AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2018. PRESIDENTE E VICE–PRESIDENTE DA REPÚBLICA. ABUSO DE PODER ECONÔMICO. USO INDEVIDO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO. WHATSAPP. DISPARO DE MENSAGENS EM MASSA. NOTÍCIAS FALSAS (FAKE NEWS). MATÉRIA JORNALÍSTICA. PRELIMINARES. REJEIÇÃO. ACUSAÇÃO AMPARADA EM CONJECTURAS. AUSÊNCIA DE PROVAS SEGURAS A VINCULAR A CAMPANHA ELEITORAL AOS SUPOSTOS DISPAROS. IMPROCEDÊNCIA. 1. Os representados são acusados de (i) contratarem empresas especializadas em marketing digital para procederem ao disparo de mensagens com conteúdo falso via WhatsApp contra os oponentes da chapa de Jair Bolsonaro nas eleições 2018, em especial os candidatos do PT e do PDT; (ii) utilizarem indevidamente base de dados de usuários fornecida por empresas de estratégia digital; (iii) realizarem e receberem doação de pessoa jurídica e (iv) utilizarem valores acima do limite máximo permitido para gastos nas eleições.LITISPENDÊNCIA. REUNIÃO DAS AIJEs PARA INSTRUÇÃO E JULGAMENTO CONJUNTOS EM VIRTUDE DA CONEXÃO. INÉPCIA DA INICIAL. PRELIMINARES AFASTADAS. 2. O TSE já assentou não haver litispendência entre ações eleitorais as quais, conquanto calcadas em hipóteses similares, não possuem as mesmas partes, causa de pedir e pedido. (AIJE nº 060175489/DF, Relator Ministro Jorge Mussi, DJe 20.3.2019; AI em AgR nº 513/PI, Relator Ministro Luiz Fux, DJe de 14.9.2016) 3. Há de se cuidar para que o reconhecimento da litispendência com fundamento na relação jurídica–base não alije da discussão qualquer dos legitimados ativos para a propositura da lide. No caso dos autos, guiar–se por tal critério implicaria excluir dos debates coligação diretamente interessada no deslinde da lide.4. Ainda que se ancorem em um mesmo fato essencial e pretendam a cassação da chapa vencedora, com a declaração de sua inelegibilidade, não há falar em litispendência entre as AIJEs nºs XXXXX–28 e XXXXX–05, pois as partes são distintas e não há repetição de ação que já esteja em curso.5. Por outro lado, na forma do art. 55 do CPC , o fenômeno da conexão nasce da identidade de causas de pedir e/ou pedidos e tem como efeito a reunião das ações para julgamento conjunto. A conexão é causa, enquanto a reunião é consequência. Em essência, a ratio subjacente do instituto da conexão é a preservação da harmonia dos julgados, sendo possível falar também em objetivo de promoção da economia processual.6. Não é porque se cogita de conexão que dois ou mais processos necessariamente deverão ser instruídos e julgados em conjunto. Desde que estejam assegurados os já indicados valores da harmonia entre os julgados e da economia processual, a incidência do efeito da reunião de processos consubstancia escolha do magistrado, o qual, observando os requisitos legais, deverá analisar a oportunidade e a conveniência de fazê–lo. Precedentes.7. No caso dos autos, considerados (i) a quantidade de réus que a reunião dos processos envolveria, (ii) os diferentes estágios processuais das quatro AIJEs e (iii) as diligências probatórias e suas implicações ainda pendentes em dois dos autos, a tramitação e a apreciação em bloco gerariam tumulto processual significativo, atrasando sobremaneira o desfecho das ações, sobretudo daquelas que já se encontram maduras para julgamento, como é o caso em exame.8. Em que pese a regra geral do art. 96–B da Lei nº 9.504 /97 disponha que serão reunidas para julgamento comum as ações eleitorais propostas por partes diversas sobre o mesmo fato, o dispositivo comporta interpretação, e, no caso concreto, a celeridade, a organicidade dos julgamentos, o bom andamento da marcha processual e o relevante interesse público envolvido recomendam seja mantida a separação. Precedentes.9. A inobservância da regra do art. 96–B da Lei nº 9.504 /97 não leva, por si só, à invalidação das decisões judiciais. O TSE possui precedentes no sentido de que, embora sempre que possível, ações eleitorais que tratem de fatos idênticos ou similares devam ser reunidas e julgadas em conjunto, tal reunião não é obrigatória. ( AI nº 28.353/RJ , Relator Ministro Luís Roberto Barroso, DJe 