PROCESSO Nº: XXXXX-82.2018.4.05.8205 - APELAÇÃO CRIMINAL . APELANTE: MADSON FERNANDES LUSTOSA ADVOGADO: Eduardo De Araújo Cavalcanti ADVOGADO: Rinaldo Mouzalas De Souza E Silva APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL APELANTE: JOILSON GOMES DA SILVA ADVOGADO: Gabriel Lucena De Santana ADVOGADO: Vinicius Campos De Franca APELANTE: MARCONI EDSON LUSTOSA FELIX ADVOGADO: Eduardo De Araújo Cavalcanti ADVOGADO: Rinaldo Mouzalas De Souza E Silva APELADO: Os mesmos ADVOGADO: Os mesmos RELATOR (A): Desembargador (a) Federal Elio Wanderley de Siqueira Filho - 1ª Turma JUIZ PROLATOR DA SENTENÇA (1º GRAU): Juiz (a) Federal Claudio Girao Barreto EMENTA: PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÕES INTERPOSTAS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, BEM COMO PELA DEFESA DE UM RÉU - EXCLUSIVAMENTE QUANTO A ASPECTOS DOSIMÉTRICOS. ABSOLVIÇÃO DE 2 (DOIS) DENUNCIADOS, COM BASE NO ART. 386 , III , DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL ("NÃO CONSTITUIR O FATO INFRAÇÃO PENAL"), DA IMPUTAÇÃO DE PRÁTICA DO DELITO PREVISTO NO ART. 2º , § 1º , DA LEI Nº 12.850 /2013 (EMBARAÇO À INVESTIGAÇÃO/PERSECUÇÃO DE INFRAÇÃO PENAL QUE ENVOLVA ORCRIM), NO ÂMBITO DE AÇÃO PENAL DERIVADA DA "OPERAÇÃO RECIDIVA". FUNDAMENTOS SENTENCIANTES BASEADOS NO POST FACTUM IMPUNÍVEL, SOMENTE APLICÁVEL, COMO IN CASU, ÀQUELES CUJAS CONDUTAS JÁ SE ENQUADRARIAM, COMPROVADAMENTE, NO CAPUT DO ART. 2º DA LEI Nº 12.850 /2013, OU SEJA, QUANDO, EFETIVAMENTE, CONCORRERAM PARA A PROMOÇÃO, CONSTITUIÇÃO , FINANCIAMENTO OU INTEGRAÇÃO DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA - ORCRIM -, INCLUSIVE COM REGISTROS DE AÇÕES PENAIS DEFLAGRADAS, SOB TAL ESPECÍFICA IMPUTAÇÃO, CONSOANTE REGISTROS NOS AUTOS. AUSÊNCIA DE JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA NAS CORTES SUPERIORES, QUANTO AO CASUÍSMO EM TELA. PLAUSIBILIDADE DA SUBSTANCIOSA E MUI RESPEITADA FUNDAMENTAÇÃO DOUTRINÁRIA EM IDÊNTICO SENTIDO AO EMPREGADO NO DECRETO ABSOLUTÓRIO. MANTIDA A ABSOLVIÇÃO DE 2 (DOIS) DENUNCIADOS. APELO MINISTERIAL IMPROVIDO. PROVIDO, SOMENTE EM PARTE, RECURSO DE RÉU CONDENADO PELA PRÁTICA DO CRIME DO ART. 2º , § 1º , DA LEI Nº 12.850 /2013 - VISTO QUE NÃO INTEGRANTE DE ORCRIM -, PARA REDUZIR A PENA DE 4 (QUATRO) ANOS E 6 (SEIS) MESES DE RECLUSÃO PARA 4 (QUATRO) ANOS, À VISTA DA INCIDÊNCIA DA ATENUANTE DA CONFISSÃO. 1. Insurge-se, em síntese, o Ministério Público Federal, na condição de apelante, contra o fato de o juízo sentenciante haver absolvido os denunciados M.F.L e M.E.L.F. das imputações constantes na Denúncia, por entender confirmado após a instrução processual, o cometimento das seguintes figuras típicas, previstas na Lei nº 12.850 / 2013, como sendo: a) M.F.L: art. 2º , § 1º , da Lei 12.850 /2013, 3 (três) vezes consumadas (concurso material); e b) M.E.L.F: art. 2º , § 1º , da Lei 12.850 /2013, 2 (duas) vezes consumadas e 1 (uma) vez, na sua modalidade tentada (concurso material). 2. A título meramente informativo, tem-se que os fatos destes Recursos de Apelação estão, igualmente, associados ao plexo investigativo da "Operação Recidiva", cuja suma da magnitude de seu objeto, que redundou na deflagração de várias ações penais, segue transcrita neste voto, a partir de excertos de peça acusatória constante em uma das ações penais - à época da prolação do veredicto absolutório aqui recorrido - , segundo consta do RSE nº 0800623-14.2019. 4.05.820. 3. Considera o Parquet, em seu apelo de Id. XXXXX.3686499, como inadequadamente fundamentadas tais absolvições - de M.F.L e M.E.L.F - à vista de que as razões estruturantes do decreto absolutório discrepariam da própria norma penal em evidência, tendo o juízo processante a violado, ao admitir, em suma, a inaplicabilidade do disposto no próprio § 1º do art. 2º da Lei nº 12.850 /2013, apenas em face de interpretação meramente subjetiva, fundada, principalmente, no argumento de que membros de organizações criminosas não praticariam obstrução à Justiça dado que, segundo o sentenciante, "não sendo possível exigir do delinquente conduta escorreita, natural que ele tente esconder os rastros dos delitos cometidos anteriormente (v.g., destruindo celulares para apagar os registros de conversas incriminadoras). Cuida-se aqui, então, de simples 'post factum' impunível, já abarcado pelo tipo do art. 2º , 'caput', da Lei 12.850 /2013". 