESTRINGIU AO NÃO RECOLHIMENTO DO ICMS RELATIVO A TRÊS MESES. ATIPICIDADE RECONHECIDA. PRECEDENTES DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, DESPROVIDO. 1. A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do HC n. 399.109/SC , pacificou o entendimento de que o não recolhimento do ICMS em operações próprias é fato típico. 2. O Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do RHC n. 163.334/SC, cujo acórdão ainda está pendente de publicação, fixou a seguinte tese jurídica: "O contribuinte que, de forma contumaz e com dolo de apropriação, deixa de recolher o ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço incide no tipo penal do art. 2º , II , da Lei nº 8.137 /1990". 3. Na hipótese dos autos, conquanto os fatos atribuídos ao ora Agravado, a princípio, se subsumam à figura penal do art. 2º , II , da Lei n. 8.137 /1990, a ausência de contumácia - o débito com o fisco se refere a tão-somente 3 (três) meses - conduz ao reconhecimento da atipicidade das condutas e, por conseguinte, à absolvição. Precedentes do STJ. 4. "É incabível a análise, em agravo regimental, de matéria que não constou das contrarrazões ao recurso especial, por se tratar de indevida inovação recursal (ut, AgRg no REsp 1505446/GO , Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, DJe 18/03/2021)." ( AgRg no REsp 1.931.220/PR , Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 08/06/2021, DJe 14/06/2021.) 5. Agravo regimental parcialmente conhecido e, nessa extensão, desprovido.
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. FURTO SIMPLES. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. ATIPICIDADE MATERIAL RECONHECIDA PELO STF. ABSOLVIÇÃO. EMBARGOS PREJUDICADOS. 1. Hipótese em que a insignificância da conduta restou reconhecida pelo STF, no julgamento do Ag. reg. no Habeas Corpus nº 214876 (Sessão Virtual de 20.5.2022 a 27.5.2022), em que foi concedida a ordem para absolver o agravante, razão pela qual, face à perda do objeto, encontram-se prejudicados os presentes embargos de declaração. 2. Embargos de declaração prejudicados.
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM HABEAS CORPUS. ESTELIONATO JUDICIAL. ATIPICIDADE RECONHECIDA. FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PARTICULAR. PRETENSÃO DE ABSORÇÃO DO FALSO PELO ESTELIONATO. CRIME ANTECEDENTE INEXISTENTE. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO IMPROVIDO. 1. Afastada a imputação relativa ao crime de estelionato judiciário, tendo em vista a falta de previsão legal para tanto, assim como em razão da disposição constitucional que assegura à parte o acesso ao Poder Judiciário, persiste válida a imputação referente à falsificação de documento particular, haja vista que o paciente, na qualidade de advogado, propôs ação de responsabilidade civil por danos morais e materiais em nome de terceira pessoa contra o Banco intitulado, utilizando-se de procuração com assinatura falsa. 2. Inexistente como figura penal típica a conduta de induzir em erro o Poder Judiciário a fim de obter vantagem ilícita, não há se falar em absorção de uma conduta típica (falso) por outra que sequer é prevista legalmente (estelionato judiciário). 3. Agravo regimental improvido.
PENAL. PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. MANUTENÇÃO DE DEPÓSITOS NÃO DECLARADOS NO EXTERIOR. ART. 22 , PARÁGRAFO ÚNICO , SEGUNDA PARTE, DA LEI 7.492 /1986. SALDOS RELEVANTES AO FINAL DO ANO-BASE. NÃO EXISTÊNCIA DE IMPUTAÇÃO OU PROVA. ATIPICIDADE DA CONDUTA. AUSÊNCIA DE PROVA DA MATERIALIDADE. ATIPICIDADE RECONHECIDA. ORDEM CONCEDIDA. 1. Embora exigida a informação de patrimônio no exterior desde o Decreto-lei nº 1.060, de 21/10/1969 (ao BACEN, na forma, limites e condições estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional), a tipificação criminal deu-se no art. 22, parágrafo único, 2ª parte, da Lei nº 7.492 /86 (mantiver depósitos não declarados à repartição federal competente) e teve delimitação fixada apenas na Circular nº 3.071/2001 - BACEN: obrigação de declarar ao BACEN saldo bancário superior a dez mil reais no dia 31 de dezembro do ano-base (hoje mais de cem mil dólares americanos). 2. Definindo o Estado a quem declarar e quando necessário declarar, não se verifica o crime fora dos limites exigidos pelo próprio estado controlador (das reservas cambiais do país) e arrecadador (pela imposição fiscal). 3. A Circular nº 3.071/2001 - BACEN é norma de complemento e de interpretação autêntica ao crime de evasão de divisas, impedindo persecução penal por fatos outros, mesmo relevantes (como a movimentação vultosa de valores durante o ano) ou por omissões administrativas outras (como a não informação na declaração de rendimentos para imposto de renda). 4. Sendo incontroversa a situação de não imputação e de nenhuma prova do saldo bancário ao final de cada ano-base (31 de dezembro dos anos de 1997 a 2003) em valores superiores àqueles previstos nos normativos do Banco Central, não há como reconhecer violação ao dever legal de declarar patrimônio no exterior. Precedente da Ação Penal nº 470/STF. 5. Ordem concedida para trancar a ação penal por atipicidade da conduta imputada aos pacientes.