31.5.2019; RO nº 2188 –47/ES, Relator Ministro Tarcísio Vieira de Carvalho Neto, DJe 18.5.2018).10. No caso em exame, além de inconveniente para o bom andamento processual, o julgamento separado de maneira alguma gera risco de decisões conflitantes, tendo em vista estarem todas as ações submetidas à relatoria do mesmo Corregedor–Geral e ao julgamento pelo Plenário do TSE, os quais possuem visão global dos fatos submetidos à apreciação e indubitavelmente garantirão a escorreita prestação da jurisdição, assegurando a coerência e a unicidades dos julgamentos. Tramitação e julgamento que se mantêm separados em homenagem à celeridade e à eficiência da prestação jurisdicional.11. Quanto à alegação de inépcia da inicial, a peça vestibular é apta se descreve os fatos e os fundamentos do pedido e possibilita à parte representada o efetivo exercício do direito de defesa e do contraditório.12. Assim, para que se dê início à ação de investigação judicial eleitoral, é suficiente a apresentação ou a relação de evidências, ainda que indiciárias, da ocorrência do ilícito, conforme se extrai da dicção do art. 22 , caput, da Lei Complementar nº 64 /1990, porquanto a produção de provas pode se fazer no curso da instrução processual.PEDIDO DE REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROBATÓRIA. PROVA TESTEMUNHAL. DEPOIMENTO PESSOAL. REQUISIÇÃO DE DOCUMENTOS PROTEGIDOS POR SIGILO. PLEITOS NEGADOS.13. Oitiva de empresário espanhol e remessa de entrevista feita pelo mesmo ao periódico Folha de São Paulo. Prova que se indefere pois (i) o próprio empresário desmentiu a denúncia, (ii) e ainda que mantivesse a sua versão anterior, a sua oitiva não teria relevância no caso concreto, eis que estaria absolutamente isolada, o que ensejaria a aplicação do art. 368–A do CE, que veda a condenação em ações que levam à perda do mandato, com base em prova testemunhal singular e exclusiva.14. Prova testemunhal. Na forma do art. 447 , § 3º , inciso II , são suspeitos e não podem servir como testemunhas aqueles que possuam interesse direto no desfecho da lide.15. Na forma do art. 447 , § 5º , do CPC , os proprietários das empresas de marketing somente poderiam ser ouvidos como informantes, o que não geraria proveito útil no caso dos autos. Adicionalmente, não foram coligidos elementos concretos e robustos a vincularem as empresas de publicidade citadas às práticas que se apuram nos autos, pelo que se descarta o pedido de produção de prova.16. Depoimento pessoal. Ante a falta de previsão na Lei Complementar nº 64 /1990 e o caráter indisponível dos interesses envolvidos, não há depoimento pessoal dos investigados em AIJE. Jurisprudência pacífica do TSE ( AI n. 28918/SC , relator Ministro Og Fernandes, DJe de 25.2.2019; AIJE n. XXXXX–89/DF, relator Ministro Jorge Mussi, DJe de 13.12.2018; AIJE n. XXXXX–58/DF, relator Ministro Jorge Mussi, DJe de 12.12.2018; AgR– RMS n. 2641/RN ).17. Requisição dos relatórios contábeis, notas fiscais, contratos, relação de clientes e demais documentos aptos a demonstrar as relações jurídicas entabuladas durante o período eleitoral pelos réus e pelas empresas de publicidade suspeitas de terem realizado os disparos.18. É pacífico que o afastamento de qualquer tipo de sigilo requer fundamentos idôneos, pertinência temática, limitação temporal e absoluta imprescindibilidade da medida, além da inexistência de outros meios de obtenção da prova. Precedentes.19. Não se consideram fundamento idôneo, para fins de justificar a requisição de documentos e/ou quebra de sigilos protegidos constitucionalmente, matérias jornalísticas publicadas em veículos de comunicação. (TSE, AIJE nº 060196965/DF, Relator Ministro Jorge Mussi, DJe 8.5.2020; STF, Pet–AgR nº 2.805/DF, Tribunal Pleno, Relator Ministro Nelson Jobim, DJ 27.2.2004) 20. O conjunto probatório produzido descortinou–se deveras frágil, não tendo a coligação representante trazido aos autos uma única prova da existência das mensagens com conteúdo falso. A autora também não foi capaz de demonstrar, sequer de forma inicial, a existência de relação jurídica entre a campanha de Jair Bolsonaro ou