TRF-3 - APELAÇÃO CÍVEL: ApCiv XXXXX20234039999 MS
E M E N T A PREVIDENCIÁRIO - SALÁRIO-MATERNIDADE - SEGURADA ESPECIAL RESIDENTE EM ALDEIA INDÍGENA - CERTIDÃO EXPEDIDA PELA FUNAI - TRABALHADORA EQUIPARADA AOS TRABALHADORES RURAIS - INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO - OBRIGATORIEDADE - DEVIDO PROCESSO LEGAL - VIOLAÇÃO - NECESSIDADE DE INTÉRPRETE DA LÍNGUA NATIVA PARA REALIZAÇÃO DE AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO - CERCEAMENTO DE DEFESA CONFIGURADO - SENTENÇA ANULADA - RETORNO DOS AUTOS À INSTÂNCIA DE ORIGEM PARA PROSSEGUIMENTO DO FEITO COM OBSERVÂNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. 1.Alega a parte autora que exerce atividade rural em regime de economia familiar e que permaneceu trabalhando até o nascimento de sua filho, em 13/01/2017, conforme certidão de nascimento apresentada, razão pela qual faz jus à obtenção de salário-maternidade. 2.A autora é indígena residente na Aldeia Taquapery, 393-B, na cidade de Coronel Sapuaia/MS, pertencente à etnia Kaiowá, conforme comprovado nos autos. Trouxe certidão de atividade rural 409/2018, a demonstrar início de atividade rural como segurada especial em 03/06/2016 na cultura de milho, arroz, mandioca e outros para subsistência. 3.A legislação previdenciária considera os indígenas da mesma forma que o trabalhador rural e a condição de segurado especial será comprovada por meio de certidão fornecida pela FUNAI, conforme dispõe o Decreto nº 3.048 /99. 4.O Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul não foi intimado a se manifestar no decorrer da ação, não obstante a situação de vulnerabilidade da autora indígena. 5.A ausência de intervenção do Parquet em primeiro grau de jurisdição, a despeito do disposto no artigo 178 , incisos I e II do Código de Processo Civil e no artigo 31 da Lei nº 8.742 /93 que dispõe sobre a organização da Assistência Social e dá outras providências, obstou o regular andamento da ação. O prejuízo pela falta de intimação do Ministério Público pode ser aferido, concretamente, considerando que a parte autora e as testemunhas são indígenas da etnia Kaiowá e não têm o domínio do idioma português, o que prejudicou a produção de prova testemunhal, conforme relatado pela apelante nas razões recursais e também pelo que se vê da gravação da mídia constante dos autos (ids.270477418 e segs). 5.O artigo 3º, inciso IV, da Resolução CNJ nº 454/2022, estabelece que ao indígena deve ser assegurado o direito de compreensão de todos os atos processuais, nos seguintes termos:"Art. 3º. Para garantir o pleno exercício dos direitos dos povos indígenas, compete aos órgãos do Poder Judiciário: (...) IV – assegurar ao indígena que assim se identifique completa compreensão dos atos processuais, mediante a nomeação de intérprete, escolhido preferencialmente dentre os membros de sua comunidade”. 6.É imperativa a nulidade da r. sentença, com o retorno dos autos à primeira instância para que a audiência seja realizada com a presença de intérprete da língua materna da depoente e das testemunhas, nos termos da Resolução CNJ nº 454/2022 com acompanhamento do Ministério Público de 1ª Instância. 7.Sentença anulada. Retorno dos autos à instância de origem, para prosseguimento do feito com observância do devido processo legal.