TRF-1 - APELAÇÃO CIVEL: AC XXXXX20194013811
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇAO DE RITO COMUM. INGRESSO NO ENSINO SUPERIOR PÚBLICO. SISU 2019/1. SISTEMA DE COTAS RACIAIS. COMISSÃO DE HETEROIDENTIFICAÇÃO. NÃO HOMOLOGAÇÃO DA AUTODECLARAÇÃO DE PARDO. INDEFERIMENTO DA MATRÍCULA POR MEIO DE MOTIVAÇÃO GENÉRICA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. COMPROVAÇÃO DA CONDIÇÃO POR FOTOGRAFIAS, VÍDEO E DOCUMENTOS OFICIAIS. DIREITO À MATRÍCULA. RECONHECIMENTO. SENTENÇA MANTIDA. 1. Não obstante a legitimidade da adoção da heteroidentificação como critério supletivo à autodeclaração racial do candidato (ADC 41, Relator Ministro. Roberto Barroso, Tribunal Pleno, julgado em 08/06/2017, DJe-180 17-08-2017), a atuação administrativa a ela referente deve estar pautada em critérios objetivos antecedentes à avaliação realizada, voltando-se ao impedimento de eventual tentativa de fraude ao sistema de cotas e valorizando, ainda, a relativa presunção de legitimidade da autodeclaração. 2. A simples afirmação pela Comissão de Validação de Matrículas da Universidade de que determinado candidato não possui características fenotípicas da etnia negra é totalmente descabida, uma vez que atos que gerem prejuízo para os administrados devem, necessariamente, ser motivados. (Ac XXXXX-08.2012.4.01.3700 , Rel. Desembargador Federal Néviton Guedes, TRF1 - Quinta Turma, e-DJF1 de 30/08/2016). 3. A jurisprudência desta Corte Regional vem admitindo a possibilidade de afastamento das conclusões das comissões de heteroidentificação em processos seletivos públicos quando, dos documentos juntados aos autos, é possível verificar que as características e aspectos fenotípicos do candidato são evidentes, de acordo com o conceito de negro (que inclui pretos e pardos) utilizado pelo legislador, baseado nas definições do IBGE ( AMS XXXXX-98.2020.4.01.3803 , Rel. Desembargador Federal Souza Prudente, Quinta Turma, PJe 30/09/2021). 4. Hipótese em que a Comissão de Heteroidentificação se negou a confirmar a autodeclaração de pardo do candidato sob a justificativa de que ele não teria apresentado o conjunto de características fenotípicas de pessoas negras (pretos/pardos), não se enquadrando no público-alvo da política de cotas raciais. 5. Na espécie, dos elementos processuais trazidos pelas partes, não se vislumbra qualquer indício de inconsistência contida na autodeclaração apresentada pelo candidato, mesmo em face dos critérios fenotípicos referenciados, tendo o acervo probatório constante dos autos (documentos oficiais com foto, fotografias, link com vídeo do procedimento de verificação realizado e documentos de instituições públicas de ensino, pelos quais fora atestada a sua condição de pardo) demonstrado de forma contundente a condição racial declarada, sem espaço para que se argumente por possíveis artifícios ou manipulações das imagens apresentadas, ao passo que a decisão administrativa que não o enquadrou como destinatário da política destinada às pessoas negras apresenta-se, por sua vez, desprovida de motivação idônea. 6. De se destacar, aliás, que o autor já fora identificado como negro em processo seletivo realizado no semestre anterior pela Universidade Federal de Lavras MG, pelo qual fora aprovado para o mesmo curso (Medicina), também por meio do SiSU (2018/2), em vaga reservada aos candidatos negros, tendo sua autodeclaração sido confirmada por Comissão designada pela UFLA, conforme Atestado 6/2019/PRG emitido por aquela instituição de ensino, o qual fora acostado à inicial juntamente com outras declarações e documentos emitidos pela Escola Estadual Quinto Alves Tolentino e pela Secretaria de Estado da Educação, em que também consta indicação de sua etnia como sendo parda. 7. Os atos administrativos que acarretem prejuízo para os administrados devem ser motivados, sobretudo para que se possa assegurar o direito ao contraditório e à ampla defesa, elementares ao devido processo legal administrativo, mostrando-se descabida a simples afirmação pela comissão de heteroidentificação de que o candidato não possui características fenotípicas de pessoa negra, tal como se deu no caso vertente, em que o indeferimento da matrícula do autor se fundamentou em ato proferido por meio de motivação genérica, sem especificar quais aspectos fenotípicos não teriam sido atendidos pelo candidato. Precedentes deste Tribunal no mesmo sentido: AC XXXXX-54.2020.4.01.3300 , Rel. Desembargador Federal Carlos Augusto Pires Brandão, TRF1 Quinta Turma, PJe 25/08/2021; AC XXXXX-08.2012.4.01.3700 , Rel. Desembargador Federal Néviton Guedes, TRF1 - Quinta Turma, e-DJF1 de 30/08/2016. 8. Desse modo, carecendo de motivação idônea o ato administrativo que concluiu que o autor não se enquadrava no público-alvo da política de cotas raciais e não havendo elementos nos autos que afastem a presunção de veracidade da autodeclaração por ele apresentada, impõe-se o reconhecimento do seu direito à matrícula, em caráter definitivo, no curso de Medicina Integral da UFMG para o qual fora selecionado, desde que ausente outros óbices. 9. Apelação da Universidade Federal de Minas Gerais a que se nega provimento. 10. Honorários advocatícios estabelecidos majorados de R$ 3.500,00 (três mil e quinhentos reais) para R$ 4.200,00 (quatro mil e duzentos reais), à luz do art. 85 , § 11 , do CPC .