16ª VARA DO TRABALHO DE FORTALEZA
Processo Nº ATOrd-0000737-71.2019.5.07.0016
RECLAMANTE ANA RAQUEL DE SOUZA SILVA
ADVOGADO ALEXANDRE CESAR DE MELO SILVEIRA(OAB: 31231/CE)
RECLAMADO CONSELHO REGIONAL DE FARMACIA
ADVOGADO FRANCISCO FERNANDO ANTONIO ALBUQUERQUE LIMA(OAB: 17658/CE)
Intimado(s)/Citado(s):
- CONSELHO REGIONAL DE FARMACIA
PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO
INTIMAÇÃO
Fica V. Sa. intimado para tomar ciência do seguinte documento:
PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA DO TRABALHO
SENTENÇA
ANA RAQUEL DE SOUZA SILVA reclama contra CONSELHO REGIONAL DE FARMACIA, alegando que foi admitida pela parte reclamada em 09/05/2008 , na função de auxiliar administrativa , percebendo como remuneração R$ 2.2217,18 mensais, cumprindo jornada de trabalho de 9 h às 18 h, com 1h de intervalo e uma folga semanal, sendo despedida sem justa causa em 24/06/2019.
Afirma que, apesar de ter sido imotivadamente dispensada, não recebeu o pagamento integral das parcelas rescisórias e indenizatórias (aviso prévio e multa de 40% do FGTS) a que fazia jus e que ora postula. Por fim, requereu a concessão dos benefícios da justiça gratuita e a condenação da reclamada no pagamento da multa do art. 477 da CLT e em honorários advocatícios.
O reclamado sustentou possuir natureza jurídica de autarquia federal e, no mérito, pugnou pela improcedência dos pleitos da autora, com fundamento na nulidade da contratação por ofensa à norma constitucional constante do art. 37, II.
Aberta a audiência, foi concedido prazo à reclamante para manifestação quanto aos documentos juntados pelo réu. Tendo as partes declarado que não possuíam outras provas a produzir, foi encerrada a instrução processual.
Razões finais remissivas.
Recusadas as propostas conciliatórias.
Este juízo declinou da competência em favor da Justiça Comum Federal, extinguindo o feito sem resolução do mérito nos termos do art. 485, X, do CPC.
A reclamante apresentou recurso ordinário, ao qual a 2ª Turma do E. TRT da 7ª Região deu provimento para reconhecer a competência material da Justiça do Trabalho para processar e julgar o feito e determinar o retorno dos autos à origem para complementação da prestação jurisdicional.
Relatados, decide-se.
FUNDAMENTAÇÃO. DO MÉRITO
Contrato de trabalho
Na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1717-6, o Excelso STF
julgou procedente o pedido inicial, para declarar a inconstitucionalidade do caput do art. 58 e §§ 1º, 2º, 4º, 5º, 6º, 7º e 8º da Lei nº 9. 649, de 27 de maio de 1998, reconhecendo a natureza autárquica sui generisdos conselhos de fiscalização profissional, como o Conselho Regional de Farmácia.
A partir daí fixou-se a interpretação no sentido da exigibilidade do concurso público para a admissão dos empregados dos conselhos regionais, conforme se verifica no seguinte aresto do STF:
"RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONSELHO DE FISCALIZAÇÃO PROFISSIONAL CONCURSO PÚBLICO PARA INGRESSO EXIGÊNCIA CONSTITUCIONAL ALEGADA VIOLAÇÃO AO ART. 37, INCISO II, DA CONSTITUIÇÃO OCORRÊNCIA DECISÃO QUE SE AJUSTA À JURISPRUDÊNCIA PREVALECENTE NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL CONSEQUENTE INVIABILIDADE DO RECURSO QUE A IMPUGNA SUBSISTÊNCIA DOS FUNDAMENTOS QUE DÃO SUPORTE À DECISÃO RECORRIDA RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. Decisão A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Relator. 2ª Turma, 23.04.2013. [...] O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO (Relator): Não assiste razão à parte recorrente, eis que a decisão agravada ajusta-se, com integral fidelidade, à diretriz jurisprudencial que o Supremo Tribunal Federal firmou na matéria ora em exame. Com efeito, tal como ressaltado na decisão ora agravada, o Plenário desta Suprema Corte, ao julgar a ADI 1.717/DF, Rel. Min. SYDNEY SANCHES (RTJ 186/76), fixou orientação sobre a controvérsia em análise, proferindo decisão consubstanciada em acórdão assim ementado: DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 58 E SEUS PARÁGRAFOS DA LEI FEDERAL Nº 9.649, DE 27.05.1998, QUE TRATAM DOS SERVIÇOS DE FISCALIZAÇÃO DE PROFISSÕES REGULAMENTADAS. 1. Estando prejudicada a Ação, quanto ao § 3º do art. 58 da Lei nº 9.649, de 27.05.1998, como já decidiu o Plenário, quando apreciou o pedido de medida cautelar, a Ação Direta é julgada procedente, quanto ao mais, declarando-se a inconstitucionalidade do caput e dos parágrafos 1º, 2º, 4º, 5º, 6º, 7º e 8º do mesmo art. 58. 2. Isso porque a interpretação conjugada dos artigos 5º, XIII, 22, XVI, 21, XXIV, 70, parágrafo único, 149 e 175 da Constituição Federal, leva à conclusão, no sentido da indelegabilidade, a uma entidade privada, de atividade típica de Estado, que abrange até poder de polícia, de tributar e de punir, no que concerne ao exercício de atividades profissionais regulamentadas, como ocorre com os dispositivos impugnados. 3. Decisão unânime. (grifei) [...] Inteiro Teor do Acórdão - Página 3 de 6 Voto - MIN. CELSO DE MELLO RE 731301 AGR/DF [...] 