apoiadores desse último e as empresas de publicidade que teriam realizado os disparos em massa.21. A constatação pela empresa WhatsApp de que, num universo de mais de 600 (seiscentas) contas vinculadas às empresas de marketing indicadas na inicial, três linhas telefônicas, de propriedade de duas pessoas jurídicas e uma física apontadas na exordial, tiveram "comportamento anormal indicativo do envio automatizado de mensagens em massa" e de "suspeita de spam" durante o mês de outubro de 2018, sendo banidas pela empresa em razão de afronta a seus "Termos de Serviço", não configura fato novo a se traduzir como "indícios suficientes" e "fundadas suspeitas" da ocorrência dos ilícitos imputados aos representados.22. Não obstante, as empresas em questão oferecem serviços de publicidade de toda sorte a todo tipo de clientes e não há nada que evidencie, de forma razoavelmente segura, que os disparos detectados consistiam, efetivamente, em propaganda eleitoral irregular. Inexiste nos autos elemento apto a comprovar, ainda de que de forma inicial, ter ocorrido a contratação dos serviços de envio em massa de mensagens e o dado novo fornecido pela WhatsApp INC. consiste unicamente na confirmação de que algumas das empresas sob investigação efetivamente procederam ao disparo maciço e automatizado de mensagens cujo conteúdo se desconhece no mês de outubro de 2018.23. A par disso, a acusação central desta lide – a existência e distribuição de mensagens com conteúdo falso – não é passível de ser averiguada ou demonstrada pela documentação cuja juntada se pretende, a qual é apta tão somente a comprovar a existência de eventuais relações jurídicas entre os representados e as empresas de marketing. Continuariam faltando os elementos mais imprescindíveis para a procedência da presente AIJE: o conteúdo das mensagens e a comprovação do efetivo disparo delas, com potencial de gravidade para o resultado do pleito.24. Assim, dada a fragilidade dos argumentos e do conjunto probatório colacionados aos autos, o não preenchimento dos pressupostos para a quebra de sigilo constitucionais e a imprestabilidade dos documentos requeridos para a comprovação das acusações veiculadas na peça inaugural, nega–se o requerimento de entrega da documentação solicitada.MÉRITO. ART. 22, CAPUT E INCISOS, DA LC Nº 64 /1990. ABUSO DE PODER. REQUISITOS. ART. 373 DO CPC . NÃO APRESENTAÇÃO DE PROVAS SUFICIENTES PARA A COMPROVAÇÃO DAS IMPUTAÇÕES. NÃO DEMONSTRAÇÃO DA MATERIALIDADE DO ILÍCITO E DE SUA GRAVIDADE.25. No mérito, é sabido que para se caracterizar o abuso de poder, impõe–se a comprovação, de forma segura, da gravidade dos fatos imputados, demonstrada a partir da verificação do alto grau de reprovabilidade da conduta (aspecto qualitativo) e de sua significativa repercussão a fim de influenciar o equilíbrio da disputa eleitoral (aspecto quantitativo). A mensuração dos reflexos eleitorais da conduta, não obstante deva continuar a ser ponderada pelo julgador, não constitui mais fator determinante para a ocorrência do abuso de poder, agora revelado, substancialmente, pelo desvalor do comportamento.26. O abuso do poder econômico, por sua vez, caracteriza–se pelo emprego desproporcional de recursos patrimoniais (públicos ou privados), com gravidade suficiente para afetar o equilíbrio entre os candidatos e macular a legitimidade da disputa.27. Contratação de empresas especializadas em marketing digital para disparo de mensagens contra opositores. Não comprovação da existência das mensagens, bem como de seu disparo. Ausência de documentos e/ou outros elementos que demonstrem a contratação. A denúncia jornalística não basta para revelar a ocorrência de ilícito eleitoral, sendo necessária a apresentação de elementos concretos que respaldem a acusação.28. Utilização de base de dados de usuários fornecida por empresas de estratégia digital. Não demonstração. Acusação amparada em meras conjecturas. Inexiste nos autos qualquer elemento que demonstre, mesmo de forma inicial, a ocorrência de compra de base de dados de terceiros ou que evidencie que pessoas não inscritas para receber notícias da campanha