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Peça extraída do processo n°XXXXXXX-XX.2020.8.13.0114
Petição - TJMG - Ação Indenização por Dano Moral - [Cível] Procedimento Comum Cível - contra Vale
EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE DO SUPREMO TRI- BUNAL FEDERAL
O CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - CFOAB , serviço público dotado de personalidade jurídica própria e forma federativa, regulamentado pela Lei n° 8.906/94, com endereço eletrônico email@email.com e sede em Brasília/DF, no SAUS, Qd. 05, Endereço.451/0001-14, por seu Presidente e por seus advogados que esta subscrevem (documento anexo), vem, à presença de Vossa Excelência, com ful- cro nos arts. Número de inscrição, I, a , e 103, VII, da Constituição, no art. 54, XIV, da Lei n° 8.906/94, e no art. 2°, VII, da Lei n° 9.868/999, propor
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
COM PEDIDO CAUTELAR
em face dos arts. 223-A e 223-G, §§ 1° e 2°, do Decreto-Lei n. 5.452, de 1° de maio de 1943 (Consolidação das Leis do Trabalho), na redação conferida pelo art. 1° da Lei n. 13.467, de 13 de julho de 2017 (Reforma Trabalhista).
1 -DOS ATOS NORMATIVOS IMPUGNADOS:
A Lei n° 13.467/2017, também conhecida como "Reforma Trabalhista", modificou amplo conjunto de dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho, da legislação trabalhista esparsa e da legislação previdenciária.
Entre tais mudanças, destaca-se o fato da reparação por dano extrapatri- monial decorrente da relação de trabalho passar a ser disciplinada exclusivamente pelos dispositivos constantes no Título II-A, da CLT (art. 223-A) e da inserção de norma limitadora do valor a ser pago a título de indenização proveniente deste dano (art. 223-G).
Os dispositivos ora impugnados possuem a seguinte redação:
Art. 1° A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo De- creto-Lei no 5.452, de 1° de maio de 1943, passa a vigorar com as se- guintes alterações:
"TÍTULO II-A
DO DANO EXTRAPATRIMONIAL
‘Art. 223-A. Aplicam-se à reparação de danos de natureza extrapa- trimonial decorrentes da relação de trabalho apenas os dispositivos deste Título.’
(...)
‘Art. 223-G. Ao apreciar o pedido, o juízo considerará:
(...)
§ 1° Se julgar procedente o pedido, o juízo fixará a indenização a ser paga, a cada um dos ofendidos, em um dos seguintes parâme- tros, vedada a acumulação:
I - ofensa de natureza leve, até três vezes o último salário contratual do ofendido;
II - ofensa de natureza média, até cinco vezes o último salário con- tratual do ofendido;
III - ofensa de natureza grave, até vinte vezes o último salário con- tratual do ofendido;
§ 2° Se o ofendido for pessoa jurídica, a indenização será fixada com observância dos mesmos parâmetros estabelecidos no § 1° des-
IV - ofensa de natureza gravíssima, até cinquenta vezes o último sa- lário contratual do ofendido.
te artigo, mas em relação ao salário contratual do ofensor.’
A previsão legislativa criou uma espécie de tarifação para o paga- mento de indenização trabalhista. Contudo, trata-se de prática incompatível com os princípios encartados na Constituição da República, bem como dissonante à jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal.
Ressalta-se, outrossim, que a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho - Anamatra propôs a ADI 5870 questionando a Medida Provisória 808/2017, que havia alterado o §1° do art. 223-G sob análise, entretan- to, a autora requereu a extinção da ação, em razão da perda da vigência da Medi- da Provisória, restabelecendo-se o texto questionado.
A referida Medida Provisória assim dispunha:
§ 1° Ao julgar procedente o pedido, o juízo fixará a reparação a ser paga, a cada um dos ofendidos, em um dos seguintes parâmetros, vedada a acumu- lação: (Redação dada pela Medida Provisória n° 808, de 2017) (Vigência encerrada)
I - para ofensa de natureza leve - até três vezes o valor do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social; (Redação dada pela Medida Provisória n° 808, de 2017) (Vigência encerrada)
II - para ofensa de natureza média - até cinco vezes o valor do limite má- ximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social; (Redação da- da pela Medida Provisória n° 808, de 2017) (Vigência encerrada)
III - para ofensa de natureza grave - até vinte vezes o valor do limite má- ximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social; ou (Redação dada pela Medida Provisória n° 808, de 2017) (Vigência encerrada)
IV - para ofensa de natureza gravíssima - até cinquenta vezes o valor do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.
(Redação dada pela Medida Provisória n° 808, de 2017) (Vigência encer- rada)
É bem verdade que a norma, cuja eficácia encontra-se exaurida, igualmente trazia patamar máximo de valor a ser pago a título de danos morais. Na hipótese, a base de cálculo remontava ao teto do INSS, que hoje perfaz a quantia de R$ 00.000,00. Assim, uma ofensa de natureza gravíssima, por exemplo, poderia alcançar uma indenização máxima de R$ 00.000,00 (50*5.839,45 = R$ 00.000,00).
Todavia, com o restabelecimento da norma questionada, a base de cálculo para a indenização é o último salário contratual auferido pelo ofendido. Dessa forma, um trabalhador que percebe um salário mínimo, por exemplo, rece- berá no máximo R$ 00.000,00 (50*998 = R$ 00.000,00), valor muito abaixo do limite trazido pela MP.
Infere-se, dessa forma, que a Medida Provisória que caducou era mais benéfica ao trabalhador de baixa renda, embora ambas as regras caminham em sentido diametralmente oposto aos princípios Basilares do Estado de Direito, pois limitam a indenização, quando a regra é a reparação integral do dano, a teor do disposto no art. 5°, incisos V e X, da Carta Cidadã.
