PJE XXXXX-82.2021.4.05.0000 AGRAVO DE INSTRUMENTO EMENTA ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. FINANCIAMENTO ESTUDANTIL. RESIDÊNCIA MÉDICA. SUSPENSÃO DAS COBRANÇAS. CADASTRAMENTO COMO BENEFICIÁRIA DA EXTENSÃO DA CARÊNCIA. AGENTE FINANCEIRO (BANCO DO BRASIL). PARTE LEGÍTIMA. MULTA DIÁRIA. DESCABIMENTO. 1. Agravo de instrumento interposto pelo BANCO DO BRASIL em face de decisão que deferiu o pedido de tutela de urgência, para que os requeridos, no prazo de 48h, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00, procedam: a) à imediata suspensão das cobranças do financiamento (contrato 298.805.897); b) ao imediato cadastramento da parte autora como beneficiária da extensão da carência; e c) à devolução dos valores indevidamente cobrados até a efetiva suspensão das cobranças. 2. Sustenta o agravante, em síntese, que: a) ao fixar prazo para cumprimento da liminar, cabe ao juiz fazê-lo de modo razoável, permitindo, principalmente numa situação como a dos autos principais, um estudo detalhado sobre a narrativa dos fatos, evitando que se beneficie eventual devedor inadimplente; b) a multa fixada é excessiva; c) o Banco não tem competência para cumprir a liminar cadastrando a parte a autora como beneficiária da extensão de carência; d) o Banco do Brasil agiu no cumprimento estrito de suas atribuições, enquanto agente financeiro prestador de serviços ao FNDE, com a cobrança do financiamento estudantil, conforme regras de negócios do produto, sendo certo que a anuência das cobranças foi firmada pela própria Autora; e) é parte ilegítima para figurar na causa. 3. O art. 6º-B , § 3º , da Lei 10.260 /2001 (incluído pela Lei 12.202 /2010) dispõe que "o estudante graduado em Medicina que optar por ingressar em programa credenciado pela Comissão Nacional de Residência Médica, de que trata a Lei 6.932 , de 7 de julho de 1981, e em especialidades prioritárias definidas em ato do Ministro de Estado da Saúde terá o período de carência estendido por todo o período de duração da residência médica". 4. Consta da decisão agravada que: "Compulsando a documentação acostada aos autos, verifica-se que a parte autora está cursando residência médica no hospital Santo Amaro desde 01/03/2020, restando preenchidos os requisitos exigidos pela Lei 10.260 /2001 para a extensão do período de carência previsto no § 3º do art. 6º-B da Lei 10.260 /2001 (id. nº 20163352). Em relação ao fato de o contrato da autora ter sido firmado anteriormente à edição da Lei nº 12.202 /2010, que promoveu as alterações na Lei nº 10.260 /2001, incluindo o art. 6º- B, tenho que tal circunstância não impede a concessão do benefício. O FIES é um programa de financiamento criado pelo Governo Federal que proporciona o acesso ao ensino superior para estudantes que estejam matriculados em instituições não gratuitas, nos termos da Lei nº 10.260 /2001. Tem-se, como se vê, uma política pública de ensino cujo objetivo é ampliar o acesso ao ensino universitário, na forma dos arts. 205 e 208 , inc. V , da Constituição da Republica :"Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: (...) V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um; (...) § 1º. O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo."Assim, diante do caráter social do contrato em questão, que objetiva propiciar o acesso ao ensino superior, deve ser aplicada a lei mais benéfica ao estudante, mesmo que o contrato de abertura de crédito tenha sido firmado antes da modificação do prazo de carência previsto na legislação. Ademais, não é razoável negar à parte autora o benefício da extensão do período de carência, uma vez que tal medida implicaria em tratamento desigual a estudantes que possuem o mesmo direito aos benefícios do FIES , simplesmente em razão da data de adesão ao programa. Por outro lado, as partes rés não terão qualquer prejuízo com a prorrogação do prazo, uma vez que, ao final da residência, os valores serão pagos corrigidos monetariamente." 5. No tocante à legitimidade da agravante, a jurisprudência pacífica desta Corte Regional entende que o agente operador (FNDE) e o agente financeiro (Banco do Brasil) são partes legítimas para figurar no polo passivo de demanda em que se controverte a possibilidade de extensão do prazo de carência para amortização do contrato de financiamento estudantil. (PJE XXXXX.20184.058500 , Rel. Des. Federal Élio Wanderley de Siqueira Filho, 1ª T., julg. em 13/05/2019). 6. Na ação originária, a parte autora busca seu imediato cadastramento como beneficiária da extensão da carência e a suspensão das cobranças do financiamento. Tendo a mesma concluído o curso de Medicina em 12/12/2019 e ingressado no curso de residência médica em março/2020, cabe a prorrogação do período de carência do financiamento estudantil, uma vez que tal prazo não havia se expirado. Ver: TRF5, 2ª T., PJE XXXXX-70.2020.4.05.0000 , Rel. Des. Federal Paulo Roberto de Oliveira Lima, Data da assinatura: 28/01/2021. 7. Por outro lado, o entendimento da eg. Segunda Turma deste Regional é firme no sentido de reconhecer a impossibilidade de aplicação de astreintes contra a Fazenda Pública como meio de coação ao cumprimento de obrigação de fazer. A esse respeito, já consignou: "A natureza das 'astreintes' e sua finalidade de influir no ânimo do devedor a torna instrumento incompatível com as execuções de obrigação de fazer contra a Fazenda Pública" (TRF5, 2ª T., PJE XXXXX-06.2018.4.05.8300 , Rel. Des. Federal Paulo Roberto de Oliveira Lima, assinatura em: 08/01/2020). 8. Isso porque, a respeito da pena de multa diária, a Segunda Turma desta Corte Regional possui entendimento consolidado no sentido da impossibilidade de aplicação de tal medida coercitiva como primeiro recurso de pressão da Fazenda Pública ao cumprimento de obrigação de fazer, pois consideradas a natureza e a finalidade das astreintes como elemento a influir no ânimo do devedor, de logo se identifica a inutilidade de seu uso, como regra, em demandas que envolvem o Estado (ou pessoas jurídicas de direito público), em que os administradores têm suas ações quase que inteiramente disciplinadas por atos normativos específicos - haja visa à natureza fechada do princípio da legalidade em Direito Administrativo - além, por óbvio, dos limites impostos por regras orçamentárias e relacionadas à ordenação de despesas. Em outras palavras: a aplicação de multa em face da Fazenda Pública pressupõe recalcitrância, mora injustificada, ou mesmo a demonstração de que o descumprimento decorre de má vontade do administrador, o que absolutamente não se identifica no caso ora sob exame. Precedentes: PJE XXXXX-48.2019.4.05.0000 , rel. Des. Federal Paulo Roberto de Oliveira Lima, j. em 07.07/2020; TRF 5, 2ª T., PJE XXXXX-87.2020.4.05.0000 , rel. Des. Federal Leonardo Henrique de Cavalcante Carvalho, data de assinatura: 31/08/2020. 9. Agravo de instrumento parcialmente provido, apenas para afastar a exigibilidade da multa imposta na decisão agravada. nbs