TRIBUNAL DE JUSTIÇA 2ª Câmara Especial / Gabinete Des. Renato Martins Mimessi Processo: XXXXX-14.2016.8.22.0001 - APELAÇÃO CÍVEL (198) Relator: RENATO MARTINS MIMESSI Data distribuição: 10/07/2017 12:17:04 Data julgamento: 30/07/2019 Polo Ativo: SOLANGE NOGUEIRA PASSOS Advogados do (a) APELANTE: JOSE ADILSON INACIO MARTINS - RO4907-A, DULCE CAVALCANTE GUANACOMA SANTOS - RO6450-A Polo Passivo: ESTADO DE RONDÔNIA Relatório Trata-se de recurso de apelação interposto por Solange Nogueira Passos contra Sentença proferida pelo Juiz da 1ª Vara da Fazenda Pública, que julgou improcedente a pretensão formulada nos autos de ação de incorporação de gratificação de função e respectivos retroativos, fazendo-o sob fundamento de prescrição do fundo de direito. Em seu relato inicial, a apelante narrou ser servidora pública pertencente ao quadro permanente de pessoal do estado, admitida desde 23/6/1983. Diz ter sido requisitada pelo TRE/RO em 5/2/1991, ali permanecendo até 3/9/2000, onde exerceu a função gratificada de assistente de chefia. Requereu, pela via administrativa, a implementação do quinquênio referente à gratificação em sua remuneração, no entanto, diz não ter havido conclusão do procedimento administrativo em tempo razoável, o que motivou o ajuizamento da presente ação. O juízo de origem destacou que o benefício requerido foi suprimido pela Lei Estadual nº 221/99, e o requerimento administrativo formulado pela autora se deu somente em 2005, após consumação da prescrição quinquenal que, no caso, entende ser de fundo de direito. Em suas razões de recurso, a apelante defende a inocorrência da prescrição na espécie, ressaltando que a Lei Estadual extinguiu o benefício após a servidora já ter adquirido direito a sua incorporação, pelo que não há que se falar em prescrição do fundo de direito, em respeito ao direito adquirido. Reafirma fazer jus à incorporação do benefício, postulando pela reforma da Sentença no sentido de procedência dos pedidos iniciais. Sobrevieram contrarrazões pelo Estado de Rondônia. É o relatório. VOTO DESEMBARGADOR RENATO MARTINS MIMESSI Próprio e tempestivo, o recurso deve ser conhecido. Insurge-se a apelante contra Sentença que declarou prescrição do fundo de direito, relativo à pretensão de incorporação dos quintos vindicados na exordial. O juízo entendeu indevido o deferimento administrativo do pagamento de quintos à apelante pois o pedido fora feito mais de cinco anos após a vigência da LC 221 /99, a qual revogou os artigos 100 a 102 da LC 68/92, que previam o direito a referida gratificação. Portanto, segundo sua compreensão, teria ocorrido a prescrição de fundo de direito. Sem delongas, a sentença merece reforma. Recentemente, esta 2ª Câmara Especial debruçou-se sobre caso análogo ao presente ao julgar o recurso de apelação nº XXXXX-38.2013.8.22.0001 , ocasião em que firmou entendimento contrário às conclusões lançadas pelo juízo de primeira instância, consignando que a Lei revogadora do benefício não tem efeitos concretos, tendo em vista que não revogou o direito daqueles que já haviam adquirido a gratificação e nem obstou o pagamento daqueles que, embora com o direito adquirido, o postularam somente após a sua revogação. Entendeu-se, dessa forma, ser aplicável à hipótese o comando da Súmula 85 do STJ, que disciplina a prescrição quinquenal nas relações de trato sucessivo. A propósito, eis a emenda do julgado em referência: Apelações. Ação civil pública. Incorporação de vantagem. “Quintos”. Prescrição. Trato sucessivo. Direito adquirido. Percebimento da vantagem remuneratória adquirida no exercício de cargo de carreira diversa. Inviabilidade. A gratificação pelo exercício de função de direção, chefia ou assessoramento, conhecida como “quintos”, que surgiu com a promulgação da LCE nº 68/92, prevista nos artigos 100 a 102, consistente numa gratificação equivalente à fração de 1/5 (um quinto), até o limite de 5/5 (cinco quintos) por cada ano completo, consecutivos ou não, no exercício de função de direção, chefia ou assessoramento, a partir do 5º ano em atividade do servidor público na estrutura administrativa do Estado de Rondônia, foi revogada expressa e integralmente pelo artigo 2º da LCE nº 221/99. A Lei revogadora, entretanto, não tem efeitos concretos, tendo em vista que não revogou o direito daqueles que já haviam adquirido a gratificação e nem obstou o pagamento daqueles que, embora com o direito adquirido, o postularam somente após a sua revogação. Dessa forma, aplicável na hipótese o comando da Súmula 85 do STJ, que disciplina a prescrição quinquenal nas relações de trato sucessivo. Na esteira de entendimento do Supremo Tribunal Federal, a garantia de preservação do