Tribunal de Justiça de Pernambuco Poder Judiciário Gabinete do Des. Jorge Américo Pereira de Lira 1ª CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO Apelação n. XXXXX-36.2022.8.17.2218 Apelante: Edilene da Cruz Apelada: Município de Goiana Relator : Desembargador Jorge Américo Pereira de Lira EMENTA: ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. SERVIDOR PÚBLICO. AGENTE COMUNITÁRIO DE SAÚDE. MUNICÍPIO DE GOIANA. PROGRESSÃO FUNCIONAL. LEI MUNICIPAL Nº 2.198/2012. EFICÁCIA PLENA DE TAL REGRAMENTO LEGAL APÓS A EDIÇÃO DA LEI MUNICIPAL Nº 2.272/2014. LEI Nº 2.594/2023. INAPLICABILIDADE. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS PARA OBTENÇÃO DA PROGRESSÃO FUNCIONAL. ATO VINCULADO. ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. BASE DE CÁLCULO. OMISSÃO LEGISLATIVA. PAGAMENTO SOBRE O SALÁRIO-MÍNIMO. IMPOSSIBILIDADE. COLMATAÇÃO LEGISLATIVA POR DECRETO REGULAMENTAR. DESCABIMENTO. MALFERIMENTO AO ART. 37, X E XIV, DA CF. ESTABELECIMENTO DO VENCIMENTO BÁSICO DO SERVIDOR COMO BASE DE CÁLCULO DO REFERIDO ADICIONAL. PRECEDENTES. 1. No âmbito do Município de Goiana, a Lei Municipal nº 2.198/2012, que versa sobre o Plano de Classificação de Cargos e Salários dos servidores municipais, estabelece que a progressão funcional dar-se-á nos termos dos arts. 8º, 10, 11. 2. A Lei nº 2.272/2014, atualizada pela Lei nº 2.354/2018, conferiu plena eficácia à Lei nº 2.198/2012, ao disciplinar a progressão em diferentes níveis e classes, divididos de acordo com o tempo de serviço (progressão horizontal) e com o grau de escolaridade alcançado pelo servidor público (progressão vertical). 3. Em se tratando de Agentes Comunitários de Saúde e Agentes de Saúde Ambiental e Combate às Endemias, cujos cargos foram criados pela Lei Municipal nº 2008, de 16 de março de 2007, a contagem do tempo de serviço para fins de progressão horizontal deve se dar a partir do reconhecimento de seu ingresso no serviço público, referendado quando da assinatura da Carteira Profissional (Art. 27, a Lei nº 2.198/2012). 4. A edição da Lei Municipal nº 2.594/2023 trouxe nova disciplina ao instituto da progressão funcional dos servidores de Goiana, sendo, contudo, inaplicável ao caso concreto, em que a implementação do direito e o pleito administrativo ocorreram em momento anterior à modificação legislativa. 5. Conforme entendimento deste Sodalício: “O ato de concessão de enquadramento funcional tem natureza vinculada e declaratória, uma vez preenchidos os requisitos exigidos por lei”. (TJ-PE - Remessa Necessária: XXXXX PE , Relator: Demócrito Ramos Reinaldo Filho , Data de Julgamento: 31/08/2017, 1ª Câmara Regional de Caruaru - 2ª Turma, Data de Publicação: 21/09/2017). 6. Na espécie, a servidora fez prova de seu vínculo funcional com a Administração Pública Municipal, tendo ingressado no serviço público em 14.06.2002 e concluído o Curso de Graduação em Tecnologia em Gestão Hospitalar em razão do que, observando-se a legislação de regência, há de ser reconhecido o seu direito a progredir para o Nível 5 (20 a 25 anos de serviço), Classe IV (Graduação). 7.O Decreto Municipal nº 21/2020, no que diz respeito à progressão funcional, exorbita do poder regulamentar ao estabelecer que a titulação profissional do servidor deve ter pertinência temática com a área de atribuição do cargo público ocupado, haja vista exigir requisito não previsto na lei, a pretexto de regulamentá-la. 8. Consoante dispõe a Súmula nº 119 deste Sodalício, “Para que seja concedido o adicional de insalubridade ao servidor municipal, é necessário que exista lei específica do município que crie tal benefício, seus critérios e alíquotas que justifiquem o pagamento, nos termos do art. 7º, XXIII, da CF/88”. 9. Na espécie, a Lei Complementar Municipal nº 18/2009 instituiu o adicional de insalubridade, fixando os percentuais a serem pagos de acordo com os níveis de insalubridade, remetendo ainda o disciplinamento das atividades insalubres a ato regulamentar, sem, contudo, estabelecer a base de cálculo da referida verba. 10. Diante da omissão da LC nº 18/2009, não é lídimo ao Poder Público estabelecer o salário-mínimo como base de cálculo do adicional de insalubridade, sob pena de malferimento ao Art. 7º, inciso IV, da CF/88, bem como ao princípio da legalidade insculpido no art. 37, caput, da Constituição Federal . Precedentes: STF - RE XXXXX AgR, Relator (a): Dias Toffoli , Primeira Turma, julgado em 04/02/2014, Public XXXXX-03-2014; STF - RE XXXXX AgR, Relator (a): Gilmar Mendes , Segunda Turma, julgado em 28/08/2012, Public XXXXX-09-2012. 