APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. RESPONSABILIDADE CIVIL. ESTELIONATO AFETIVO. ESTELIONATO AMOROSO. ESTELIONATO SENTIMENTAL. MEIO ARDIL. RELAÇÃO AFETUOSA. VANTAGEM ECONÔMICA. DEMONSTRAÇÃO. RESTITUIÇÃO DE VALORES. POSSIBILIDADE. CONFIANÇA. LEALDADE. VIOLAÇÃO. DANOS MORAIS. CABIMENTO. REDUÇÃO. VIABILIDADE. 1. A responsabilidade civil exige a presença concomitante de três elementos: conduta ilícita, dano e nexo de causalidade. 2. ?O estelionato afetivo é uma prática que se configura a partir de relações emocionais e amorosas, cujo conceito se toma por empréstimo daquele definido no artigo 171 , do Código Penal . Quando o agente se utiliza de meio ardil para obter vantagem econômica ilícita da companheira, aproveitando-se da relação afetuosa, está configurado o delito de estelionato.? (Acórdão XXXXX, 20170710039550 APR, Relator: CARLOS PIRES SOARES NETO, Revisor: GEORGE LOPES, 1ª TURMA CRIMINAL, data de julgamento: 29/11/2018, publicado no DJE: 18/12/2018. Pág.: 117/142). 3. Demonstrado que o réu induziu/manteve a autora em erro e que, após nutrir seus sentimentos e obter sua confiança, aproveitou-se da relação estabelecida para obter vantagens econômicas, terminando o relacionamento logo em seguida, resta configurada a prática do estelionato afetivo. 4. O engano fraudulento, o dolus malus, tem características típicas milenares: quem engana não deixa prova contra si; não firma recibo de dívida quando o objetivo é ilaquear a boa-fé da vítima e apropriar-se, indevidamente, do que é dela. 5. A aparência de boa-fé, de credibilidade, é a fonte do sucesso de quem frauda expectativas alheias legítimas para obter indevida vantagem econômica. O impostor não se assemelha aos impostores. O astuto não traz a má-fé estampada na face nem nasce com estrela na testa. O impostor apresenta-se, sempre, como um ser humano perfeito. Jamais diz à vítima, como o personagem de Plauto, dramaturgo romano (Titus Maccius Plautus, 205 - 184 a.C.), em Epidicus: Iam ego me convortam in hirudinem atque eorum exsugebo sanguinem (Eu me transformarei em sanguessuga e sugarei o seu sangue). 6. A metáfora da sanguessuga, repetida algumas vezes por Plauto, também consta do Velho Testamento (Provérbios, 30:15: ?A sanguessuga tem duas filhas: Dá e Dá. Estas três coisas nunca se fartam; e com a quarta, nunca dizem: basta!?) para retratar a pessoa que procura causar grande prejuízo econômico a outrem, subtraindo-lhe todos os bens, sem nunca se saciar. 7. O camaleão, um lagarto mosqueado com manchas em forma de estrela (Stella), dotado de mimetismo, que é a capacidade de ajustar a aparência a cada nova situação, muda a cor da pele para enganar as presas e para não ser apanhado por predadores. O nomem juris do crime tipificado no art. 171 do Código Penal brasileiro veio da palavra latina Stellionatus (Stellio+natus. Literalmente: nascido de; oriundo de um camaleão), que Ulpiano, jurista romano (Eneo Domitius Ulpianus, 150-223 d.C.), utilizou para nomear os crimes com fraudes, as burlas. Dessa palavra derivaram as expressões jurisprudenciais ?estelionato amoroso?, ?estelionato sentimental? ou ?estelionato afetivo?. Nos humanos, o mimetismo do Stellio, do camaleão, é usado para enganar pessoas, obter vantagem econômica ilícita e escapar da Justiça. 8. Preenchidos os requisitos da responsabilidade civil (conduta ilícita, nexo de causalidade e dano), é cabível a condenação do réu a restituir os valores irregularmente auferidos, devidamente comprovados e não impugnados. 9. O estelionato afetivo viola os deveres de confiança e de lealdade, além de causar frustração, insegurança, vergonha e constrangimentos para a vítima, o que constitui fato ofensivo ao seu direito de personalidade. Precedente. 10. A reparação por dano moral não tem um parâmetro econômico absoluto, uma tabela ou um baremo, mas representa uma estimativa feita pelo Juiz sobre o que seria razoável, levando-se em conta, inclusive, a condição econômica das partes, sem enriquecer, ilicitamente, o credor, e sem arruinar o devedor. 11. Recurso conhecido e parcialmente provido.