direito adquirido, prevista no art. 5º , XXXVI , da Constituição Federal , assegura ao seu titular a faculdade de exercê-lo, contudo, sob a configuração com que o direito foi formado e adquirido e no regime jurídico no âmbito do qual se desenvolveu a relação jurídica correspondente, com seus sujeitos ativo e passivo, com as mútuas obrigações e prestações devidas. Portanto, as vantagens remuneratórias adquiridas no exercício de determinado cargo público não autoriza o seu titular, quando extinta a correspondente relação funcional, a transportá-las para o âmbito de outro cargo, pertencente a carreira e regime jurídico distinto, criando, assim, um direito de tertium genus, composto das vantagens de dois regimes diferentes. Incabível condenar o servidor a ressarcir os valores recebidos pois patente a boa-fé. (TJ/RO – Apelação nº XXXXX-38.2013.8.22.0001 , 2ª Câmara Especial, Rel. Des. Renato Martins Mimessi, Julgado em 3/7/2018) Referido entendimento encontra-se calcado na constatação de que a LC 221 /99, de fato, não apresenta-se como de efeitos concretos tendo em vista que: I) não revogou o direito daqueles que já haviam adquirido a gratificação e; II) não dispôs que não seria mais paga a gratificação (quintos) aqueles que já possuíam o direito sem, entretanto, exercê-lo, ou seja, aqueles que preenchiam os requisitos para recebimento da gratificação durante a vigência da lei e que não tinham ainda postulado sua concessão. Por não ter sido extinto ou negado o próprio direito a aqueles que já dele já usufruíam ou poderia fazê-lo por preencherem os requisitos legais, é que se entendeu aplicável, na hipótese, o comando da Súmula 85 do Superior Tribunal de Justiça, que disciplina a prescrição quinquenal nas relações de trato sucessivo, o que equivale a dizer que atingidas tão somente as prestações vencidas no período de 05 (cinco) anos anteriores ao pedido. Tal como consignado no precedente paradigma, considerando que não há que se falar em prescrição do fundo de direito, também não há que se discutir se houve ou não, em âmbito administrativo, renúncia à prescrição, ficando prejudicado tal argumento. Firme nesses fundamentos, tem-se por superada, portanto, a declaração de que a pretensão formulada pela apelante teria sido alcançada pela prescrição. Ultrapassada a questão, passa-se à análise do mérito propriamente dito da pretensão, ou seja, se a apelada faz jus ou não a incorporação dos quintos em razão do exercício da função gratificada de assistente de chefia durante o período em que foi requisitada pelo TRE/RO, entre 5/2/1991 e 3/9/2000. Nesse particular, conforme se extrai do documento “Informação Funcional” (ID Num. XXXXX – Pág. 11), a apelante foi contratada em 27/1/1984, no emprego de Técnico em Contabilidade. Por força do Decreto nº 3.751 de 12/05/1988, foi transposta do regime jurídico CLT para estatutária, sem prestar concurso público. Este fato é de curial relevância para o deslinde do caso. É que, na esteira da pacífica jurisprudência desta Corte, o servidor celetista transposto para o regime estatutário possui apenas a chamada “estabilidade extraordinária”, a qual distingue-se sensivelmente da efetividade do cargo público, notadamente para fins de incorporação de quintos, a qual somente é devida para os servidores efetivos – ou seja, que ingressaram no serviço público mediante prévia aprovação em concurso público, conforme a regra inaugurada pela Constituição da Republica de 1988. A propósito: Administrativo e constitucional. Servidor. Incorporação de quintos. Direito exclusivo dos servidores estatutários. Reconhecimento, em controle difuso, da inconstitucionalidade do art. 28 e parágrafos da Lei n. 92 /93, que possibilitam a transposição para o regime estatutário de servidores regidos pelo regime celetista. Ordem denegada. O art. 19 do ADCT da Constituição de 1988 conferiu, só e excepcionalmente, estabilidade aos servidores públicos não concursados, contratados antes de 5 de outubro de 1983, o que não autoriza a compreensão de ter admitido a transposição para o regime estatutário daqueles servidores beneficiados cuja relação de trabalho era regida pelo regime celetista. A investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, sendo inconstitucionais o art. 28 e parágrafos da Lei Complementar Estadual n. 92/93 que afrontam este princípio previsto no art. 37 , II , da CF . O servidor celetista estabilizado pelas disposições do art. 19 do ADCT da Constituição de 1988 continua regido pelas regras da CLT , não tendo direito à incorporação de quintos, devida somente aos servidores estatutários. (TJ/ RO - Mandado de Segurança nº 2002170-15.2006.822.0000 , Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, Tribunal Pleno, Relator (a) do Acórdão: Des. Renato Martins Mimessi, Data de julgamento: 5/6/2006) Apelação. Administrativo. Servidor. Celetista. Transposição. Quadro. Pessoal. Civil. Estatutário. Gratificação. Exercício de função. Incorporação. Quintos. Previsão. Regime estatutário. Concurso público. Cargo efetivo. Estabilidade extraordinária. Não efetividade. Agregação. Impossibilidade. Questão de ordem pública. 