Salienta-se ainda que a Medida Provisória excetuava do limite má- ximo a ser pago 1 a indenização por morte. Nessa senda, pelo menos existia uma clara divisão entre as ofensas de natureza gravíssima à violação a vida, última trincheira dos direitos humanos. Todavia, com a caducidade da norma, restabele- ceu-se o texto anterior, fazendo com que a indenização por morte seja limitada a 50 vezes o último salário do ofendido (IV do §1° do art. 223-G).
Tem-se, portanto, que as normas em vigor são deveras prejudiciais ao trabalhador e não sintetizam o dever constitucional de reparação integral do dano, consubstanciado no art. 5°, incisos V e X, bem como ferem a independência funcional dos magistrados na ótica do livre convencimento (art. 93, inciso IX), violam a dignidade da pessoa humana (art. 1°, III, da CF), entre outros, razão pela qual é manifesta sua inconstitucionalidade, conforme será demonstrado.
1 § 5° Os parâmetros estabelecidos no § 1° não se aplicam aos danos extrapatrimoniais decorrentes de
morte. (Incluído pela Medida Provisória n° 808, de 2017) (Vigência encerrada)
À luz dessas considerações, este Conselho Federal da Ordem dos Ad- vogados do Brasil - CFOAB, como legitimado universal para a propositura de Ação Direta de Inconstitucionalidade e, portanto, defensor da cidadania e da Constituição, no exercício de sua competência legal (Art. 44, inciso I da Lei n° 8.906/94), compa- rece ao guardião da Carta Cidadã para pugnar pela declaração de inconstitucionali- dade dos arts. 223-A e 223-G, §§ 1° e 2°, da CLT, na redação conferida pela Lei n. 13.467/2017.
2 - DO MÉRITO:
O direito humano e fundamental ao trabalho está inserido no rol de di- reitos sociais dispostos na Carta Republicana, consoante se verifica:
Art. 6° São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o traba- lho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
Trata-se de direito consagrado na Declaração Universal dos Direitos Humanos, a qual assevera em seu artigo 23 2 que:
"1. Toda a pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha do trabalho, a condições equitativas e satisfatórias de trabalho e à proteção contra o desemprego.
2.Todos têm direito, sem discriminação alguma, a salário igual por tra- balho igual.
3.Quem trabalha tem direito a uma remuneração equitativa e satisfató- ria, que lhe permita e à sua família uma existência conforme com a dig- nidade humana, e completada, se possível, por todos os outros meios de proteção social.
4.Toda a pessoa tem o direito de fundar com outras pessoas sindicatos e de se filiar em sindicatos para defesa dos seus interesses."
O direito ao trabalho está intrinsicamente relacionado à dignidade da pessoa humana, cabendo ao legislador instituir normas que possibilitem o desempe- nho da atividade profissional de forma a assegurar condições minimamente dignas,
2 Declaração Universal dos Direitos Humanos. Tradução disponível em:
<https://www.ohchr.org/EN/UDHR/Documents/UDHR_Translations/por.pdf> Acesso em 29/06/2018.
tais como a segurança, jornada de trabalho compatível, remuneração adequada, igualdade, liberdade de expressão e saúde.
E é nesse contexto que se insere a Consolidação das Lei do Trabalho, cujo normativo é pautado pelos princípios da proteção, da primazia da realidade, da continuidade, da inalterabilidade contratual lesiva, da intangibilidade salarial, da ir- renunciabilidade dos direitos trabalhistas, entre outros.
Tratando-se especificamente do princípio da proteção, infere-se a ne- cessidade de dedicar à parte hipossuficiente na relação trabalhista normas favoráveis, condições mais benéficas (Súmula n. 51 do TST) 3 e interpretações in dubio pro mise- ro, nas hipóteses em que evidenciadas dúvidas quanto aos termos de uma norma ou decisão.
Com o advento da Lei n. 13.467/2017 (Reforma Trabalhista), em que pesem louváveis diversas das alterações promovidas, tais elogios não se estendem aos arts 223-A e 223-G, §§1° e 2°, da CLT, uma vez que implicaram em desmedido prejuízo ao trabalhador.
A nova redação subverteu a base principiológica do direito do traba- lho, sobretudo porque:
i) fixou um teto de indenização em processo trabalhista inexis- tente no processo civil, de modo que aqueles que litigam na justiça do trabalho são demasiadamente prejudicados, em completa violação ao princípio da isonomia (art. 5°, caput , da CF);
ii) inseriu o tabelamento de indenização que viola o princípio da reparação integral do ano (art. 5°, V e X, da CF) e, por conse- guinte, a dignidade da pessoa humana (art. 1°, III, da CF);
3 Súmula n° 51 do TST
NORMA REGULAMENTAR. VANTAGENS E OPÇÃO PELO NOVO REGULAMENTO. ART. 468 DA CLT (incorporada a Orientação Jurisprudencial n° 163 da SBDI-1) - Endereço e 25.04.2005
I - As cláusulas regulamentares, que revoguem ou alterem vantagens deferidas anteriormente, só atin- girão os trabalhadores admitidos após a revogação ou alteração do regulamento. (ex-Súmula n° 51 - RA 41/1973, DJ 14.06.1973)
II - Havendo a coexistência de dois regulamentos da empresa, a opção do empregado por um deles tem efeito jurídico de renúncia às regras do sistema do outro. (ex-OJ n° 163 da SBDI-1 - inserida em 26.03.1999)
iii) impediu a correta valoração do dano pelo magistrado, interfe- rindo desmedidamente no exercício da jurisdição e no livre convencimento do juiz, em contrariedade ao disposto no art. 93, inciso IX, da CF e atentando aos princípios da razoabilida- de e proporcionalidade; e
iv) precificou o dano de acordo com a remuneração do ofendido, fazendo com que as indenizações sejam previamente calculá- veis ao empregador, possibilitando-se o cotejo entre a perma- nência da violação e a suposta reparação do dano sob o viés econômico, em completa ofensa à saúde e proteção do traba- lho, implicando em retrocesso social;
Feitas essas considerações iniciais, passa-se a demonstrar as violações constitucionais decorrentes dos artigos 223-A e 223-G, §§ 1° e 2°, da CLT.
