APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÕES CIVIS PÚBLICAS. PRETENSAO DE INTERRUPÇÃO DOS PROCESSOS ADMINISTRATIVOS DESTINADOS À TERCEIRIZAÇÃO DO SERVIÇO PÚBLICO DE SAÚDE NO ÂMBITO DO MUNICÍPIO DE ANGRA DOS REIS E QUE OS RÉUS SEJAM CONDENADOS A ADOTAR MEDIDAS ADMINISTRATIVAS PARA SUPRIR A CARÊNCIA DE PROFISSIONAIS DA SAÚDE NO MUNICÍPIO DE ANGRA DOS REIS, ESPECIALMENTE MEDIANTE A REALIZAÇÃO DE CONCURSO PÚBLICO, DE MODO A ATENDER À DEMANDA PERMANENTE DOS SERVIÇOS DE SAÚDE E EVITAR A CRIAÇÃO ARTIFICIAL DE SITUAÇÃO EMERGENCIAL QUE VENHA A ENSEJAR NOVAS CONTRATAÇÕES EMERGENCIAIS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. AUSÊNCIA DA SITUAÇÃO EMERGENCIAL TEMPORÁRIA ELENCADA PELA ADMINISTRAÇÃO PARA A CONTRATAÇÃO SEM A REALIZAÇÃO DE CONCURSO PÚBLICO. NECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DE CONCURSO PÚBLICO PARA ATENDER AS DEMANDAS PERMANENTES DA ÁREA DE SAÚDE DE ANGRA DOS REIS. REFORMA. 1. Cuidam-se de ações civis públicas ajuizadas pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro em face do Município de Angra dos Reis e da Fundação Hospital Geral de Japuíba, objetivando a imediata interrupção dos processos administrativos destinados à terceirização do serviço público de saúde no âmbito do referido Município (processo nº XXXXX-78.2017.8.19.0003 ), bem como que os réus sejam condenados a adotar medidas administrativas para suprir a carência de profissionais da saúde no município de Angra dos Reis, especialmente mediante a realização de concurso público, de modo a atender à demanda permanente dos serviços de saúde e evitar a criação artificial de situação emergencial que venha a ensejar novas contratações emergenciais (processo nº XXXXX-21.2017.8.19.0003 ). 2. Demandas embasadas no argumento de que a Gestão Municipal Angrense, empreendeu uma contratação dita ¿emergencial¿ para serviços médicos em geral no Hospital Geral da Japuíba (HGJ), pelo prazo de 06 meses e ao valor de mais de 17 milhões de reais, sendo que durante o período de execução do contrato, não foi providenciada a realização de concurso público, seguindo-se à solução de realizar dois pregões para novas contratações de mão de obra na área da saúde, constatando-se inúmeras irregularidades no inquérito civil instaurado sob o nº 135/2015, sendo premente a necessidade de realização de concurso público, com vistas ao atendimento da necessidade permanente dos serviços de saúde, coibindo-se, assim, novas contratações emergenciais. 3. Sentença de improcedência de ambas as ações civis públicas. Inconformismo do Parquet. 4. Os inconformismos manejados pelo Parquet devem ser julgados conjuntamente, diante da conexão entre as causas de pedir versadas em ambas as ações coletivas, quais sejam, a terceirização ilegal das atividades assistenciais e serviços de saúde pública promovida pela Administração Pública municipal, recusando-se a mesma a promover concurso público para a contratação de profissionais de saúde. 5. Não se olvida a possibilidade de participação da iniciativa privada na prestação do serviço público de saúde, mas desde que observados os mandamentos constitucionais e legais sobre a matéria ¿ o que não se verifica na hipótese presente. 6. Sabe-se que a prestação do serviço público de saúde, além de indispensável à população e de imperativa prestação contínua, se constitui função típica e atividade fim do Estado, devendo obediência à regra geral insculpida no art. 37 , da Constituição da Republica de 1988, que impõe a criação, por meio de lei, de cargos efetivos ou empregos públicos para preenchimento por intermédio de concurso público. 7. A Constituição da Republica de 1988 excepcionou a regra geral do concurso público, permitindo ao gestor, em razão de excepcional interesse público e, por prazo determinado, proceder a contração de pessoal para trabalhar a fim de atender necessidade temporária, conforme inciso IX , do art. 37 . 8. Tão somente em situações excepcionais e para atender necessidade temporária, por prazo determinado, é possível a contratação sem a realização de concurso público. 9. A circunstância posta nos autos não encontra guarida na exceção prevista na Constituição da Republica . 10. De certo que a urgência na contratação não se constitui, por si só, emergência que justifica a dispensa da realização de concurso público. 