RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ART. 543-B DO CPC . REPERCUSSÃO GERAL. ART. 5º , XL , DA CONSTITUIÇÃO . ESTATUTO DO DESARMAMENTO (LEI Nº 10.826 /03). CRIME DE POSSE DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO. PRAZO PARA REGULARIZAÇÃO. MEDIDA PROVISÓRIA Nº 417 /2008. NATUREZA JURÍDICA. APLICABILIDADE AOS FATOS PRATICADOS NO PERÍODO EM QUE VEDADO O REGISTRO DA ARMA DE FOGO. ABOLITIO CRIMINIS TEMPORÁRIA. NÃO CONFIGURAÇÃO. IRRETROATIVIDADE. PRECEDENTES. RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO. 1. O Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826 /03) favoreceu os possuidores e proprietários de arma de fogo com duas medidas: (i) permitiu o registro da arma de fogo (art. 30) ou a sua renovação (art. 5º, § 3º); e (ii) facultou a entrega espontânea da arma de fogo à autoridade competente (art. 32). 2. A sucessão legislativa prorrogou diversas vezes o prazo para as referidas medidas, a saber: (i) o Estatuto do Desarmamento , cuja publicação ocorreu em 23 de dezembro de 2003, permitiu aos proprietários e possuidores de armas de fogo tanto a solicitação do registro quanto a entrega das armas no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, após a publicação do diploma; (ii) após a edição das leis 10.884 /2004, 11.119 /2005 e 11.191 /2005, o prazo final para solicitação do registro de arma de fogo foi prorrogado para 23 de junho de 2005, enquanto o termo final para entrega das armas foi fixado em 23 de outubro de 2005; (iii) a Medida Provisória nº 417 (convertida, posteriormente, na Lei nº 11.706 /08), cuja publicação ocorreu em 31 de janeiro de 2008, alargou o prazo para registro da arma de fogo até a data de 31 de dezembro de 2008, bem como permitiu, sine die, a entrega espontânea da arma de fogo como causa de extinção da punibilidade; (iv) por fim, a Lei nº 11.922 /2009, cuja vigência se deu a partir de 14 de abril de 2009, tornou a prolongar o prazo para registro, até 31 de dezembro de 2009. 3. A construção jurisprudencial e doutrinária, conquanto inexistente previsão explícita de abolitio criminis, ou mesmo de que a eficácia do delito previsto no art. 12 do Estatuto do Desarmamento estaria suspensa temporariamente, formou-se no sentido de que, durante o prazo assinalado em lei, haveria presunção de que o possuidor de arma de fogo irregular providenciaria a normalização do seu registro (art. 30). 4. O art. 12 do Estatuto do Desarmamento , que prevê o crime de posse de arma de fogo de uso permitido, passou a ter plena vigência ao encerrar-se o interstício no qual o legislador permitiu a regularização das armas (até 23 de junho de 2005, conforme disposto na Medida Provisória nº 253 , convertida na Lei nº 11.191 /2005), mas a Medida Provisória nº 417 , em 31 de janeiro de 2008, reabriu o prazo para regularização até 31 de dezembro do mesmo ano. 5. No caso sub judice, a vexata quaestio gira em torno da aplicabilidade retroativa da Medida Provisória nº 417 aos fatos anteriores a 31 de janeiro de 2008, à luz do art. 5º , XL , da Constituição , que consagra a retroatividade da lex mitior, cabendo idêntico questionamento sobre a retroeficácia da Lei nº 11.922 /2009 em relação aos fatos ocorridos entre 1º de janeiro de 2009 e 13 de abril do mesmo ano. 6. Consectariamente, é preciso definir se a novel legislação deve ser considerada abolitio criminis temporária do delito previsto no art. 12 da Lei nº 10.826 /03, caso em que impor-se-ia a sua eficácia retro-operante. 7. O possuidor de arma de fogo, no período em que vedada a regularização do registro desta, pratica conduta típica, ilícita e culpável, porquanto cogitável a atipicidade apenas quando possível presumir que o agente providenciaria em tempo hábil a referida regularização, à míngua de referência expressa, no Estatuto do Desarmamento e nas normas que o alteraram, da configuração de abolitio criminis. 8. A jurisprudência desta Corte é assente no sentido de que, verbis: “I - A vacatio legis de 180 dias prevista nos artigos 30 e 32 da Lei 10.826 /2003, com a redação conferida pela Lei 11.706 /2008, não tornou atípica a conduta de posse ilegal de arma de uso restrito. II – Assim, não há falar em abolitio criminis, pois a nova lei apenas estabeleceu um período de vacatio legis para que os possuidores de armas de fogo de uso permitido pudessem proceder à sua regularização ou à sua entrega mediante indenização. III – Ainda que assim não fosse, a referida vacatio legis não tem o condão de retroagir, justamente por conta de sua eficácia temporária” ( RHC 111637 , Relator (a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 05/06/2012). Em idêntico sentido: HC 96168 , Relator (a): Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 09/12/2008. 