11. Lado outro, a criação de vantagem em favor do servidor público demanda lei específica estabelecendo os seus critérios, a teor do art. 37, X, da CF, sendo possível que o regulamento a complemente, em caso de omissão, até que o legislador realize a colmatação legislativa, desde que o decreto regulamentar não invada matéria sujeita ao princípio da reserva legal, sob pena de ser invalidado. 12. Portanto, diante da omissão legislativa, ao estabelecer a base de cálculo do adicional de insalubridade, por meio do Decreto nº 33/2012, o Chefe do Poder Executivo extrapolou, neste ponto, o Poder Regulamentar, porquanto a instituição de tal critério de pagamento da vantagem remuneratória repercutirá em seu valor, sendo, pois, matéria a ser submetida à lei específica. Deveras, a fixação da base de cálculo por Decreto possibilitaria, em tese, ao Poder Executivo, promover a majoração do valor de tal vantagem, com a simples alteração da referida base de cálculo por outro ato normativo secundário, à míngua da necessária manifestação do Poder Legislativo, em notório vilipêndio ao art. 37, X, da Constituição Cidadã. Precedentes: STF - RE XXXXX , Relator (a): Sepúlveda Pertence , Tribunal Pleno, julgado em 03/10/2001; e STF - ARE XXXXX , Órgão julgador: Segunda Turma, Relator: Edson Fachin , Julgamento: 08/09/2020, Publicação: 23/09/2020. 13. Não bastasse isso, ao fixar como base de cálculo do adicional de insalubridade os “vencimentos” do servidor, o Decreto Municipal nº 33/2012 vulnera a vedação ao efeito cascata (ou efeito repique), com assento no art. 37, XIV, da Constituição Federal . Precedentes: STF - RE XXXXX , Relator (a): Cármen Lúcia , Tribunal Pleno, julgado em 06/02/2013, Acórdão Eletrônico Repercussão Geral, Public XXXXX-05-2013; STF - AgR RE: XXXXX MG, Relator: Min. Roberto Barroso , Data de Julgamento: 02/05/2017. 14. Destarte, há de ser rechaçada a aplicação do Decreto Municipal nº 33/2012 no tocante à instituição da base de cálculo do adicional de insalubridade, tendo em vista que, no particular, o referido ato malfere, a um só tempo, (i) a reserva de lei específica para dispor sobre remuneração dos servidores (art. 37, X, da CF); e (ii) a vedação ao efeito cascata (art. 37, XIV, da CF). 15. A despeito disso, é certo que: “A jurisprudência do STF considera possível a fixação, por decisão judicial, do vencimento básico do servidor público como base de cálculo do adicional de insalubridade, quando houver omissão legislativa em dispor sobre a questão”. (STF - RE XXXXX AgR, Relator (a): Ricardo Lewandowski , Segunda Turma, julgado em 31/03/2017, Public XXXXX-04-2017), sendo exatamente esta a hipótese dos autos. No mesmo sentido: STF - RE XXXXX AgR, Relator (a): Alexandre de Moraes , Primeira Turma, julgado em 05/02/2018, Public XXXXX-02-2018; STF - RE XXXXX AgR, Rel. Min. Dias Toffoli , 1ª Turma, DJe 10.3.2014; STF - RE XXXXX AgR-segundo, Relator (a): Roberto Barroso , Primeira Turma, julgado em 04/08/2015, Public XXXXX-10-2015; STF - RE XXXXX -AgR/MG, Relator Ministro Gilmar Mendes , Segunda Turma, julgamento em 28.8.2012, DJe 17.9.2012; STF - RE XXXXX AgR, Relator (a): Rosa Weber , Primeira Turma, julgado em 25/06/2014, Public XXXXX-08-2014; STF - RE XXXXX AgR, Relator (a): Alexandre De Moraes , Primeira Turma, julgado em 22/06/2018. 16. Nesse diapasão, corretamente o magistrado de origem fixou o vencimento básico da parte autora como base de cálculo do adicional de insalubridade, até que o Poder Legislativo venha a dispor sobre o tema. 17. Sobre o montante da condenação devem incidir juros moratórios e correção monetária nos termos dos Enunciados Administrativos nos 8, 11, 15 e 20 da Seção de Direito Público deste e. Tribunal de Justiça, com a redação publicada no DJe nº 047/2022, de 11/03/2022. 18. Ante a sucumbência total da parte ré, esta deve arcar com o pagamento dos honorários advocatícios, que devem ser arbitrados quando da liquidação do julgado,consoante determina o art. 85 , § 4º , II , do NCPC . 19. Remessa Necessária desprovida, restando prejudicado o Apelo voluntário da Fazenda Pública. Recurso de Apelação da parte autora provido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, ACORDAM os Excelentíssimos Senhores Desembargadores integrantes da Primeira Câmara de Direito Público deste Tribunal de Justiça, por unanimidade, em NEGAR PROVIMENTO ao Reexame Necessário, restando prejudicado o Apelo voluntário, e DAR PROVIMENTO ao Recurso de Apelação da autora, nos termos do relatório e voto do relator, que passam a integrar o presente julgado. Desembargador JORGE AMÉRICO PEREIRA DE LIRA Relator