TJ-SC - Apelação Criminal: APR XXXXX20148240064 São José XXXXX-98.2014.8.24.0064
APELAÇÃO CRIMINAL - PORTE ILEGAL DE MUNIÇÕES DE USO RESTRITO (ART. 16 , CAPUT, DA LEI Nº 10.826 /2003)- CONDENAÇÃO - RECURSO DA DEFESA. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO POR AUSÊNCIA DE PROVAS QUANTO À AUTORIA, BEM ASSIM DE PERIGO CONCRETO À INCOLUMIDADE PÚBLICA - TESES AFASTADAS - AUTORIA INCONTESTE - RÉU FLAGRADO TRANSPORTANDO O ARTEFATO BÉLICO NO PORTA-LUVAS DO SEU AUTOMÓVEL - ALEGAÇÃO DE QUE AS MUNIÇÕES PERTENCIAM A TERCEIRO QUE, SUPOSTAMENTE, TERIA ABORDADO O CARRO DO ACUSADO E ORDENADO A FUGA - INCOERÊNCIA - TENTATIVA DE FUGA QUE TEVE CONTINUIDADE, MESMO APÓS A EVASÃO DO SUPOSTO ASSALTANTE DE DENTRO DO VEÍCULO - AUSÊNCIA DE REGISTRO DA OCORRÊNCIA PELO ACUSADO - CRIME, ADEMAIS, DE MERA CONDUTA, BASTANDO PARA SUA CONSUMAÇÃO QUE O ACUSADO PRATIQUE UM DOS NÚCLEOS DO TIPO PENAL. I - A dúvida que propende à absolvição é aquela inexpugnável; conquistada a certeza da responsabilidade penal diante de farto conjunto probatório, inviável falar na aplicação do princípio in dubio pro reo. II - Para fins de condenação nos crimes previstos nos arts. 12, 14 e 16 da Lei n. 10.826 /2006, é indiferente que o porte/posse se refira a um armamento isolado, uma só munição, ou vários deles. O simples fato do agente possuir qualquer um deles, irregularmente, por caracterizar um crime de mera conduta e de perigo abstrato, já impõe serem atos ofensivos, perigosos socialmente, com alta reprovabilidade e com lesividade que não podem ser desconsiderados, até porque, o objetivo da norma não é a incolumidade pessoal, mas sim a segurança/paz coletiva que, invariavelmente, vê-se atingida com a que se diz "mero" ato de portar/possuir arma/munição de uso restrito. RECLASSIFICAÇÃO DAS CONDUTAS NARRADAS NA EXORDIAL ACUSATÓRIA - PROVIDÊNCIA DE OFÍCIO - INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 383 E 617 DO CPP - NOVA REGULAMENTAÇÃO DO ESTATUTO DO DESARMAMENTO - DECRETO N. 9.847 /2019 - MUNIÇÕES TRANSPORTADAS PELO ACUSADO QUE PASSARAM A SER DE USO PERMITIDO - RETROATIVIDADE BENÉFICA POR FORÇA CONSTITUCIONAL (ART. 5º, XL) E LEGAL ( CP , ART. 2º , PARÁGRAFO ÚNICO ). I - Os crimes trazidos no Estatuto do Desarmamento resultam de lei penal em branco, sendo os respectivos preceitos primários (conduta criminosa) complementados por ato do Chefe do Poder Executivo Federal (Lei n. 10.826 /03, art. 23 ). No caso, é a regulamentação presidencial, não o Estatuto, que define e classifica diferentes armas de fogo e demais produtos controlados; mais precisamente, portanto, é o regulamento do Presidente da República o responsável por enquadrar os artefatos bélicos nas diferentes espécies de uso (permitido, restrito e proibido). II - Com a constatação de que o regulamento atual, menos rigoroso em relação ao uso de determinados armamentos, é aproveitado pelo acusado, tem-se a sua retroatividade por força constitucional (art. 5º, XL) e legal ( CP , art. 2º , parágrafo único ). Assim, mantida inalterada a imputação fática constante da incoativa, cabe a reclassificação jurídica, de ofício, da conduta do acusado ( CPP , art. 383 c/c art. 617 ), a fim de que a condenação ocorra pelo crime previsto no art. 14 da Lei n. 10.826 /03. RECURSO DESPROVIDO, COM A RECLASSIFICAÇÃO, DE OFÍCIO, DA CONDUTA OBJETO DA CONDENAÇÃO.