de Jair Bolsonaro tenham sido alvo dos disparos em massa.29. Quando o enfoque é o cidadão eleitor, como protagonista do processo eleitoral e verdadeiro detentor do poder democrático, não devem ser, a princípio, impostas limitações senão aquelas que se referem à honra dos demais eleitores, dos próprios candidatos, dos partidos políticos e as relativas à veracidade das informações divulgadas. Precedentes.30. Doação não declarada de pessoa jurídica e utilização de valores acima do teto de gastos permitido. Imputação amparada em suposições, cuja ocorrência não se logrou evidenciar. Prestação de contas aprovadas.31. Emanando todo o poder do povo, compete à Justiça Eleitoral proteger a vontade popular, e não, substituí–la, razão pela qual a cassação de mandatos deve ser sempre precedida de minuciosas apuração e comprovação. Na verdade, sua incidência somente deverá ocorrer quando, dadas a gravidade e a lesividade das condutas, a legitimidade do pleito tenha sido tão afetada que outra solução menos gravosa não teria o condão de restabelecê–la.32. A coligação representante não se desincumbiu do ônus processual imposto pelo art. 373 do CPC de apresentar provas que comprovem suas acusações.33. Na linha da causa de pedir eleita pela parte autora, o exercício do ônus probatório deve guardar relação com as imputações constantes da inicial, sendo que as provas requeridas e indeferidas ao longo da lide, não se prestam – de forma útil – ao desvelamento dos fatos narrados e que compõem a causa de pedir. Não há que se falar em cerceamento de defesa.34. Remansosa jurisprudência desta Corte no sentido de que "o indeferimento de provas não enseja o alegado cerceamento de defesa quando o magistrado, motivadamente, entende desnecessária sua produção. Precedentes." (TSE, Agravo de Instrumento nº 74611 , Relator Ministro Alexandre de Moraes, DJE, 10/12/2020; TSE, Recurso Especial Eleitoral nº 142269, Relator Ministro João Otávio de Noronha, Publicação: DJE, 20/03/2015, p.p. 60/61).35. Imperioso o distinguishing quanto ao assentado no julgamento da AIJE XXXXX–44 (FACEBOOK), no qual o Colegiado autorizou a dilação probatória. É que naquela ocasião, entendeu a maioria dos Ministros que havia necessidade específica de produção probatória para a identificação dos autores da conduta, o que, obviamente, possui relação com os fatos da causa que compõem a causa de pedir.36. Inexistente demonstração efetiva da materialidade do ilícito e de sua gravidade, não há que se perquirir acerca de eventuais reflexos eleitorais. Não sendo possível constatar a prática de conduta grave o suficiente para turbar a legitimidade, a normalidade e a paridade de armas das eleições, fica afastada a ocorrência do abuso de poder, o que, por sua vez, conduz à rejeição dos pedidos de cassação do mandato e declaração de inelegibilidade.PEDIDO DE ANULAÇÃO DA VOTAÇÃO COM SUPEDÂNEO NOS ARTS. 222 E 237 DO CÓDIGO ELEITORAL .37. Inoportuna a análise do pedido alternativo, porquanto a anulação da votação seria consequência automática da procedência da ação por abuso de poder.38. Na espécie, não haveria como precisar o espectro de eleitores que foram, de fato, atingidos pela suposta propaganda eleitoral negativa. A cassação de um mandato requer a demonstração evidente do ilícito e de sua repercussão e/ou alcance, pois meras ilações não autorizam a mencionada sanção. Nesse sentido, o acervo probatório não permite aferir quantitativamente a influência das mensagens enviadas por WhatsApp sobre a vontade do eleitor.PEDIDOS DE CONDENAÇÃO POR LITIGÂNCIA DE MÁ–FÉ E DE INVESTIGAÇÃO POR INCURSÃO NO TIPO PENAL PREVISTO NO ART. 25 DA LC Nº 64 /1990.39. O ajuizamento de ação de investigação judicial eleitoral com base apenas em elementos indiciários ou prova pouca robusta não basta, por si só, para condenação por litigância de má–fé e/ou configuração do crime previsto no art. 25 da LC nº 64 /1990, tendo em vista a necessária comprovação da intenção de alterar a verdade dos fatos, da deslealdade e do abuso de direito.CONCLUSÃO40. Ação de Investigação Judicial Eleitoral que, rejeitadas as preliminares, julga–se improcedente.