ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI 8.429 /92. ARTIGO 10, INCISO VIII. CONVÊNIO. IRREGULARIDADES NA LICITAÇÃO E NA AQUISIÇÃO DE VEÍCULO PARA UTILIZAÇÃO COMO UNIDADE MÓVEL DE SAÚDE. AUSÊNCIA DE DOLO OU CULPA GRAVE. ATENDIMENTO DO OBJETO DO CONVÊNIO. INEXISTÊNCIA DE ATO ÍMPROBO. APELAÇÃO DOS REQUERIDOS PROVIDA. SENTENÇA REFORMADA. PEDIDO IMPROCEDENTE. APELAÇÃO DA UNIÃO PREJUDICADA. 1. Apelações interpostas pelos requeridos e pela União contra sentença que, em ação civil pública de improbidade administrativa, julgou procedente o pedido que objetivava a condenação dos requeridos pelas supostas irregularidades cometidas em certame licitatório para aquisição de uma unidade móvel de saúde para o município de Conceição do Jacuípe/BA. 2. Sustenta a União, na inicial, que além da existência de diversas irregularidades no procedimento licitatório, o município realizou a licitação na modalidade Convite ao invés da Tomada de Preços, modalidade essa compatível com os valores objeto do convênio (R$ 110.000,00) , fracionando indevidamente o objeto da licitação em dois procedimentos apartados: Convite nº 004/2004, para aquisição do veículo, e Convite nº 005/2004, para aquisição dos equipamentos, o que permitiria a escolha das empresas participantes dos certames. 3. Tendo em vista que a ação foi proposta pela própria pessoa jurídica interessada, União, cuidando-se a causa de malversação de verbas federais repassadas ao município pelo Ministério da Saúde, por meio da FUNASA (art. 17 , caput, da Lei 8.429 /92), rejeita-se a preliminar de nulidade do processo por falta de intimação do município para integrar a lide como litisconsorte ativo necessário. 4. Analisando os elementos constantes dos autos, verifica-se que não obstante os requeridos, nas condições de prefeito e de presidente da Comissão de Licitação do município de Conceição do Jacuípe/BA, tenham atuado de forma inadequada ao fracionar a licitação para a contratação de serviço de fornecimento de uma unidade móvel de saúde, não se evidencia, contudo, que tenham agido com dolo ou mesmo culpa grave a caracterizar a prática de conduta ímproba. 5. Ainda que constatado o equívoco no procedimento licitatório pela não utilização da modalidade de licitação Tomada de Preços, uma vez que os dois procedimentos licitatórios somados ultrapassavam o valor limite de R$ 80.000,00 para a modalidade Convite (art. 23 , II , letra a , da Lei 8.666 /93), em nenhum momento o Ministério Público Federal afirma que não houve a efetiva entrega do veículo e dos equipamentos médicos contratados ou mesmo que os preços foram superfaturados. 6. Da mesma forma, também não apontou o MPF que os demandados tivessem se enriquecido ilicitamente, nem que direcionaram a contratação das pessoas jurídicas que se sagraram vencedoras dos certames, no caso, as empresas Klass Comércio e Representação Ltda. (Convite nº 004/2004) e Unisau Comércio e Indústria Ltda. (Convite nº 005/2004), a fim de favorecê-las indevidamente, uma vez que não há nos autos nenhum elemento que indique que os responsáveis pelas empresas mantinham amizade ou algum relacionamento com os requeridos. 7. Embora o parecer da Auditoria nº 4.747/2007, realizado pelo DENASUS, tenha identificado irregularidades nos processos licitatórios realizados pelo município, ficou expressamente consignado que não foi possível constatar prejuízo ao erário na aquisição da unidade móvel de saúde. 8. Em relação a não aplicação dos recursos no mercado financeiro, no período entre o repasse das verbas e o pagamento das empresas vencedoras das licitações, não há demonstração nos autos de que tal fato caracterize improbidade administrativa, porquanto não comprovada a intenção do agente de burlar a lei ou prejudicar a Administração Pública, além de que tendo sido apurado débito relativo ao convênio firmado com a União, houve o reconhecimento e o parcelamento da dívida por parte da ex-prefeita, o que evidencia a ausência de dolo na conduta da ex-gestora municipal. Precedente: AC XXXXX-11.2012.4.01.3701 , Rel. Desembargadora Federal Mônica Sifuentes, Terceira Turma, PJe 10/06/2020. 9. No que diz respeito ao fracionamento da licitação, verifica-se que foi pago para a aquisição do veículo (ônibus) o valor de R$ 68.000,00 e para os equipamentos médicos o montante de R$ 42.000,00, ou seja, o valor total de R$ 110.000,00, quantia exatamente igual ao valor total do convênio, razão por que não há falar em prejuízo ao erário. 