11. A dispensa do concurso público depende da caracterização de situação de emergência ou de calamidade pública, desde que, contudo, a circunstância não tenha se originado da desídia administrativa ou da má-gestão dos recursos disponíveis e, quando cabalmente demonstrado, que a imediata contratação é o meio adequado, eficaz e eficiente para se afastar o risco iminente verificado. 12. O Supremo Tribunal Federal já se manifestou no sentido de ¿a natureza permanente de algumas atividades públicas - como as desenvolvidas nas áreas da saúde, educação e segurança pública ¿ não afasta, de plano, a autorização constitucional para contratar servidores destinados a suprir demanda eventual ou passageira, havendo necessidade de exame sobre a transitoriedade da contratação e a excepcionalidade do interesse público que a justifica. 13. Conquanto a Constituição da Republica possibilite a Administração a contratar pessoal por tempo determinado desde que para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público, independentemente da realização de concurso público, não admite que a lei municipal possa contemplar contratações precárias em atividades rotineiras da Administração, as quais podem ser evitadas mediante adequado planejamento do gestor público. 14. O STF no julgamento do RE 658.026 , de Rel. Ministro Dias Toffoli, em processo submetido à sistemática da repercussão geral, Tema 612, definiu a tese de que para que se considere válida a contratação temporária, é preciso que: a) os casos excepcionais estejam previstos em lei; b) o prazo de contratação seja predeterminado; c) a necessidade seja temporária; d) o interesse público seja excepcional; e) a necessidade de contratação seja indispensável, sendo vedada a contratação para os serviços ordinários permanentes do Estado, e que devam estar sob o espectro das contingências normais da Administração. 15. Contingente de servidores existentes não se revela insuficiente para o atendimento de uma sobrecarga sazonal e transitória, mas sim decorre da falta de profissionais nos quadros efetivos da municipalidade, pelo que dessume das reiteradas contratações temporárias de sociedades fornecedoras de mão-de-obra, restando evidenciada a ausência de planejamento municipal capaz de atender, de maneira eficiente, às demandas locais e ao interesse público. 16. Compulsando-se os autos, nota-se que o Juízo a quo determinou que o Município de Angra dos Reis juntasse aos autos ¿a relação de todos os funcionários que trabalham no HMJ, SAMU e SPA's, indicando o cargo ocupado e o tipo de vínculo com a Administração Pública (estatutário, cedido, contrato temporário, terceirizado etc.)¿, não obstante, este juntou uma relação incompleta dos funcionários que exercem suas funções nas unidades de saúde municipais, citando-se, por exemplo, o caso do HMJ, cuja relação traz apenas servidores estatutários, furtando-se, assim, do dever cumprir adequadamente a decisões judiciais, deixando de informar o quantitativo atual de pessoal vinculado a contrato temporário e terceirizados. 17. Nesse contexto, os réus/apelados não se desincumbiram do ônus probatório que lhes cabe, demonstrando com a sua omissão e recalcitrância em apresentar documentos que poderiam elucidar a questão controvertida das presentes demandas, que empreende uma gestão da área de saúde duvidosa e pouco transparente acerca das reais necessidades do seu quadro de profissionais que exercem funções essenciais e permanentes na rede municipal de saúde de Angra dos Reis. 18. Ausentes, ademais, quaisquer provas nos autos de que no curso das presentes demandas o Município tenha adotado medidas para o enfrentamento efetivo da carência de pessoal na área da saúde, pelo contrário, o que se observa é que continua realizando processos seletivos para contratação de médicos temporários. 19. Perpetuando-se a omissão municipal em estruturar adequadamente uma rede de servidores estatutários, denota-se a reiteração da delegação das equipes de saúde a terceiros, mediante contratos que, além de não solucionarem a crise da carência permanente dos serviços relacionados à saúde pública, acarretam um significativo impacto financeiro ao erário. 