TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO TURMA RECURSAL DE FAZENDA PÚBLICA PROCESSO No. XXXXX-81.2015.8.19.0001 RECORRENTE: ALBERTINA THEREZA PACHECO RODRIGUES RECORRIDO: MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO PROCESSO CIVIL. Teoria da Causa Madura. Concurso Público. Competência do JEFAZ. CONHECIMENTO E PROVIMENTO DO RECURSO. Trata-se de ação pelo rito especial da Lei n. 12.153 /09 em que a parte autora requereu a declaração de nulidade do ato que a considerou inapta na inspeção de saúde, assegurando sua participação definitiva nas demais fases do certame, incluindo nomeação, posse e exercício. Em sentença, o Juízo monocrático julgou extinto o processo, em razão da incompetência do JEFAZ para julgar processos que necessitem de prova pericial. Inconformada, a parte autora interpôs o presente recurso inominado. É o breve relatório. Voto. O recurso é tempestivo e estão presentes os demais requisitos de admissibilidade. Entendo que assiste parcial razão à Recorrente. Aplicando-se a Teoria da Causa Madura, estando o processo devidamente instruído, a matéria deve ser decidida pela Turma Recursal, não se denotando razoável o retorno à primeira instância, em prestígio aos princípios da economia e da celeridade processual. In casu, a Autora prestou concurso público para o cargo de professor do quadro permanente do Município do Rio de Janeiro, tendo sido considerada inapta nos exames médicos porquanto não gozar de boa saúde, uma vez que se encontrava em tratamento de neoplasia maligna na mama direita com menos de 5 anos de evolução, conforme documento de fls. 83/85. De fato, tanto o edital do concurso quanto a Lei Municipal nº 94 /79 informam que constitui requisito para a posse do candidato estar ele gozando de boa saúde, restando ao administrador público, em obediência aos princípios constitucionais da proporcionalidade e razoabilidade, a aplicação da referida regra. Com efeito, os critérios de seleção para qualquer cargo público devem observar, entre outros, os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, de modo a assegurar o pleno acesso àqueles que estejam em efetivas condições de exercer o cargo pretendido (artigo 37 , I e II da Constituição da Republica ). In casu, em que pese a existência de referida previsão editalícia e legal, forçoso concluir que o ato administrativo de eliminação da candidata, sob grifo de não gozar de boa saúde em razão da falta do decurso do tempo de cinco anos necessário ao reconhecimento da cura, não observou os princípios constitucionais acima elencados, ferindo o direito da candidata de acesso a cargo público para o qual foi aprovada e convocada para os exames finais de admissão (artigo 37 , incisos I e II , da Constituição da Republica ). Isso porque a Autora apresentou laudo médico (fls. 18) atestando, além de plena aptidão para o exercício da função, bom prognóstico e excelente chance de cura para a sua doença, bem como atesta que não ocorreu nenhuma perda apreciável em relação à capacidade funcional do membro superior direito, homolateral à mama operada. Em situações análogas, a jurisprudência desta Corte, ratificada pelo Supremo Tribunal Federal, e do Superior Tribunal de Justiça, tem se inclinado no sentido de que a eliminação no concurso, em exame admissional de saúde, deve ser baseada em impossibilidade concreta e permanente para o exercício do cargo e não em mera especulação de possibilidade de retorno da doença. Em hipótese praticamente idêntica à dos autos, veja-se a decisão proferida por esta Corte, posteriormente ratificada pelo E. Supremo Tribunal Federal: APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE. CARGO DE AGENTE AUXILIAR DE CRECHE. CANDIDATA PORTADORA DE NEOPLASIA DE MAMA. REPROVAÇÃO NO EXAME ADMISSIONAL. FALTA DE RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. Demanda objetivando a anulação do ato administrativo que considerou a Autora inapta para o exercício do Cargo de Auxiliar de Creche e a determinação de sua nomeação e posse retroativa. Sentença de improcedência. Autora que foi considerada inapta no exame admissional por ter tido câncer de mama e não terem transcorrido os 05 (cincos) anos de seu tratamento e cirurgia, o que seria necessário para que se considerar que houve a cura da doença. Falta de razoabilidade e de proporcionalidade em se exigir o decurso do prazo de 05 (cinco) anos, se o candidato tem laudo apontando a cura da doença e atestando seu bom estado de saúde e se inexistia qualquer impedimento físico para o exercício das funções inerentes ao cargo. A jurisprudência desta Corte e do Superior Tribunal de Justiça tem se inclinado no sentido de que a eliminação no concurso, em exame admissional de saúde, deve ser baseada em impossibilidade concreta e permanente para o exercício do cargo e não mera especulação de possibilidade de retorno da doença. Precedentes. Impossibilidade de retroação dos efeitos patrimoniais e funcionais à data em que a Autora teria tomado posse. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal. Recurso conhecido e parcialmente provido. ( XXXXX-86.2011.8.19.0001 - APELAÇÃO - Des. LÚCIO DURANTE - Julgamento: 19/05/2015 - DÉCIMA NONA CÂMARA CÍVEL) Como anteriormente registrado, o Acórdão referente à ementa acima transcrita foi ratificado pelo E. Supremo Tribunal Federal através da seguinte decisão: "Trata-se de agravo cujo objeto é a decisão que não admitiu recurso extraordinário interposto em face do acórdão da 19ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, assim ementado (eDOC 9): 'APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE. CARGO DE AGENTE AUXILIAR DE CRECHE. CANDIDATA PORTADORA DE NEOPLASIA DE MAMA. REPROVAÇÃO NO EXAME ADMISSIONAL. FALTA DE RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. Demanda objetivando a anulação do ato administrativo que considerou a Autora inapta para o exercício do Cargo de Auxiliar de Creche e a determinação de sua nomeação e posse retroativa. Sentença de improcedência. Autora que foi considerada inapta no exame admissional por ter tido câncer de mama e não terem transcorrido os 05 (cincos) anos de seu tratamento e cirurgia, o que seria necessário para que se considerar que houve a cura da doença. Falta de razoabilidade e de proporcionalidade em se exigir o decurso do prazo de 05 (cinco) anos, se o candidato tem laudo apontando a cura da doença e atestando seu bom estado de saúde e se inexistia qualquer impedimento físico para o exercício das funções inerentes ao cargo. A jurisprudência desta Corte e do Superior Tribunal de Justiça tem se inclinado no sentido de que a eliminação no concurso, em exame admissional de saúde, deve ser baseada em impossibilidade concreta e permanente para o exercício do cargo e não mera especulação de possibilidade de retorno da doença. Precedentes. Impossibilidade de retroação dos efeitos patrimoniais e funcionais à data em que a Autora teria tomado posse. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal. Recurso conhecido e parcialmente provido.' Os embargos de declaração foram desprovidos (eDOC 1). No recurso extraordinário (eDOC 2), com fundamento no art. 102 , III , a , do permissivo constitucional, aponta-se ofensa aos arts. 2º e 37 , II , do Texto Constitucional . Sustenta-se, em síntese, o seguinte (eDOC 2, p. 7-8):"Ocorre que a Recorrida, em sede de exame médico-pericial para virtual admissão aos Quadros de Pessoal da Comuna, foi considerada inapta, por parecer de Médico-Perito, por apresentar neoplasia maligna e hipertensão arterial, incompatível com o exercício das funções inerentes ao mister de Agente Auxiliar de Creche. Em sede de reexame médico, uma Junta Médica de Reexame Admissional, concluiu, de forma unânime, que, de fato, a Autora apresentava quadro de inaptidão para o exercício do munus de Agente Auxiliar de Creche. Os pareceres dos experts levaram em conta o cruzamento entre as limitações impostas pelo estado de saúde da examinada e as atribuições do cargo público a ser exercido."Ressalta-se, ainda, a impossibilidade de o Poder Judiciário substituir a vontade administrativa. A Terceira Vice-Presidência do TJ/RJ inadmitiu o recurso extraordinário com base na Súmula 279 do STF (eDOC 4). É o relatório. Decido. A irresignação não merece prosperar. Quando do julgamento da apelação, o Tribunal de origem assentou que (eDOC 9, p. 6-7):"A Autora, ora Apelante, foi diagnosticada como portadora de neoplasia mamária (câncer de mama), mas pela análise das provas carreadas aos autos, em especial o laudo do médico do INCA, hospital especializado no tratamento do câncer, verifica-se que à época em que a Demandante se submeteu ao exame admissional do concurso, já havia sido realizada a mastectomia e o tratamento e se entendia que ela estava curada. Por outro lado, no exame admissional não foi constatada a incapacidade da Autora para o exercício das atividades