2.1 - DA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA REPARAÇÃO INTEGRAL DO DANO (art. 5°, inciso V e X, da CF)
Conforme já explanado, a norma atacada inseriu no ordenamento jurí- dico uma espécie de "tarifação" de indenização levando em consideração o salário do ofendido (§1° do art. 223-G) ou do ofensor, no caso de pessoa jurídica agredida (§2° do art. 223-G).
Todavia, a figura do tabelamento não se coaduna com a reparação in- tegral do dano consagrada pela Carta Cidadã no art. 5°, incisos V e X, ora transcrito:
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; (....)
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
A Carta Republicana assevera que a violação aos direitos fundamen- tais prelecionados no art. 5° enseja uma resposta proporcional ao agravo, com a con- sequente reparação pelos danos materiais e extrapatrimoniais experimentados.
Essa noção de proporcionalidade entre a ofensa e o agravo levam a conclusão de que o regime constitucional da reparação das lesões aos direitos da per- sonalidade é incompatível com a sistemática da tarifação prévia de indenizações que limitam a recomposição dos danos sofridos.
Nesse sentido, vigora no ordenamento constitucional a figura da repa- ração integral do dano. Nome e Nome Sanseverino lecio- nam que a reparação integral do dano corresponde à soma total dos prejuízos sofridos em razão do fato danoso, vejamos:
"(...) a extensão do princípio da reparação integral foi magistralmente sinte- tizada pela doutrina francesa, como abrangendo tout le dommage, mais rien que le dommage - 'todo o dano, mas não mais que o dano', complementando com a afirmação de que 'a soma devida a título de danos deve corresponder rigorosamente à perda causada pelo fato danoso." 4
"A plena reparação do dano deve corresponder à totalidade dos prejuízos efetivamente sofridos pela vítima do evento danoso (função compensatória), não podendo, entretanto, ultrapassá-los para evitar que a responsabilidade civil seja causa para o enriquecimento injustificado do prejudicado (função indenitária), devendo-se estabelecer uma relação de efetiva equivalência en- tre a indenização e os prejuízos efetivos derivados dos danos com avaliação em concreto pelo juiz (função concretizadora do prejuízo real)." 5
O princípio da reparação integral guarda escorreita relação com o pos- tulado da dignidade humana, uma vez que os direitos da personalidade a serem re- compostos diante das lesões verificadas em concreto são expressões inerentes à pró- pria condição humana dos indivíduos.
Nessa senda, a tarifação prévia das indenizações acaba por restringir a plena concretização do postulado da dignidade humana (art. 1°, III, da Constituição Federal). Trata-se de entendimento endossado pelo Min. Roberto Barroso em seu voto-vista prolatado no RE 00.000 OAB/UF:
"Em linha com a centralidade da dignidade da pessoa humana na ordem constitucional, a Carta de 88 assegura a ampla indenização pelos danos materiais ou morais decorrentes de violações a uma ampla gama de interes- ses existenciais, como a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas (art. 5°, V e X, CF). Como observou Maria Celina Bodin de Moraes,
4 Cavalieri Filho Sergio. Programa de responsabilidade civil, 11. ed., rev. e ampl. São Paulo: Atlas,
2014, págs. 27-28.
5 Sanseverino, Nome. Princípio da reparação integral: indenização no Código Civil, São
Paulo: Saraiva, 2010, pág. 58.
a dignidade humana e os danos morais correspondem a duas faces de uma moeda. A causa do dano moral nada mais é do que a lesão à dignidade, de modo que ‘quando a dignidade é ofendida, há que se reparar o dano injusto sofrido’" 6 .
À constatação de que a reparação parcial viola a dignidade humana, tem-se por inconstitucional a tarifação, conforme bem pontuado pela Segunda Turma desse Tribunal Supremo:
INDENIZAÇÃO. Responsabilidade civil. Lei de Imprensa. Dano moral. Pu- blicação de notícia inverídica, ofensiva à honra e à boa fama da vítima. Ato ilícito absoluto. Responsabilidade civil da empresa jornalística. Limitação da verba devida, nos termos do art. 52 da lei 5.250/67. Inadmissibilidade. Norma não recebida pelo ordenamento jurídico vigente. Interpretação do art. 5°, IV, V, IX, X, XIII e XIV, e art. 220, caput e § 1°, da CF de 1988. Re- curso extraordinário improvido. Toda limitação, prévia e abstrata, ao valor de indenização por dano moral, objeto de juízo de equidade, é incompatível com o alcance da indenizabilidade irrestrita assegurada pela atual Consti- tuição da República. Por isso, já não vige o disposto no art. 52 da Lei de Imprensa, o qual não foi recebido pelo ordenamento jurídico vigente.