4. Após considerar a inexistência de consolidada jurisprudência nos tribunais superiores acerca da não aplicabilidade da norma inserta no próprio § 1º do art. 2º da Lei nº 12.850 /2013, em situações possivelmente assemelhadas à hipótese trazida à baila em seu apelo, dado o ineditismo da quaestio, instrui o Ministério Público Federal as suas razões recursais, a partir de copiosas manifestações doutrinárias, como também de arestos judiciais que entende servíveis à pretensão reformista, ao lado, também, da apresentação de narrativas fáticas dos acontecimentos - que entende criminosos - perpetrados pelos ora irecorridos, e que, assim sustenta o apelante, perfazeriam as elementares do tipo penal em evidência, tanto na forma tentada, quanto em sua modalidade consumada, pelo que foi reafirmado o propósito recursal reformista, no sentido de se reconhecer a necessidade de responsabilização penal dos mesmos "pelos fatos típicos descritos nos tópicos 1.1.3 (destruição de e-mails da conta melf.construtora@hotmail.com), 1.2.1 (retirada de documentos da sede da empresa MELF) e 1.2.2 (destruição e sonegação de aparelhos celulares) da denúncia. Patos, 03 de maio de 2019." 5. Os fundamentos sentenciantes de conteúdo absolutório, atacados no presente recurso ministerial, foram estruturados nos diapasões reproduzidos no voto, primeiramente, quanto à problematização, pelo sentenciante, erigida em torno da possibilidade, em nível de abstração, de cometimento da figura típica em questão - § 1º do art. 2º da Lei nº 12.850 /2013 -, a partir do delineamento dos muitos contornos teóricos e doutrinários que orbitam em torno de tal particularidade. 6. Ve-se, então, dos sólidos fundamentos estruturantes de cunho teórico, alinhavados pelo sentenciante - considerações gerais sobre o mérito das imputações -, inclusive com alguns paralelos radicados em arestos jurisprudenciais igualmente citados, que, indubitavelmente, milita inafastável plausibilidade jurídica em tais assertivas descriminantes, na medida em que se realça o fato de ao membro de ORCRIM, desde que inserido em contexto inerente à amplitude do espectro delituoso de tal associação de vulto, não dever prosperar o conhecimento da imputação, que se quer ver - o órgão acusador - autônoma, da conduta do art. 2º , § 1º , da Lei nº 12.850 /2013, visto que o embaraço ou o impedimento, por si sós, às investigações ou persecuções quanto aos delitos efetivamente configuradores de uma ORCRIM - estes já previstos no caput do art. 2º da mencionada lei -, através, por exemplo, da destruição de indícios e de material porventura incriminador, não gozariam de autonomia penal juridicamente relevante, porquanto "simples 'post factum' impunível, já abarcado pelo tipo do art. 2º , 'caput', da Lei 12.850 /2013, sem prejuízo de que o impedimento/ embaraço seja considerado na dosimetria da sanção, bem como enseje a decretação da prisão preventiva". 7. Faz-se, ainda, necessário transcrever a ressalva do sentenciante, quanto à hipótese, todavia, de cometimento da figura típica do art. 2º , § 1º , da Lei nº 12.850 / 2013, em situações alheias à ORCRIM, o que não seria o caso vertido nestes autos, verbis: "Apenas esclareço que isso não significa conceder ao membro da ORCRIM um salvo-conduto amplo e perpétuo para que cometa atos de embaraçamento/ impedimento: se a obstrução à justiça ocorrer fora do contexto de funcionamento daquela específica ORCRIM (v.g., embaraça a investigação de outro grupo criminoso), a solução exposta (impossibilidade de dupla condenação) não deve ser aplicada." (c/ grifos no original) 8. Ao prosseguir sua fundamentação absolutória, desta feita, a partir de incursão no cenário probatório dos autos, propriamente dito, considerou o sentenciante os argumentos que seguem transcritos no voto. Depreende-se, destas últimas transcrições das razões absolutórias, haver o magistrado de primeiro grau conferido ênfase ao fato de existirem, à época da prolação da Sentença aqui combatida, duas outras ações penais em que os ora recorridos M.F.L e M.E.L.F e outras pessoas foram denunciados pela prática da conduta típica representada no art. 2º , caput, da Lei 12.850 /2013, ao promoverem, constituírem, financiarem e integrarem, pessoalmente, organização criminosa - ORCRIM, daí, como anteriormente sustentado pelo julgador monocrático, a impropriedade da presente imputação, autônoma, de cometimento, por ambos, da conduta delituosa estipulada no art. 2º , § 1º , da Lei nº 12.850 /2013, por se tratar, como já pormenorizado, de "post factum impunível, já abarcado pelo tipo do art. 2º , 'caput', da Lei 12.850 /2013". 