9. O Pretório Excelso, pelos mesmos fundamentos, também fixou entendimento pela irretroatividade do Estatuto do Desarmamento em relação aos delitos de posse de arma de fogo cometidos antes da sua vigência ( HC 98180 , Relator (a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 29/06/2010; HC 90995 , Relator (a): Min. MENEZES DIREITO, Primeira Turma, julgado em 12/02/2008). 10. In casu: (i) o Recorrido foi preso em flagrante, na data de 27 de dezembro de 2007, pela posse de arma de fogo e munição (um revólver Taurus, calibre 22, nº 97592, com seis munições intactas do mesmo calibre; uma cartucheira Rossi, calibre 28, nº 510619; um Rifle CBC, calibre 22, nº 00772; uma espingarda de fabricação caseira, sem marca visível; uma espingarda Henrique Laport, cano longo; uma espingarda de marca Rossi, calibre 36, nº 525854; nove cartuchos, sendo cinco de metal e cheios, calibre 28, e quatro de plástico, calibre 20, intactos), bem como por ocultar motocicletas com chassis adulterados; (ii) o ora Recorrido foi condenado, em primeira instância, à pena de 08 (oito) anos de reclusão pela prática dos crimes previstos no art. 12 da Lei nº 10.826 /03, no art. 180, §§ 1º e 2º, e no art. 311, ambos do Código Penal; (iii) o Tribunal de Justiça de Goiás reformou em parte a sentença para absolver o Recorrido das imputações do art. 12 da Lei nº 10.826 /03, com base no art. 386 , V , do CPP . 11. Ex positis, dou provimento ao Recurso Extraordinário do Ministério Público para restabelecer a sentença condenatória de primeira instância, ante a irretroatividade da norma inserida no art. 30 da Lei nº 10.826 /03 pela Medida Provisória nº 417 /2008, considerando penalmente típicas as condutas de posse de arma de fogo de uso permitido ocorridas após 23 de junho de 2005 e anteriores a 31 de janeiro de 2008.
Encontrado em: . - Acórdão (s) citado (s): (POSSE IRREGULAR DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO, VACATIO LEGIS, ESTATUTO DO DESARMAMENTO, AUSÊNCIA, "ABOLITIO CRIMINIS") RHC 86723 (2ªT), HC 96168 (2ªT), HC 109100 (1ªT),...(POSSE IRREGULAR DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO, CRIME ANTERIOR, ESTATUTO DO DESARMAMENTO, IRRETROATIVIDADE) HC 90995 (1ªT), HC 98180 (1ªT)....(POSSE IRREGULAR DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO, ESTATUTO DO DESARMAMENTO , ENTREGA ESPONTÂNEA, AUTORIDADE COMPETENTE) RHC 106358 (1ªT). Número de páginas: 20. Análise: 14/04/2014, RAF.
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. POSSE DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO. POSSE DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO COM NUMERAÇÃO SUPRIMIDA. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. OMISSÃO. OBSCURIDADE. INOCORRÊNCIA. O julgado não apresenta omissão ou obscuridade, porque se manifestou explicitamente quanto ao ponto, reconhecendo a incidência do instituto da consunção entre o delito de posse ilegal de arma de fogo de uso permitido e posse ilegal de arma de fogo de uso permitido com numeração suprimida.EMBARGOS DESACOLHIDOS.
PENAL. POSSE DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO. AUTORIA E MATERIALIDADE. PROVAS Autoria e materialidade do crime de posse de arma de fogo de uso permitido comprovada pela respectiva apreensão e pelos depoimentos policiais, corroborados pela confissão, ainda que parcial, do acusado, bem como pelo relato da vítima em processo de violência doméstica e familiar contra a mulher. A posse irregular de arma de fogo é crime de perigo abstrato e de mera conduta, constituindo ameaça à coletividade, não se exigindo, para a sua configuração, a ocorrência de resultado lesivo. Pena bem dosada, atendidos os critérios dos art. 59 e 68 do CP . Apelo desprovido.
POSSE DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL POR FALTA DE JUSTA CAUSA. IMPOSSIBILIDADE. 1 - Se não houve a regularização do registro da arma de fogo (de uso permitido), consoante os ditames do Estatuto do Desarmamento , em vigor desde 2003, não aproveita à defesa a alegação de que ocorreu mera expiração do registro, pois que, este, sequer, existe, conforme a lei de regência. Em tal caso, não há como reconhecer atípica a conduta. 2 - Recurso ordinário não provido.