(RE 447584, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, Segunda Turma, julgado em 28/11/2006, DJ 16-03-2007 PP-00043 EMENT VOL-02268-04 PP- 00624 RTJ VOL-00202-02 PP-00833 LEXSTF v. 29, n. 340, 2007, p. 263- 279 RDDP n. 51, 2007, p. 141-148)
Acrescenta-se que essa consolidação do entendimento de que a fixa- ção prévia é inconstitucional decorre da inteligência de que a indenização, a teor do que dispõe a Constituição Federal, deve ser a mais ampla possível, insuscetível, por- tanto, de limitações legais, conforme se evidencia:
CONSTITUCIONAL. CIVIL. DANO MORAL: OFENSA PRATICADA PELA IMPRENSA. INDENIZAÇÃO: TARIFAÇÃO. Lei 5.250/67 - Lei de Imprensa, art. 52: NÃO-RECEPÇÃO PELA CF/88, artigo 5°, incisos V e X. RE IN- TERPOSTO COM FUNDAMENTO NAS ALÍNEAS a e b. I. - O acórdão re- corrido decidiu que o art. 52 da Lei 5.250, de 1967 - Lei de Imprensa - não foi recebido pela CF/88. RE interposto com base nas alíneas a e b (CF, art. 102, III, a e b). Não-conhecimento do RE com base na alínea b, por isso que o acórdão não declarou a inconstitucionalidade do art. 52 da Lei 5.250/67. É que não há falar em inconstitucionalidade superveniente. Tem-se, em tal caso, a aplicação da conhecida doutrina de Kelsen: as normas infraconsti- tucionais anteriores à Constituição, com esta incompatíveis, não são por ela recebidas. Noutras palavras, ocorre derrogação, pela Constituição nova, de
6 Disponível em: < http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=(00)00000-0000>.
Acesso em 28/01/2019.
normas infraconstitucionais com esta incompatíveis. II. - A Constituição de 1988 emprestou à reparação decorrente do dano moral tratamento especial - C.F., art. 5°, V e X - desejando que a indenização decorrente desse dano fosse a mais ampla. Posta a questão nesses termos, não seria possível su- jeitá-la aos limites estreitos da lei de imprensa. Se o fizéssemos, estaríamos interpretando a Constituição no rumo da lei ordinária, quando é de saben- ça comum que as leis devem ser interpretadas no rumo da Constituição.
III. - Não-recepção, pela CF/88, do art. 52 da Lei 5.250/67 - Lei de Impren- sa. IV. - Precedentes do STF relativamente ao art. 56 da Lei 5.250/67: RE 348.827/RJ e 420.784/SP, Velloso, 2a Turma, 1°.6.2004. V. - RE conhecido - alínea a -, mas improvido. RE - alínea b - não conhecido.
(RE 396386, Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO, Segunda Turma, julga- do em 29/06/2004, DJ 13-08-2004 PP-00285 EMENT VOL-02159-02 PP- 00295 RTJ VOL-00191-01 PP-00329 RMP n. 22, 2005, p. 462-469)
Consubstanciando-se nessas razões, reforça-se que a matéria é pacífi- ca entre doutrinadores e juristas:
SÚMULA N. 281/STJ: A indenização por dano moral não está sujeita à tari- fação prevista na Lei de Imprensa.
Enunciado 550 da VI Jornada de Direito Civil:
A quantificação da reparação por danos extrapatrimoniais não deve estar sujeita a tabelamento ou a valores fixos.
Especificamente na seara trabalhista, destaca-se ainda que a norma impugnada foi alvo de diversas críticas diante dos severos prejuízos aos trabalhado- Endereço, por exemplo, doutrina de Maurício Godinho Delgado e Nome:
Se não bastasse, o art. 223-G, § 1°, incisos I até IV, estabelece tarifação da indenização por dano extrapatrimonial, se esquecendo que a Constituição da República afasta o critério de tarifação da indenização por dano moral, em seu art. 5°, V, ao mencionar, enfaticamente, a noção de proporcionalida- de. Nesse contexto, a interpretação lógicoracional, sistemática e teleológica desses dispositivos legais rejeita a absolutização do tarifamento efetuado pela nova lei, considerando a tabela ali exposta basicamente como um pa- râmetro para a fixação indenizatória pelo Magistrado, mas sem prevalência sobre a noção jurídica advinda do princípio da proporcionalidade- razoabilidade. 7
7 DELGADO, Maurício Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. A reforma trabalhista no Brasil: com
os comentários à lei n. 13.467/2017. São Paulo: LTr, 2017, p. 145-146.
Por todo o exposto, tem-se patente a inconstitucionalidade do art. 223- G, §§1° e 2°, da CLT, por violação ao princípio da reparação integral do dano inscul- pido no art. 5°, inciso V e X, da Constituição Federal.
2.2 - DA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA (art. 5°, caput, da CF) E AOS ARTS. 7°, XXVIII, 225, caput, § 3° e 170, caput, VI, da CF.
Antes de adentrar especificamente na violação ao princípio menciona- do, cumpre traçar um paralelo com os últimos acontecimentos que tem assombrado o país.
No dia 25/01/2019, as manchetes de todo Brasil noticiaram o rompi- mento da barragem do Endereço de mais um acidente com resultados incalculáveis à sociedade e aos traba- lhadores, que achavam que aquele seria um dia rotineiro de labor e que não puderam retornar aos seus lares.
A última contagem realizada pelo Corpo de Bombeiros apontou que subiu para 121 (cento e vinte e um) o número de mortos no desastre supramenciona- do. De acordo com o levantamento, ainda há 226 pessoas desaparecidas e 395 locali- zadas. 8
Sabe-se ainda que episódios como esse não são raros no Brasil. Em 05 de novembro de 2015 outra barragem se rompeu em Minas Gerais ocasionando a morte de 19 pessoas e acarretando imensuráveis impactos ambientais.
