Tribunal de Justiça do Estado da Bahia PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA TURMA RECURSAL - PROJUDI PADRE CASIMIRO QUIROGA, LT. RIO DAS PEDRAS, QD 01, SALVADOR - BA ssa-turmasrecursais@tjba.jus.br - Tel.: 71 3372-7460 TERCEIRA TURMA RECURSAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA BAHIA. Recurso nº: XXXXX-96.2023.8.05.0244 Recorrente: JOSELITA MARIA FERREIRA Recorridas: BANCO BMG S A Juíza Relatora: IVANA CARVALHO SILVA FERNANDES EMENTA RECURSO INOMINADO. PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE PREENCHIDOS. DIREITO DO CONSUMIDOR. DECISÃO MONOCRÁTICA (ART. 15, XI, DA RESOLUÇÃO Nº 02, DE 10 DE FEVEREIRO DE 2021 - REGIMENTO INTERNO DAS TURMAS RECURSAIS E ART. 932 DO CPC ). TEMA SEDIMENTADO. DIREITO DO CONSUMIDOR. EMPRÉSTIMO DE CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO SEM ANUÊNCIA DO CONTRATANTE. AUSÊNCIA DE DECADÊNCIA OU PRESCRIÇÃO TOTAL DA COBRANÇA. POSSIBILIDADE DE VERIFICAÇÃO JUDICIAL. DEVOLUÇÃO DAS PARCELAS DE ENCARGOS DE FORMA SIMPLES E SUJEITA À PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. DANOS MORAIS NÃO CONFIGURADOS. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO EM PARTE. DECISÃO MONOCRÁTICA Dispensado o relatório nos termos claros do artigo 46 da Lei n. º 9.099 /95. Inicialmente, verifico presentes as condições de admissibilidade do recurso, razão pela qual dele conheço. Rejeito e preliminar de complexidade da causa, reiterada em sede recursal, pelos mesmos motivos expostos na sentença recorrida. A parte ré teve oportunidade de fazer as provas que entende cabíveis. Há, nos autos, as provas necessárias ao deslinde da lide. Ab initio, a presente ação, tratando-se de relação de trato sucessivo, a prescrição deve ser contada a partir da data de vencimento da última parcela do contrato, de modo que somente estarão prescritas a parcelas anteriores ao quinquênio do ajuizamento da ação, nos termos do art. 27 do CDC , pois o caso em tela, entende esta Magistrada que se trata de fato do serviço, cujo termo inicial se dá com o fim dos descontos, razão pela qual não há que se falar em sua consumação. Inclusive, é neste sentido a jurisprudência: EMPRÉSTIMO CONSIGNADO EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. PRAZO PRESCRICIONAL. CINCO ANOS. ART. 27 DO CDC . TERMO INICIAL. ÚLTIMO DESCONTO. PRECEDENTES. APELO DESPROVIDO. 1. Segundo a jurisprudência do STJ e desta Corte, para a contagem do prazo prescricional quinquenal previsto no Art. 27 do CDC , o termo inicial a ser observado é a data em que ocorreu a lesão ou pagamento, o que se dá com o último desconto do empréstimo consignado no benefício previdenciário da parte autora. 2. Na hipótese dos autos, considerando que o último desconto da parcela contratual ocorreu em 08/08/2009 e a ação foi ajuizada em 07/11/2018, com regular citação do demandado, consumou-se a prescrição quinquenal. 3. Apelo desprovido. (TJ/TO - Apelação APL XXXXX20198270000 , Rel. Ronaldo Eurípedes de Souza , Data de publicação: 24/04/2019)..PRESCRIÇÃO DO FUNDO DE DIREITO. RELAÇÃO DE TRATO SUCESSIVO. TERMO INICIAL. VENCIMENTO DA ÚLTIMA PARCELA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1 - Tratando-se de ata obrigação de trato sucessivo (contrato de empréstimo consignado), onde a violação do direito ocorre de forma contínua, mês a mês, o termo inicial da prescrição é a data correspondente ao vencimento da última parcela e não ao da primeira. Prescrição afastada. Precedentes. 2 - Sentença reformada e determinado o retorno dos autos ao juízo de origem para regular processamento do feito. 