20. Município de Angra dos Reis que, recentemente, no ano 2021 ¿ em manifesta inobservância à decisão proferida por esta Oitava Câmara Cível, nos autos do agravo de instrumento nº XXXXX-27.2019.8.19.0000 ¿, lançou edital destinado a processo seletivo para contratação temporária de profissionais médicos ¿ clínico geral, abrindo 40 vagas destinadas ao desempenho do exercício nos Serviços de Pronto Atendimento da Rede de Urgência e Emergência. 21. Acresça-se, ainda, os réus não produziram quaisquer provas acerca da alegada economicidade da opção de terceirização dos serviços de saúde quando comparados com os gastos de estruturação de um quadro de servidores estatutários, ônus que incumbe ao administrador público ao justificar suas escolhas discricionárias, denotando, mais uma vez, a ausência de justificativas plausíveis para a sua escolha francamente refratária ao ordenamento jurídico. 22. Em vista de tais fatos, considerando-se que a contratação temporária, sobre a qual se debruça as presentes demandas coletivas esbarra na ausência de situação excepcional que a justifique por recorrentes períodos, desponta a premente necessidade de realização de concurso público pelo município de Angra dos Reis, como forma de pôr fim às contratações temporárias que, além de ilícitas, acabaram se consolidando no decorrer do tempo um modo indesejável de administrar do gestor local. Precedentes. 23. A gestão eficiente dos recursos humanos na área da saúde é condição indispensável para o alcance das finalidades do SUS, sendo certo que a regularidade dos serviços públicos de saúde, que são essenciais e de execução contínua, depende de profissionais devidamente habilitados e integrados a uma visão sistêmica da gestão estatal, além de um planejamento que se pretenda de longo prazo. 24. Desse modo, incumbe à municipalidade realizar concurso público para a prestação do serviço público de saúde (art. 37 , II , da CRFB ), e só excepcionalmente pode, de forma complementar, admitir a participação de prestação de serviços privados (art. 24 , parágrafo único , da Lei 8.080 /90 e artigos 2º a 5º da Portaria nº 1034/2010 do Ministério da Saúde). 25. No que tange à inexistência de comprovação de orçamento para realização de concurso público, sem que se esbarre na Lei de Responsabilidade Fiscal , além de a Lei de Responsabilidade Fiscal também considerar como despesas com pessoal os valores dos contratos de terceirização de mão de obra para a substituição de servidores e empregados públicos (art. 18 , § 1º da LRF ), de certo que a reposição de pessoal decorrente de aposentadoria ou falecimento, das áreas de educação, saúde e segurança, não é vedada pela mencionada lei, ainda que as despesas com gastos de pessoal atinja o limite chamado prudencial (95% do total previsto em lei), consoante dicção do art. 22 , inciso IV do diploma em comento. 26. Dessume-se do que antecede, que a sentença deve ser reformada, acolhendo-se os pleitos formulados pelo Parquet em ambas as ações civis púbicas. 27. O Município e a Fundação Municipal são isentos das custas processuais, nos termos do art. 17, IX, da L. Est. nº. 3.350/99, mas não da taxa judiciária (Súmula 145 do TJRJe Enunciado nº. 42 do FETJ). 28. Procedência das demandas que não enseja o cabimento de condenação da parte vencida ao pagamento de honorários advocatícios em favor do Ministério Público nos autos de ação civil pública, em virtude do princípio da simetria. 29. Se o referido Órgão não pode ser condenado ao pagamento de honorários advocatícios ao sair vencido na ação civil pública, salvo na hipótese de litigância de má-fé, conforme art. 18 da lei 7.347 /85, também não pode recebê-los se sair vencedor. Precedentes. 30. Impõe-se o provimento dos recursos, para que o Município de Angra dos Reis e a Fundação Hospital Geral da Japuíba abstenham-se de proceder a novos certames que conduzam à terceirização dos serviços de saúde (contratações temporárias), sob pena de aplicação de pena pecuniária (astreinte) no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) para cada descumprimento da presente ordem judicial proferida, em caráter pessoal, na figura do Chefe do Poder Executivo Municipal e do Presidente da Fundação Hospital Geral da Japuíba, devendo adotar medidas administrativas permanentes para suprir a carência de todos os profissionais da atividade fim na área da saúde de Angra dos Reis mediante a realização de concurso público, nos termos descritos nas petições iniciais. 31. Recursos providos.