Sem adentrar ao sofrimento das vítimas afetadas direta e indiretamen- te pelas catástrofes relatadas e contextualizando a problemática à temática debatida nos autos, infere-se que as vítimas buscarão a reparação dos danos sofridos com o correspondente acionamento do Poder Judiciário.
Sob esse viés, analisando-se juridicamente o fato, teremos dois grupos de pessoas:
i) Aquelas que acionarão a justiça trabalhista porque o vínculo decorre de relação de trabalho cuja indenização por dano ex- trapatrimonial submete-se a limitação contemplada no art. 223-
8 Disponível em: <https://g1.globo.com/mg/minas-gerais/noticia/2019/02/02/buscas-por-vitimas-
entram-no-9o-dia-em-brumadinho.ghtml> Acesso em 03/02/2019.
G, §1°, da CLT, levando-se em consideração a remuneração do ofendido;
ii) Aquelas que litigarão perante a justiça comum e perceberão a indenização sem a observância de qualquer teto indenizatório;
De início, verifica-se que as normas questionadas violam o princípio da isonomia (art. 5°, caput, da CF) na medida em que dispensa tratamento deveras prejudicial aos litigantes na justiça especializada, uma vez que terão suas indeniza- ções sujeitas a um limitador, ao passo que àqueles que buscarão a reparação na justi- ça comum não sofrerão qualquer teto.
Outrossim, esse tratamento discriminatório contraria a própria história e essência das normas trabalhistas, pautadas nos princípios da proteção e da norma mais favorável, conforme bem assinalado pelo eminente Ministro Maurício Godinho Delgado:
Princípio da Proteção - Informa este princípio que o Direito do Traba- lho estrutura em seu interior, com suas regras, institutos, princípios e presunções próprias, uma teia de proteção à parte hipossuficiente na re- lação empregatícia - o obreiro -, visando retificar (ou atenuar), no plano jurídico, o desequilíbrio inerente ao plano fático do contrato de trabalho.
O princípio tutelar influi em todos os segmentos do Direito Individual do Trabalho, influindo na própria perspectiva desse ramo ao construir- se, desenvolver-se e atuar como direito. Efetivamente, há ampla predo- minância nesse ramo jurídico especializado de regras essencialmente protetivas, tutelares da vontade e interesses obreiros; seus princípios são fundamentalmente favoráveis ao trabalhador; suas presunções são elaboradas em vista do alcance da mesma vantagem jurídica retificado- ra da diferenciação social prática. Na verdade, pode-se afirmar que sem a ideia protetivo-retificadora, o Direito Individual do Trabalho não se justificaria histórica e cientificamente.
(...)
Princípio da Norma Mais Favorável - O presente princípio dispõe que o operador do Direito do Trabalho deve optar pela regra mais favorável ao obreiro em três situações ou dimensões distintas: no instante de ela- boração da regra (princípio orientador da ação legislativa, portanto) ou no contexto de confronto entre regras concorrentes (princípio orienta- dor do processo de hierarquização de normas trabalhistas) ou, por fim, no contexto de interpretação das regras jurídicas (princípio orientador do processo de revelação do sentido da regra trabalhista) 9 .
Percebe-se da leitura do art. 223-A da CLT que a intenção do legisla- dor da Reforma Trabalhista foi justamente restringir a aplicação do dano extrapatri- monial ao título II-A, da CLT, buscando-se assim a desvinculação com a justiça co- mum:
Art. 223-A. Aplicam-se à reparação de danos de natureza extrapatrimonial decorrentes da relação de trabalho apenas os dispositivos deste Título. (In- cluído pela Lei n° 13.467, de 2017) (grifo nosso)
Destarte, ficou nítido o propósito de afastar a legislação cível, sobre- tudo a Responsabilidade civil no tocante ao art. 944 do Código Civil, que mede a indenização pela extensão do dano.
Contudo, trata-se de previsão inconstitucional.
Primeiro porque o título II-A da CLT não contempla todos os direitos fundamentais no seu rol de proteção para fins de indenização. Nesse sentido, o art. 223-C 10 somente considera "a honra, a imagem, a intimidade, a liberdade de ação, a autoestima, a sexualidade, a saúde, o lazer e a integridade física" como bens juridi- camente tutelados inerentes à pessoa física. Deixa de considerar outros tantos, como por exemplo, a etnia, a idade, a nacionalidade, a crença religiosa, previstos na Cons- tituição da República. Convém esclarecer que, nesse aspecto, a Medida Provisória aumentava esse rol trazido pela Reforma:
Art. 223-C. A etnia, a idade, a nacionalidade, a honra, a imagem, a intimida- de, a liberdade de ação, a autoestima, o gênero, a orientação sexual, a saúde, o lazer e a integridade física são os bens juridicamente tutelados inerentes à pessoa natural. (Redação dada pela Medida Provisória n° 808, de 2017) (Vi- gência encerrada)
Dessa forma, tem-se que a restrição trazida pelo art. 223-A não se co- aduna com o ordenamento constitucional.
9 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 16a Ed. São Paulo: LTr, 2017. p.
213-214.
10 Art. 223-C. A honra, a imagem, a intimidade, a liberdade de ação, a autoestima, a sexualidade, a
saúde, o lazer e a integridade física são os bens juridicamente tutelados inerentes à pessoa física. (In- cluído pela Lei n° 13.467, de 2017)
Além disso, frisa-se que a Constituição contempla a amplitude da in- denização por dano extrapatrimonial, de modo que a sua aplicação não poderia ficar restrita ao título II-A, da CLT. O art. 7° da Carta Cidadã prevê que o trabalhador tem direito ao seguro contra acidentes e, por mais amplo que este seja, não se exclui a indenização que o empregador estará obrigado a pagar, quando incorrer em dolo ou culpa, senão vejamos:
Art. 7° São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (...)
XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa
Constata-se que outros dispositivos do texto constitucional igualmente preveem a indenização por dano moral decorrente de lesão ocorrida na relação de trabalho, consoante os artigos 225, caput , § 3°, 170, caput , inciso VI:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo- se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo pa- ra as presentes e futuras gerações.
(...)
§ 3° As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujei- tarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e adminis- trativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
(...)
VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; (Redação dada pela Emenda Constitucional n° 42, de 19.12.2003)
Tem-se que, analogicamente, a jurisprudência estende ao ambiente de trabalho a proteção constitucional conferida ao meio ambiente, devendo aquele ser ecologicamente equilibrado, a fim de assegurar uma existência digna. Destarte, in- cumbe ao empregador o dever de defendê-lo e preservá-lo, sendo-lhe atribuída pena- lidade quando frustrada essa obrigação:
"A par disso, cumpre acrescentar que a Constituição da República Federa- tiva do Brasil assegura ao empregado um meio ambiente de trabalho seguro e determina ao empregador a obrigação de preservar e proteger esse meio ambiente laboral. Com efeito , em seu artigo 225, caput, a Constituição Fe- deral garante a todos, como direito fundamental, um meio ambiente ecolo- gicamente equilibrado, nele incluído o meio ambiente do trabalho, impon- do "ao Poder Público e à coletividade" e, portanto, ao empregador o dever de defendê-lo e preservá-lo, assegurando, em seu parágrafo 3°, a obriga- ção de reparação de danos quando não cumprido o dever de preservação do meio ambiente. Nesse ínterim, o artigo 170, caput e inciso VI, da Consti- tuição Federal preceitua que a ordem econômica deve ser fundada na va- lorização do trabalho humano e na livre iniciativa, devendo assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames da justiça social e observan- do a defesa do meio ambiente . Portanto, acima dos objetivos econômicos, as empresas têm uma finalidade social a ser cumprida. Especificamente no âmbito do Direito do Trabalho, o constituinte originário posicionou-se pela defesa da saúde do trabalhador e melhoria das condições de trabalho. Cita- se, como exemplo, entre inúmeros direitos assegurados, a necessidade de redução dos riscos inerentes ao trabalho por meio de normas de saúde, hi- giene e segurança, conforme efetivamente garante o artigo 7°, inciso XXII, da Constituição Federal "
(TST RR 1813-21.2013.5.09.0652 Min. José Roberto Freire Pimenta, DEJT 15/12/2017) (grifo nosso)
Verifica-se, portanto, que a Constituição Federal no decorrer de seu texto garante a proteção ao trabalhador com o consequente dever de reparação aos mais diversos danos sofridos, sobretudo os extrapatrimoniais, razão pela qual é in- constitucional a restrição imposta pela legislação trabalhista, que delimita a discipli- na das indenizações ao título II-A, da CLT (art. 223-A).
Especificamente quanto à exclusão da aplicação da legislação cível às indenizações trabalhistas, ressalta-se que no brilhante parecer de lavra da Procurado- ra-Geral da República anexado à ADI 5870, evidenciou-se que essa exclusão tem o propósito de abrandar as reparações aos direitos fundamentais da personalidade vio- lados nas relações trabalhistas:
Restou clara a pretensão do legislador da Lei 13.467/2017 de promover o isolamento disciplinar dos direitos fundamentais de personalidade na órbita das relações de trabalho, para submeter-lhes à referida restrição reparató- ria. Dispõe o novo art. 223-A da CLT que se aplicam à reparação de danos de natureza extrapatrimonial decorrentes da relação de trabalho "apenas os dispositivos deste Título" (sem ênfase no original), referindo-se ao Título II- A da CLT (Do Dano Extrapatrimonial), inserido pelo diploma legal impug- nado.
Evidente o propósito do legislador de impedir a aplicação, no âmbito das relações de trabalho, das normas do Título IX do Código Civil, que cuidam da responsabilidade civil e, particularmente, de seu art. 944, que, ao deter- minar o dimensionamento da indenização pela extensão do dano, acolhe o princípio constitucional da reparação integral, inspirado no ideal de reposi- ção da vítima ao estado anterior à ocorrência do agravo.
Esse isolamento disciplinar redutor de tutela jurídica de direitos existenciais no âmbito das relações de trabalho enseja restrição de direitos fundamen- tais determinada pela condição de empregado ou prestador de serviço da ví- tima em face do ofensor. Contraria-se, com essa fórmula, a relevância da posição ocupada pelo trabalho e pelo meio ambiente de trabalho saudável na ordem constitucional, em violação aos arts. 1°-IV, 170, 193, e 225-§3°, da Carta Magna. Nega-se, ainda, a amplitude do direito fundamental à in- denização por acidente do trabalho, previsto no art. 7°-XXVIII da Constitui- ção.
Dessa forma, infere-se que a alteração legislativa, além de violar os arts. 7°, XXVIII, 225, caput , § 3° e 170, caput , inciso VI, da Constituição Republicana, implicou em tratamento prejudicial e discriminatório aos litigantes da justiça do tra- balho, sendo imperiosa sua extirpação também com base na violação ao princípio da isonomia previsto no art. 5°, caput, da Constituição Federal.