3 - Recurso conhecido e provido. (TJ/PI - Apelação Cível AC XXXXX20168180094 , Rel. Des. Oton Mário José Lustosa Torres , Data de publicação: 19/12/2017). Ratifique-se que jurisprudência do STJ se firmou no sentido de considerar como termo inicial o último desconto do mútuo da conta do benefício da parte autora. Nesse sentido: PROCESSUAL CIVIL. CONSUMIDOR. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. IRRESIGNAÇÃO MANIFESTADA NA VIGÊNCIA DO NCPC . AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE NEGÓCIO JURÍDICO CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. PRAZO PRESCRICIONAL. CINCO ANOS. ART. 27 DO CDC . TERMO INICIAL. ÚLTIMO DESCONTO. DECISÃO EM CONFORMIDADE COM O ENTENDIMENTO DESTA CORTE. PRESCRIÇÃO RECONHECIDA NA ORIGEM COM BASE NOS FATOS DA CAUSA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 7 DO STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO COMPROVADO ANTE A INCIDÊNCIA DOS ÓBICES SUMULARES. INCIDÊNCIA DA MULTA PREVISTA PELO ART. 1.021 , § 4º , DO NCPC . AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO, COM IMPOSIÇÃO DE MULTA. [...]. 2. O Tribunal a quo dirimiu a controvérsia em conformidade com a orientação firmada nesta Corte, no sentido de que, para a contagem do prazo prescricional quinquenal previsto no art. 27 do CDC , o termo inicial a ser observado é a data em que ocorreu a lesão ou pagamento, o que, no caso dos autos, se deu com o último desconto do mútuo da conta do benefício da parte autora. Incidência da Súmula nº 568 do STJ, segundo a qual, o relator, monocraticamente e no Superior Tribunal de Justiça, poderá dar ou negar provimento ao recurso quando houver entendimento dominante acerca do tema. 3. Para modificar o termo inicial firmado no acórdão recorrido, para efeito de contagem do início de fluência da prescrição nos autos, seria imprescindível derruir a afirmação contida no decisum atacado, o que, forçosamente, ensejaria em rediscussão de matéria fática, incidindo, na espécie, o óbice contido na Súmula nº 7 do STJ. (STJ - AgInt no AREsp: XXXXX MS XXXXX/XXXXX-2, Relator: Ministro MOURA RIBEIRO , Data de Julgamento: 20/05/2019, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 28/05/2019). (grifo nosso). Logo, verifica-se que o último desconto não ocorrera em prazo superior a cinco anos do ingresso da presente ação. Desse modo, não há de se falar em prescrição. Ademais, nas prestações de trato sucessivo, tendo em vista que a lesão se renova a cada mês em que ocorre o desconto indevido, não há que falar em prazo prescricional ou decadencial. Passo a analisá-lo monocraticamente, com a fundamentação aqui expressa, porquanto se trata de matéria pacífica na jurisprudência das Turmas Recursais (processos nº XXXXX-52.2022.8.05.0201 XXXXX-96.2023.8.05.0001 XXXXX-03.2022.8.05.0001 XXXXX-37.2021.8.05.0244 , XXXXX-37.2021.8.05.0244 , XXXXX-53.2022.8.05.0244 , XXXXX-37.2023.8.05.0001 , XXXXX-03.2022.8.05.0001 , XXXXX-90.2023.8.05.0001 , XXXXX-93.2022.8.05.0001 , XXXXX-93.2022.8.05.0244 , XXXXX-33.2022.8.05.0103 , XXXXX-41.2022.8.05.0146 , XXXXX-74.2022.8.05.0057 , XXXXX-45.2020.8.05.0244 , XXXXX-52.2021.8.05.0103 , XXXXX-74.2022.8.05.0057 , XXXXX-45.2020.8.05.0244 e nº XXXXX-69.2022.8.05.0057 , XXXXX-21.2021.8.05.0057 , XXXXX-95.2021.8.05.0078 , XXXXX-56.2022.8.05.0001 , XXXXX-70.2021.8.05.0211 , XXXXX-85.2019.8.05.0001 , XXXXX-57.2021.8.05.0063 e XXXXX-41.2020.8.05.0001 , XXXXX-53.2021.8.05.0001 , XXXXX-54.2021.8.05.0230 ), conforme Enunciado n. 103 do FONAJE, art. 932 , IV do CPC e art. 15, XI, XII e XIII do Regimento interno das Turmas Recursais deste Estado. A parte autora afirma que, desejava contratar empréstimo consignado junto à Ré, mas, após