9. Assim, por tais razões sentenciantes, em tudo demonstradoras, pela abalizada fundamentação jurídica empregada, da impropriedade de se conferir, no caso concreto destes autos, relevante autonomia penal à figura típica do agir, aqui isoladamente considerado, previsto no art. 2º , § 1º , da Lei nº 12.850 /2013, é de se negar provimento ao apelo ministerial em causa. 10. Quanto ao recurso interposto pela defesa de J.G.S., condenado à pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de reclusão - além de multa -, regime inicial semiaberto de cumprimento de pena, pela prática do crime (consumado) tipificado no art. 2º , § 1º , da Lei nº 12.850 /2013, através das razões recursais de Id. XXXXX.16014843, exclusivamente, quanto a aspectos dosimétricos do referido decreto condenatório, é de se considerar adequadamente justificado a promover o necessário decréscimo do quantum da pena corporal, inclusive com base na anuência apresentada pelo Custos Legis, em sede do Parecer de nº 23.908/2019 (Id. XXXXX.18290857), notadamente em face de haver servido, em algum grau, a confissão - de desfazimento do aparelho celular - em debate como elemento, concorrente, de convicção, para a procedência da imputação e a aplicação da reprimenda penal correspondente. 11.Com efeito, aduz o recurso de J.G.S., exclusivamente - sem nenhuma irresignação voltada a desconstituir os fundamentos de mérito da responsabilização penal -, acerca da ocorrência de indevida exasperação no quantum da pena, revelando-se, então, em tudo desproporcional, porquanto, ainda segundo a defesa, não foram considerados, adequadamente, os bons antecedentes do réu, a sua livre disposição em cooperar com os atos processuais e chamamentos judiciais, além de ser merecedor, por haver cooperado para a elucidação dos fatos, da incidência da atenuante da confissão, para o fim de o quantitativo da pena atingir o patamar minimamente previsto em lei, à luz, inclusive de precedentes jurisprudenciais que indicou. Pugnou, então, a defesa, pela reforma parcial do julgado. 12. Ve-se, do inteiro teor da Sentença de Id. XXXXX.3609693, que, em que pese J.G.S. haver sido absolvido, nos termos do art. 386 , III , do CPP ("não constituir o fato infração penal") da imputação de cometimento do delito de destruição de mensagens de SMS, foi, entretanto, responsabilizado penalmente pela prática da conduta do art. 2º , § 1º , da Lei nº 12.850 /2013, por haver ocultado seu aparelho telefônico celular. Realce-se, por necessário, haver o sentenciante registrado, em coerência com os fundamentos absolutórios empregados em relação aos recorridos M.F.L e M.E.L.F, não haver, no âmbito da "Operação Recidiva", denúncia de cometimento, por J.G.S., da figura típica do art. 2º , caput, da Lei nº 12.850 /2013, daí a possibilidade de sua responsabilização penal, em caráter autônomo, unicamente em face da disposição antijurídica prevista no art. 2º , § 1º , da Lei nº 12.850 /2013. 13. É de se concluir, à míngua de elementos recursais técnica e juridicamente aptos a servir à modificação dos fundamentos utilizados pelo sentenciante, quando da fixação da pena-base, que, por outro lado, ainda que não decisivamente influente, no caso concreto, à responsabilização penal do apelante, é fato que houve, em certo grau, a integração da confissão do réu - de desfazimento do seu aparelho celular - ao alicerce condenatório descrito no veredicto, sendo o bastante para o reconhecimento, nesta instância revisional, da incidência da atenuante prevista no art. 65 , III , 'd', do Código Penal , a ter sua aplicação na segunda fase do cômputo dosimétrico, por força do enunciado da Súmula nº 545/STJ. 14. De forma que, idônea e fundamentadamente, fixada a pena-base em 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de reclusão, é de se aplicar a aludida atenuante, para o fim de promover o decréscimo de 6 (seis) meses, tornando-a definitiva em 4 (quatro) anos de reclusão, sob o regime inicial semiaberto, promovendo-se, contudo, a sua substituição, nos moldes do art. 44 do Código Penal , em 2 (duas) penas restritivas de direitos, cuja modalidade e acompanhamento ficam a critério do douto juízo da execução penal, mantidos todos os demais termos e comandos sentenciantes, visto que não colidentes com a parcial reforma ora implementada. 15. Negado provimento ao recurso ministerial. Provido, somente em parte, o apelo do réu.