2.3 - DA VIOLAÇAO À INDEPENDÊNCIA DO MAGISTRADO SOB O VIÉS DO LIVRE CONVENCIMENTO; VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA PRO- PORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE:
Cumpre esclarecer que as normas questionadas ao impedirem o ma- gistrado de fixar em favor do trabalhador a indenização ampla, tal como preconizado na Constituição, estão restringindo a atuação do Poder Judiciário, mormente a prer- rogativa do juiz de proferir decisão consubstanciada em seu livre convencimento motivado, com vistas a reparar o titular de um direito lesionado (art. 93, inciso IX, da Constituição Cidadã).
Isso porque, a partir da constatação do dano e sua graduação (leve, média, grave e gravíssima), o magistrado ficará adstrito ao valor do último salário contratual do ofendido para fins de estipulação da indenização, sem que lhe seja pos- sível qualquer valoração do dano.
Trata-se de determinação absurda que considera unicamente a posição econômico-social do ofendido como indexador de danos extrapatrimoniais, presu- mindo-se que, quanto maior o salário, mais valem os direitos da personalidade.
A tarifação da indenização reveste de objetividade um instituto essen- cialmente subjetivo, cuja fixação deve ser correlacionada aos danos individuais so- fridos pela parte lesada.
Aplicando-se o instituto objetivamente, incorre-se no risco de praticar indenizações distintas a pessoas que sofreram o mesmo dano, de igual natureza, em situações similares e impactos iguais.
Além de tal prática violar o princípio da isonomia, diante do tratamen- to desigual entre pessoas que se encontram em equivalência, ofende ainda os princí- pios da proporcionalidade e razoabilidade, na medida em que considera unicamente o fator econômico do ofendido, ao invés do próprio direito lesionado.
Acrescenta-se ainda que a previsão questionada ignora o caráter puni- tivo-pedagógico da indenização cuja aferição deve ser feita pelo magistrado diante do caso concreto e de acordo com o dano, com a capacidade e histórico de conduta do ofensor, a fim de se reprimir futuras violações.
À luz dessas considerações, tem-se que o papel do magistrado é es- sencial para a justa e efetiva reparação ao direito dos trabalhadores, razão pela qual os arts. 223-A e 223-G, da CLT devem ser rechaçados do ordenamento jurídico, pois impedem a fixação de indenização acima do teto estabelecido pela lei questionada.
2.4 - DA VIOLAÇAO AO PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO DO TRABALHO E DA PROIBIÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL:
A Constituição Cidadã de 1988, seguindo a tradição social inaugurada pela Constituição Mexicana de 1917, instituiu extenso catálogo de direitos sociais em nosso país, alçando "os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa" à condição de fundamento da República Federativa do Brasil. Destaca-se, entre essas garantias, a proteção do trabalho (art. 6°, caput ).
Todavia, a previsão contemplada no art. 223-G da CLT, ora questio- nado, não se incumbiu de atender ao comando constitucional. Isso porque o princípio da proteção do trabalho restou violado quando se mitigou o caráter repreensivo e punitivo da indenização, bem como quando se limitou a reparação a direito funda- mental lesionado. Embora, a teor do que dispõe a Carta Republicana, tal direito é insuscetível de violação. 11
O tabelamento do dano possibilitou ao empregador previamente quan- tificar o valor da indenização extrapatrimonial decorrente da relação de trabalho, sendo que tal quantia não ultrapassará o teto de 50 vezes o salário do ofendido. Essa
11 X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o di-
reito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
previsibilidade permitiu o cotejo entre a violação e a quantia a ser destinada para a eventual reparação do dano.
Nesse contexto, a partir de uma análise que leva em consideração os custos de se garantir os direitos dos trabalhadores versus os riscos em caso de viola- ção, o resultado financeiro dessa equação pode estimular as grandes empresas a ne- gligenciarem os direitos sociais garantidos ao trabalhador. Daí remonta a inconstitu- cionalidade da norma.
Ao tempo que a alteração legislativa conferiu previsibilidade ao em- pregador quanto aos valores indenizatórios a serem pagos, ela representou um retro- cesso em matéria social, pois incentiva empresas a não cumprirem direitos básicos garantidos aos trabalhadores, cuja violação atinge o núcleo essencial da dignidade da pessoa humana.
É o que se convencionou denominar de proibição do retrocesso social, sobre o qual se extrai lição de J. J. Gomes Canotilho 12 :
O princípio da vedação do retrocesso social pode formular-se assim: o nú- cleo essencial dos direitos sociais já realizado e efectivado através de medi- das legislativas [...] deve considerar-se constitucionalmente garantido sendo inconstitucionais quaisquer medidas estaduais que sem criação de outros esquemas alternativos ou compensatórios, se traduzam, na prática, numa "anulação", "revogação" ou "aniquilação" pura e simples desse núcleo essencial.
Nessa senda, o eminente constitucionalista Ingo Sarlet 13 aponta que o princípio da vedação do retrocesso se alicerça no Estado Democrático e Social de Direito e na dignidade humana, que nos impõe um mínimo de estabilidade normati- va, conforme se denota:
Após sua concretização em nível infraconstitucional, os direitos fundamen- tais sociais assumem, simultaneamente, a condição de direitos subjetivos a determinadas prestações estatais e de uma garantia institucional, de tal sor- te que não se encontram mais da esfera de disponibilidade do legislador, no sentido de que os direitos adquiridos não mais podem ser reduzidos ou su- primidos, sob pena de flagrante infração do princípio da proteção da confi- ança (por sua vez, diretamente deduzido do princípio do Estado de Direito),
12 CANOTILHO, JJ Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4. ed. Coimbra:
Almedina, 2000. p. 333
13 SARLET, Ingo. A eficácia dos direitos fundamentais. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Ad-
vogado, 2001, p. 373 -374
que, de sua parte, implica a inconstitucionalidade de todas as medidas que inequivocamente venham a ameaçar o padrão de prestações já alcançado.