a celebração do contrato, a parte autora foi surpreendida com descontos mensais no seu benefício, - Cartão de Crédito – RMC; almeja a declaração de abusividade das cobranças, a restituição em dobro dos importes indevidamente lançados, cumulado com indenização por danos morais face as cobranças indevidas. A Ré, por sua vez expõe a legalidade do contrato, inexistência de ato ilícito e danos materiais e morais. Cuida o presente recurso interposto pela parte Autora, protestando pela reforma da sentença, conforme transcrevo a seguir: (...) Desta forma, sugiro que a presente ação seja JULGADA IMPROCEDENTE para reconhecer a incidência dos efeitos da decadência e da prescrição nos pleitos autorais, nos termos dos artigos 178 e 206 , § 3º , V do Código Civil . Assim, diante das provas coligidas nos autos, data vênia, entendo que a decisão do Juízo primevo merece ser reformada. Inclusive, a parte autora não nega ter realizado negócio jurídico com a ré, mas afirma que contratou empréstimo consignado, sendo-lhe imposto um cartão de crédito consignado – RMC. Em suma, os elementos probatórios construídos corroboram com a narrativa da parte Autora no sentido de que não tinha intenção de contratar cartão de crédito com reserva de margem consignável, mas sim empréstimo consignado com pagamento de valores fixos, portanto. Ademais, das provas acostadas aos autos, verifica-se que, de fato, foram disponibilizados à Recorrente os valores do empréstimo contratado, contudo a Recorrente afirma que sua intenção de contratar um empréstimo consignado, tendo feito uso dos valores dele decorrente, embora não tenha entendido a sua sistemática. Nas faturas anexadas pela ré (ev. 12), comprova-se que não houve utilização do cartão de crédito consignado em compras, mas apenas como saque de empréstimos. Neste diapasão verifica-se que, in casu, houve violação do disposto no inciso II , alínea d do art. 4º do CDC , ou seja, não garantiu o serviço nos padrões de confiabilidade e qualidade, violando ainda, o dever de informação capitulado no art. 6º , III . do CDC . Destarte, registro a hipótese de entendimento sedimentado por este Colegiado acerca da matéria devolvida em sede recursal, qual seja, a necessidade de atendimento ao ônus probatório, cabendo à parte que alega a prova dos fatos constitutivos do seu direito. No caso dos autos, ao juiz é permitido restabelecer o equilíbrio entre a instituição financeira e os consumidores quando houver onerosidade excessiva decorrente ou não de fatos supervenientes, podendo promover a exclusão das cláusulas e condições que estabeleçam prestações desproporcionais (art. 6º , V , do CDC ), bem como a revisão das que forem excessivamente onerosas, reconhecendo a abusividade ou o desacordo com o sistema de proteção ao consumidor (art. 51 , IV e XV , do CDC ), privilegiando a interpretação que lhe seja mais favorável (art. 47 , CDC ). Essas transações, que muitas vezes se iniciam pela realização de contrato de empréstimo, como no presente caso, são abusivas, pois deveria haver limitação do número de parcelas a serem pagas pela parte autora. Contudo, o que vem acontecendo é o desconto ilimitado de parcelas a título de reserva de margem consignável. Tal conduta mostra-se abusiva e coloca o consumidor em desvantagem exagerada, logo, é nula de pleno direito, nos termos do art. 51 , inciso IV , do Código de Defesa do Consumidor . Em vista de tais razões e em homenagem ao princípio da primazia do julgamento do mérito, reformo a sentença. Assim, quanto ao dano material, o consumidor tem direito à restituição dos valores descontados, na forma simples, eis que a