10. Além disso, o art. 23 , § 5º , da Lei 8.666 /93 que veda a utilização da modalidade convite ou tomada de preços para parcelas de uma mesma obra ou serviço, sempre que o somatório de seus valores caracterizar o caso de tomada de preços ou concorrência , excepciona os casos de parcelas de natureza específica que possam ser executadas por pessoas ou empresas de especialidade diversa daquela do executor da obra ou serviço, o que parece se amoldar ao caso dos autos, uma vez que, dada a especificidade dos serviços contratados, foi feito um convite para as empresas que pudessem apresentar proposta apenas para fornecimento do ônibus, e outro convite apenas para as empresas que poderiam fornecer os equipamentos médicos. 11. É verdade que consta dos autos que a empresa Pallas Ltda. teria participado do certame, mas, segundo se teria apurado, não teve a referida pessoa jurídica conhecimento do certame, o que evidencia irregularidade no procedimento licitatório. Porém, tal fato, por si só, sem outros elementos mais robustos, não comprova a alegada montagem do certame, porquanto não demonstrado que as empresas vencedoras obtiveram claro favorecimento na licitação, além de que não se tem notícia de que alguma empresa ou a própria Pallas Ltda. tenha impugnado a realização e/ou o resultado do certame licitatório. 12. Quanto ao fato de o parecer ter apontado que a unidade móvel de saúde não satisfaz aos objetivos constantes do Plano de Trabalho considerando que não existe equipe médica (pediatra, ginecologista e clínico) vinculada à mesma, causando prejuízo no atendimento à população, não consta do plano de trabalho aprovado a obrigatoriedade de que deveria haver equipe médica vinculada à unidade da saúde, mas apenas que o veículo deveria oferecer estrutura adequada para atendimentos odontológicos, pediátricos/médicos e ginecológicos. 13. Relativamente à questão de que o Certificado de Registro e Licenciamento do Veículo encontrava-se em nome da empresa vencedora da licitação, tal fato não afasta a aquisição e a propriedade do bem que, em se tratando de coisa móvel, transfere-se com a tradição (art. 1.267 do CC ), sendo a transferência perante o órgão de trânsito meramente declaratória e para fins administrativos ( ACR XXXXX-12.2016.4.01.3200 , Rel. Desembargador Federal Olindo Menezes, Quarta Turma, e-DJF1 17/07/2019), não tendo, portanto, reflexo direto na licitação, uma vez que o ônibus foi efetivamente entregue ao município. 14. No que diz respeito às demais irregularidades apontadas pelo DENASUS no procedimento licitatório demora na efetiva utilização da UMS; processos licitatórios desorganizados; objetos descritos de forma insuficiente nos editais , constata-se que também não se demonstrou que tais irregularidades resultaram de conduta dolosa ou culposa por parte dos requeridos. 15. Para a configuração do ato de improbidade é necessária a demonstração do elemento subjetivo consubstanciado pelo dolo para os tipos previstos nos arts. 9º e 11 e ao menos pela culpa grave, nas hipóteses do art. 10 (STJ, AIA XXXXX/AM, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Corte Especial, DJe de 28/09/2011), eis que o ato ímprobo, mais do que ilegal, é um ato de desonestidade do servidor ou agente público para com a Administração e, portanto, não prescinde de dolo ou culpa grave evidenciadora de má-fé para que se possa configurar. 16. No caso, não se verifica a presença do elemento subjetivo, tendo em vista que houve o atendimento do objeto do convênio, com a entrega ao município do veículo devidamente equipado para utilização como unidade móvel de saúde. Precedente: AC XXXXX-73.2008.4.01.3000/AC , Rel. Desembargador Federal Ney Bello, Terceira Turma, e-DJF1 DATA:08/06/2018. 17. Não ficou configurada, portanto, a prática de atos de improbidade administrativa por parte dos agentes públicos, descritas no art. 10 ou 11 , da Lei 8.429 /92, mas mera irregularidade ou inabilidade dos agentes públicos que não pode ser acoimada como conduta ímproba. Precedente: AC XXXXX-45.2012.4.01.3802 , Rel. Juiz Federal Pablo Zuniga Dourado (Conv.), Quarta Turma, PJe 17/06/2020. 18. Apelação dos requeridos a que se dá provimento para, reformando a sentença, julgar improcedente o pedido autoral. 19. Apelação da União prejudicada.