O princípio sob análise encontra-se amparado na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, sobretudo no tocante à proibição do retrocesso em matéria de direito social, colhe-se o seguinte julgado:
(...)VEDAÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL (...)
O princípio da proibição do retrocesso impede, em tema de direitos funda- mentais de caráter social, que sejam desconstituídas as conquistas já alcan- çadas pelo cidadão ou pela formação social em que ele vive. - A cláusula que veda o retrocesso em matéria de direitos a prestações positivas do Esta- do (...) no processo de efetivação desses direitos fundamentais individuais ou coletivos, obstáculo a que os níveis de concretização de tais prerrogati- vas, uma vez atingidos, venham a ser ulteriormente reduzidos ou suprimidos pelo Estado. Doutrina. Em consequência desse princípio, o Estado, após ha- ver reconhecido os direitos prestacionais, assume o dever não só de torná- los efetivos, mas, também, se obriga, sob pena de transgressão ao texto constitucional, a preservá-los, abstendo-se de frustrar - mediante supressão total ou parcial - os direitos sociais já concretizados. (...) (ARE 639337 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 23/08/2011, DJe-177 DIVULG 14-09-2011 PUBLIC 15-09-2011 EMENT VOL-02587-01 PP-00125)
Dessa forma, conclui-se, que a norma prevista nos arts. 223-A e 223- G, da CLT, na redação dada pela Lei n. 13.467/2017, é incompatível com o princípio de proteção do trabalho (art. 6°, caput ) e com a proibição de retrocesso social, motivo pelo qual há de ser declarada a sua inconstitucionalidade.
3 - DA CONCESSÃO DE MEDIDA LIMINAR:
Em razão da relevância temática e da urgência do feito, requer este Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil seja concedida medida caute- lar, pois se encontram presentes os pressupostos autorizadores constantes nos arts. 10 e 11 da Lei 9.868/1999.
O fumus boni iuris foi exaustivamente demonstrado no bojo desta pe- ça, uma vez que se mostra evidente a violação aos princípios da isonomia (art. 5°, caput ), da reparação integral do dano (art. 5°, incisos V e X), da independência do magistrado/livre convencimento (art. 93, IX), da proteção do trabalho (art. 6°, caput ), da proporcionalidade, da razoabilidade, entre outros.
Por sua vez, o periculum in mora também está presente no caso em comento. Destaca-se a urgência na concessão da medida liminar, pois eventual de- mora no julgamento do mérito desta ação implicará na violação de direitos funda- mentais de cada trabalhador, que estão sendo indenizados parcialmente. Transitadas em julgado as decisões judiciais, ter-se-á grande número de casos em que as indeni- zações serão significativamente inferiores ao quantum efetivamente devido.
Por todo o exposto, demonstrada a presença dos requisitos autorizado- res, é medida que se impõe a concessão da medida liminar para, até o julgamento do mérito, suspender a eficácia dos arts. 223-A e 223-G, §§1° e 2°, da CLT, na redação conferida pela Lei n. 13.467/2017.
4 - DOS PEDIDOS:
Pelo exposto, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil requer:
a) a admissão e o conhecimento da presente Ação Direta de Incons-
titucionalidade, considerando a violação a princípios e dispositivos da Constituição Federal;
b) a concessão de medida cautelar para suspender a eficácia dos
arts. 223-A e 223-G, §§1° e 2°, da CLT, na redação conferida pela Lei n. 13.467/2017;
c) a notificação da PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA , da CÂ-
MARA DOS DEPUTADOS e do SENADO FEDERAL , por intermédio de seus Presidentes, para se manifestarem, no prazo de 5 (cinco) dias, sobre o pedido de con- cessão de medida cautelar, (art. 10 da Lei n. 9.868/99), bem como sua notificação para se manifestarem sobre o mérito da presente ação, no prazo de 30 (trinta) dias, nos termos do art. 6°, parágrafo único, da Lei n° 9.868/99;
e) a notificação do Exmo. Sr. Advogado-Geral da União para se
manifestar sobre a presente ação, nos termos do Art. 8° da Lei n° 9.868/99 e da exi- gência constitucional do art. 103, § 3°;
f) a notificação da Exma. Sra. Procuradora-Geral da República para
que emita o seu parecer, nos termos do art. 103, § 1°, da Constituição Federal;
g) ao final, a procedência do pedido de mérito, declarando-se a in-
constitucionalidade dos arts. 223-A e 223-G, §§1° e 2°, da CLT, na redação conferida pela Lei n. 13.467/2017, ante a violação aos princípios da isonomia (art. 5°, caput ); da reparação integral do dano (art. 5°, incisos V e X), da proteção do trabalho (art. 6°, caput ); do retrocesso social; da independência do magistrado/livre convencimento (art. 93, IX), da proporcionalidade, da razoabilidade; bem como ofensa aos arts. 7°, XXVIII, 225, caput , § 3° e 170, caput , inciso VI, todos positivados na Constituição Federal.
Caso seja necessário, requer seja deferida a produção de provas (art. 20, § 1°, da Lei n. 9.868/99).
Deixa-se de atribuir valor à causa, em face da impossibilidade de afe- ri-lo.
Nesses termos, pede deferimento.
Brasília/DF, 05 de fevereiro de 2019.
Nome Oliveira Scaletsky
Presidente Nacional da OAB
00.000 OAB/UF
Nome
Presidente da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais
00.000 OAB/UF
Nome
Vice-Presidente Nacional da OAB
00.000 OAB/UF
00.000 OAB/UF
Nome
Presidente da Comissão de Direitos Sociais
00.000 OAB/UF
Nome
00.000 OAB/UF