repetição do indébito em dobro, prevista no art. 42 , parágrafo único , do CDC , pressupõe a existência de má-fé do credor, o que não restou demonstrado nos autos. Nesse sentido já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça, nos autos da Reclamação nº 4.892/PR (2010/XXXXX-4), na qual se fixou o entendimento de que “a devolução em dobro dos valores pagos pelo consumidor somente é possível quando demonstrada a má-fé do credor” (STJ - Rcl: 4892/PR XXXXX/XXXXX-4, Relator: Ministro RAUL ARAÚJO , Data de Julgamento: 27/04/2011, S2 - SEGUNDA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 11/05/2011). Desta forma, entendo que o contrato – TERMO DE ADESÃO CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO deve ser anulado, fazendo jus a Recorrente a restituição aos valores pagos, e na forma simples, eis que a repetição do indébito em dobro, prevista no art. 42 , parágrafo único , do CDC , não é devida, ainda que a vontade da parte estivesse direcionada a outra modalidade de acordo, as cobranças realizadas decorreram da vontade manifesta e assinada, devendo proceder a compensação do valor recebido à época. Quanto ao pedido de condenação pelos danos morais sofridos, a despeito da falta de informação da Ré, entendo que não é possível imputar à instituição ré ato ilícito capaz de gerar dano indenizável, pressupostos presentes nos arts. 186 e 927 do CC , uma vez que as cobranças foram realizadas com fulcro no instrumento assinado entre as partes. Demais disso, no que refere ao dano moral, o desconto, por si só, não gera lesão a direito da personalidade do consumidor, sobretudo porque agiu a empresa em estrito cumprimento da cláusula contratual. Desse modo, e constatado que a sentença impugnada não observou o entendimento já consolidado, esta deve ser reformada. Ante o exposto, nos termos do art. 15, inc. XII, do Regimento Interno das Turmas Recursais, CONHEÇO e DOU PROVIMENTO EM PARTE ao RECURSO para reformar a sentença e declarar a nulidade do contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RCM), bem como dos débitos decorrentes da contratação e prestação do serviço, questionado (s) na presente ação, com consequente cancelamento do serviço/cobrança no prazo de 30 (trinta) dias a contar a partir da publicação desta decisão, sob pena de multa fixa de R$ 500,00 (quinhentos reais) por desconto indevido, determinar a restituição dos valores indevidamente descontados da conta do (a) autor (a), na forma simples, corrigido monetariamente e acrescida de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, contados da citação inicial, nos termos do art. 398 do CC e sujeita à prescrição quinquenal, assim como diante da situação peculiar dos presentes autos, deve-se operar a compensação dos valores devidos pela parte consumidora (saques/empréstimos) e pelo réu (mensalidades recebidas), nos mesmos moldes da restituição. Sem condenação em custas e honorários, nos termos do art. 55 da Lei no 9.099 /95. Em havendo embargos de declaração, as partes ficam, desde já, cientes de que "quando manifestamente protelatórios os embargos de declaração, o juiz ou o tribunal, em decisão fundamentada, condenará o embargante a pagar ao embargado multa não excedente a dois por cento sobre o valor atualizado da causa", nos termos do § 2º, art. 1.026 , CPC . Não havendo a interposição de mais recursos, após o decurso dos prazos recursais, deverá a Secretaria das Turmas Recursais certificar o trânsito em julgado e promover a baixa dos autos ao MM. Juízo de origem. Salvador (BA), Sala das Sessões, data da assinatura eletrônica. IVANA CARVALHO SILVA FERNANDES Juíza Relatora