APELAÇÕES CRIME. RECEPTAÇÃO E POSSE DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO. POSSE IRREGULAR DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO. Materialidade a autoria penalmente comprovadas, porquanto restou apreendida, na residência do réu Claiton, uma espingarda calibre .12 com numeração raspada. Réu que confessou a prática do crime. Conjunto probatório que autoriza a condenação. RECEPTAÇÃO. Materialidade comprovada. Autoria duvidosa. Não restou comprovado na instrução probatória que o réu ocultou, em proveito próprio ou alheio, uma pistola e munições sabendo que era produto de crime. É seguro que não se pode prolatar uma decisão desfavorável com base em conjecturas, sob pena de se ferir o princípio do in dubio pro reo. Impositiva a absolvição, com base no artigo 386 , inciso VII , do Código de Processo Penal . DOSIMETRIA DA PENA. PENA-BASE. Pena-base mantida no mínimo legal. REGIME DE CUMPRIMENTO DE PENA. Mantido o regime aberto, com base no artigo 33 , § 2º , c, do Código Penal . PENA DE MULTA. Manutenção da sentença que impôs pena pecuniária no mínimo legal. SUBSTITUIÇÃO. Viável a substituição da pena privativa de liberdade por uma pena restritiva de direitos (artigo 44 do Código Penal ), consistente em prestação pecuniária, porém necessário reduzir seu valor. APELAÇÃO MINISTERIAL DESPROVIDA.... APELAÇÃO DEFENSIVA PARCIALMENTE PROVIDA ( Apelação Crime Nº 70078156809 , Sexta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak, Julgado em 27/11/2018).
PENAL. AMEAÇA. POSSE DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO. TIPICIDADE. O crime de ameaça é delito formal que se consuma no instante em que a vítima toma conhecimento da ameaça idônea e séria, capaz de atemorizar, não se exigindo que seja proferida com ânimo calmo e refletido. O crime de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido é de mera conduta e de perigo abstrato, sendo irrelevante a mesma estar desmuniciada para a configuração do delito. Penas dos crimes de ameaça reduzidas. Apelo provido em parte.
POSSE DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO. Preliminar. Direito de recorrer em liberdade. Afastado. Confirmação da condenação e fundamentos da custodia que permanecem presentes. DOSIMETRIA DA PENA. Pena-base. Reduzida. Fundamento de que a arma estava municiada, não pode servir de aumento já que caracteriza a própria gravidade abstrata do tipo penal, não representando maior potencial ofensivo da conduta. Substituição da pena privativa de liberdade. Não aplicada. Reincidência. Perdimento dos bens. Possibilidade. Ausência de comprovação de que os objetos foram adquiridos ilicitamente, bem como constatação de vinculo com este ou outro crime. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
APELAÇÃO CRIMINAL. POSSE DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO E POSSE DE ARMA DE FOGO DE USO RESTRITO. DESCLASSIFICAÇÃO DO DELITO PREVISTO NO ARTIGO 16 , DA LEI N. 10.826 /03 PARA O CRIME DE POSSE DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO. PROVIDO. DECRETO 9.847 /19. NOVATIO LEGIS IN MELLIUS. 1. O Decreto 9.847 /19 manteve a ampliação do conceito de arma e munição de uso permitido promovida pelo Decreto 9.785/2019, de 7/5/2019 e, por conseguinte, alterou o tratamento penal dos arts. 12 , 14 , 16 e 19 do Estatuto do Desarmamento . Tratando-se de inovação legislativa favorável ao réu, deve ser aplicada, implicando na desclassificação do delito. ABSOLVIÇÃO. ATIPICIDADE DA CONDUTA, POR AUSÊNCIA DE OFENSIVIDADE AO BEM PROTEGIDO. 2. A ausência de ofensa concreta ao bem jurídico tutelado não afasta a tipicidade do delito do art. 12 , da Lei nº 10.826 /03, de mera conduta e de perigo abstrato, cujo bem protegido é a segurança pública, caracterizado pela realização do comportamento proibido, bastando o processado possuir arma de fogo de uso permitido, em desacordo com determinação legal ou regulamentar, prescindível a efetividade de lesão, suficiente a exposição a risco (ofensa presumida), irrelevante o fato de estar desmuniciada, ou mesmo o estado ruim de conservação, atestada a aptidão para realizar disparos pela prova técnica. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. 3. É inaplicável, ao delito de posse de arma de fogo, tipificado pelo art. 12 , da Lei nº 10.826 /03, o princípio da insignificância penal, ao propósito de afastar a tipicidade material do delito, pela inexpressividade da conduta praticada, eis que dispensável a utilização ostensiva do artefato, tratando-se de crime perigo abstrato, cujo comportamento atinge a segurança pública e a paz social, não consubstanciando um indiferente. EXCLUSÃO DE UMA DAS SANÇÕES RESTRITIVAS DE DIREITOS. 4. Se a pena corpórea for igual ou inferior a 01 ano, pode ser substituída por apenas uma restritiva de direitos, nos termos do artigo 44 , § 2º , 1ª parte, do CP . APELO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.
POSSE DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO. Artigo 12 da Lei nº 10.826 /03. Conduta de guardar, em casa, uma espingarda, tipo garrucha, Rossi, calibre 22, a qual, segundo o laudo pericial, estava apta a realização de disparos. Prova oral e pericial. Confissão do réu corroborada pelo depoimento dos policiais responsáveis pela apreensão do armamento. Pretendida absolvição por insuficiência probatória. Inadmissibilidade. Crime de perigo abstrato. Inexigibilidade de comprovação do risco concreto à incolumidade pública. Condenação mantida. Penas mínimas aplicadas (01 ano de detenção, no regime aberto, mais 10 dias-multa, com substituição da privativa de liberdade por prestação de serviços à comunidade). Apelo desprovido.