inerentes ao cargo público, mas sim que ela não poderia ser considerada como "curada", pois ainda não havia transcorrido o prazo de 5 (cinco) anos para uma possível recidiva do câncer. Ora, tal entendimento viola flagrantemente os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, bem como fere o princípio da dignidade da pessoa humana, com assento constitucional, pois se está impedindo o acesso ao cargo público à candidata que conseguiu lograr êxitos nos exames, suplantar a concorrência, e que se vê, de forma súbita, eliminada do concurso por uma doença já tratada, sendo que na avaliação dos médicos ela já havia superado a doença e era tida como curada, apenas continuando como o uso de um bloqueador hormonal (tamoxifeno) como prevenção, conforme Relatório Médico de fls.28, Laudos de fls.24 e 25 e exame de fls.27 (anterior ao exame admissional). Temos, ainda, que, após a intervenção cirúrgica, no começo de 2008, e o ato administrativo que considerou a candidata inapta, foi realizada perícia (Laudo Pericial às fls.101/114), em 2013, a qual confirmou que a Autora goza de boa saúde, inexistindo metástases, nem qualquer sinal de câncer, embora tenha concluído a Perita que, à época do exame admissional, a Autora estaria inapta para o exercício do cargo, uma vez que não havia decorrido o prazo de 05 (cinco) anos, para que se pudesse atestar a cura. Ou seja, o fato é que a Autora já estava em bom estado de saúde na época em que realizou o exame admissional e assim continuou, pelo que nunca existiu impedimento para o exercício das funções do cargo de Auxiliar de Creche, para o qual foi aprovada, uma vez que o único empecilho alegado para a aprovação no exame admissional, na última perícia feita pela junta médica, foi o de ser a Autora portadora de neoplasia de mama, sem critérios de cura, sendo necessário aguardar 05 (cinco) anos de acompanhamento médico e laboratorial para se concluir pela cura efetiva, ou seja, até 2012. Embora seja requisito para ingressar no serviço público o bom estado de saúde, a aptidão física, é fácil ver que, no caso concreto, não agiu a Administração com acerto ao considerar a candidata inapta por doença anterior e já tratada, ressaltando-se que em perícia realizada em ação na qual postulava a Autora o restabelecimento do auxílio doença e sua conversão em aposentadoria por invalidez, a Demandante foi considerada apta a retornar ao trabalho, conforme consta da sentença acostada às fls.36/38."Desta forma, constata-se que eventual divergência ao entendimento adotado pelo juízo a quo acerca da possibilidade de investidura da Recorrente no cargo pleiteado demandaria o reexame de fatos e provas, o que inviabiliza o processamento do apelo extremo, tendo em conta o enunciado da Súmula 279 do STF. Neste sentido os seguintes precedentes: RE 902.292 AgR, Rel. Min Dias Toffoli, Segunda Turma, DJe 16.05.2016 e ARE 819.062 AgR, Rel. Min. Roberto Barroso, Primeira Turma, DJe 25.09.2015. Ante o exposto, nego provimento ao agravo, nos termos do 21, § 1º, RISTF. Publique-se. Brasília, 2 de agosto de 2016. Ministro Edson Fachin Relator Documento assinado digitalmente. ( ARE XXXXX , Relator (a): Min. EDSON FACHIN, julgado em 02/08/2016, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-169 DIVULG 10/08/2016 PUBLIC 12/08/2016) Nesse mesmo sentido, veja-se a Jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça: DIREITO ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. EXAME MÉDICO. EXCLUSÃO DE CANDIDATO DE FORMA DESMOTIVADA. NÃO-CABIMENTO. RECURSO PROVIDO. 1. É incabível a eliminação de candidato considerado inapto em exame médico em concurso público por motivos de ordens abstrata e genérica, situadas no campo da probabilidade. Impõe-se que o laudo pericial discorra especificamente sobre a incompatibilidade da patologia constatada com as atribuições do cargo público pretendido. 2. Recurso ordinário provido. ( RMS XXXXX/RO , Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 10/09/2009, DJe 13/10/2009) Isto posto, voto pelo provimento ao recurso, julgando procedente o pedido inicial, para declarar a nulidade do ato administrativo que considerou a Autora inapta, por motivo de saúde, no exame admissional, determinando-se que seja ela nomeada e investida no cargo de Professor II da Secretaria Municipal de Educação. Sem custas e honorários, em razão do provimento do recurso. Rio de Janeiro, 12 de junho de 2017. MIRELA ERBISTI Juíza Relatora 1