1. A efetividade e a estabilidade são institutos jurídicos distintos. A efetividade o modo de preenchimento do cargo e só será obtida pela imprescindível observância das regras previstas na Constituição Federal , enquanto a estabilidade é a garantia que o servidor transposto possui de permanecer no serviço público. 2. O servidor celetista transposto para o regime estatutário é detentor da chamada estabilidade extraordinária prevista no ato das disposições constitucionais transitórias. Contudo, não possui efetividade, razão pela qual não faz jus à incorporação de quintos referentes à percepção de gratificação por desempenho de função gratificada, pois a transposição do regime celetista para o estatutário não lhe garante efetividade e, portanto, a ele não assiste o direito a todos os benefícios atinentes àqueles aprovados em concurso público. 3. As questões de ordem pública são imperativos que norteiam a correta aplicação da atividade jurisdicional. Delas não se podem afastar os litigantes ou o julgador. A relação jurídica processual traz ínsita a exigência de atividade descrita formalmente pela norma jurídica, para que se consiga a devida prestação jurisdicional, situação que leva o magistrado a se pronunciar de ofício sobre os preceitos de ordem pública. 3. Recurso não provido. (TJ/RO – Apelação nº 0012496-55.2012.822.0001 , Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, 1ª Câmara Especial, Relator (a) do Acórdão: Des. Oudivanil de Marins, Data de julgamento: 26/10/2018) Verificando-se, no caso, que a apelante não possui efetividade no cargo, mas tão somente estabilidade extraordinária, inviável se cogitar incorporação de quintos referentes à percepção de gratificação por desempenho de função gratificada. Em face do exposto, reformo a sentença para afastar a declaração de prescrição da pretensão formulada na exordial, contudo, NEGO PROVIMENTO ao recurso por verificar que a apelante não faz jus ao benefício vindicado. É como voto. Ementa Apelação cível. Ação ordinária. Incorporação de quintos. Exercício de função gratificada. Lei Complementar Estadual nº 68/92. Benefício extinto pela LCE nº 221/99. Prescrição do fundo de direito. Inocorrência. Relação de trato sucessivo. Servidora celetista. Transposição para quadro pessoal civil. Regime estatutário exclusivo via concurso público. Cargo efetivo. Estabilidade extraordinária. Não efetividade. Agregação. Impossibilidade. Recurso não provido. A gratificação pelo exercício de função de direção, chefia ou assessoramento, conhecida como “quintos”, que surgiu com a promulgação da LCE nº 68/92, prevista nos artigos 100 a 102, consistente numa gratificação equivalente à fração de 1/5 (um quinto), até o limite de 5/5 (cinco quintos) por cada ano completo, consecutivos ou não, no exercício de função de direção, chefia ou assessoramento, a partir do 5º ano em atividade do servidor público na estrutura administrativa do Estado de Rondônia, foi revogada expressa e integralmente pelo artigo 2º da LCE nº 221/99. A Lei revogadora, entretanto, não tem efeitos concretos, tendo em vista que não revogou o direito daqueles que já haviam adquirido a gratificação e nem obstou o pagamento daqueles que, embora com o direito adquirido, o postularam somente após a sua revogação. Dessa forma, aplicável na hipótese o comando da Súmula 85 do STJ, que disciplina a prescrição quinquenal nas relações de trato sucessivo. A efetividade e a estabilidade são institutos jurídicos distintos. A efetividade é o modo de preenchimento do cargo e só será obtida pela imprescindível observância das regras previstas na Constituição Federal , enquanto a estabilidade é a garantia que o servidor transposto possui de permanecer no serviço público. O servidor celetista transposto para o regime estatutário é detentor da chamada estabilidade extraordinária prevista no ato das disposições constitucionais transitórias. Contudo, não possui efetividade, razão pela qual não faz jus à incorporação de quintos referentes à percepção de gratificação por desempenho de função gratificada, pois a transposição do regime celetista para o estatutário não lhe garante efetividade e, portanto, a ele não assiste o direito a todos os benefícios atinentes àqueles aprovados em concurso público.