1. Os conselhos de fiscalização profissional, posto autarquias criadas por lei e ostentando personalidade jurídica de direito público, exercendo atividade tipicamente pública, qual seja, a fiscalização do exercício profissional, submetem-se às regras encartadas no artigo 37, inciso II, da CB/88, quando da contratação de servidores. 2. Os conselhos de fiscalização profissional têm natureza jurídica de autarquias, consoante decidido no MS 22.643, ocasião na qual restou consignado que: (i) estas entidades são criadas por lei, tendo personalidade jurídica de direito público com autonomia administrativa e financeira; (ii) exercem a atividade de fiscalização de exercício profissional que, como decorre do disposto nos artigos 5º, XIII, 21, XXIV, é atividade tipicamente pública; (iii) têm o dever de prestar contas ao Tribunal de Contas da União . 3. A fiscalização das profissões, por se tratar de uma atividade típica de Estado, que abrange o poder de polícia, de tributar e de punir, não pode ser delegada (ADI 1.717), excetuando-se a Ordem dos Advogados do Brasil (ADI 3.026). 5. Recurso Extraordinário a que se dá provimento. (RE 539.224/CE, Rel. Min. LUIZ FUX) [...] Impende destacar, por oportuno, no tema ora em exame, ante a inquestionável procedência de suas observações, a ementa da decisão proferida pela eminente Ministra CÁRMEN LÚCIA (RE 700.098/DF): RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. CONSELHOS PROFISSIONAIS. EXIGÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO PARA CONTRATAÇÃO. ART. 37, INC. II, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. ACÓRDÃO RECORRIDO EM DISSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RECURSO PROVIDO. Essa visão do tema que bem reflete a diretriz jurisprudencial firmada por esta Suprema Corte foi exposta, de modo claro, por RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA (Conselhos de Fiscalização Profissional Doutrina e Jurisprudência, p. 97, item n. 4.10.2.1, 2ª ed., 2004, revista atualizada e ampliada, 2008, RT): Nos termos do art. 37, II, da CF, o ingresso nos quadros dos conselhos depende sempre de concurso público de provas ou de provas e títulos, e tal norma continuará aplicável mesmo que admitido o vínculo celetista . Sendo assim, tendo em consideração as razões expostas, nego provimento ao presente recurso de agravo, mantendo, em consequência, por seus próprios fundamentos, a decisão ora agravada. É o meu voto." (E 731301 AgR/DF - Relator: Min. Celso de Mello - Julgamento: 23.04.2013, grifos acrescidos )
No caso dos autos, a reclamante foi admitida em 09/05/2008, sem a prévia habilitação em concurso público, passando a integrar o quadro de empregados do Conselho Regional de Farmácia do Ceará , por contratação direta.
Não restando provado que a contratação ocorreu sob as condições previstas no inciso IX artigo 37 da Constituição Federal, ou seja,
para atender necessidade temporária de excepcional interesse público, exceção à regra da realização de concurso público, fica demonstrada a irregularidade da contratação.
Dessa forma, não tendo a reclamante acessado o emprego público pela via regular do concurso público, é certo que pode ser dispensada sem motivação, sendo válida, portanto, a dispensa perpetrada.
Considerando a nulidade do contrato de trabalho, a hipótese atrai, portanto, a aplicação do entendimento consubstanciado na Súmula nº 363 do Colendo TST:
"CONTRATO NULO - EFEITOS - Nova Redação - Res. Nº 121/2003 - DJ 21.11.03 - A contratação de servidor público, após a CF/1988, sem prévia aprovação em concurso público, encontra óbice no seu art. 37, II e § 2º, somente lhe conferindo direito ao pagamento da contraprestação pactuada, em relação ao número de horas trabalhadas, respeitado o valor da hora do salário mínimo, e dos valores referentes aos depósitos do FGTS."
Em igual sentido, a disposição contida no artigo 19-A da Lei n. 8.036/90, acrescentado pela MP nº 2.164-41/01:
"É devido o depósito do FGTS na conta vinculada do trabalhador cujo contrato de trabalho seja declarado nulo nas hipóteses previstas no art. 37, parágrafo 2º, da Constituição Federal, quando mantido o direito ao salário."
A contratação, portanto, em face da violação de norma constitucional, não produz qualquer efeito.
Diante da impossibilidade de restituição das partes ao status quo ante, uma vez que tempo e energia não podem ser restituídos ao trabalhador, ainda que irregular a contratação, cabe a condenação da reclamada beneficiária dos serviços ao pagamento dos valores referentes ao FGTS do período contratual, como previsto no enunciado da Súmula n. 363 do Col. TST.
Assim, indevidos o aviso prévio indenizado, multa de 40% do FGTS e multa do art. 477 da CLT.
Nada a prover.
Justiça gratuita
No que concerne ao pedido de gratuidade de justiça, o art. 790, § 3º, da CLT, com redação dada pela Lei n.º 13.467/17, preconiza se tratar de pretensão que poderá ser deferida, inclusive de ofício, aos que percebam salário igual ou inferior a 40% do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.
Na hipótese dos autos, adimplido o requisito acima referido, defiro a gratuidade de justiça à parte autora.
Honorários …