INCIDENTE DE DESCOLAMENTO DE COMPETÊNCIA. HOMICÍDIOS DE MARIELLE FRANCO E ANDERSON GOMES. TENTATIVA DE HOMICÍDIO DE FERNANDA GONÇALVES CHAVES. INQUÉRITO POLICIAL CIVIL EM ANDAMENTO, COM SUPERVISÃO DO GAECO DO MPRJ. PRETENDIDO DESCOLAMENTO DAS INVESTIGAÇÕES DOS MANDANTES PARA A POLÍCIA FEDERAL. INEXISTÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS CONSTITUCIONAIS PARA A EXCEPCIONAL MEDIDA. PEDIDO JULGADO IMPROCEDENTE. 1. À mingua de legislação ordinária que disciplinasse a norma do § 5.º do art. 109 da Constituição Federal , acrescentado pela Emenda Constitucional n.º 45/2004, o Superior Tribunal de Justiça, dando-lhe aplicação imediata, tratou de delinear seus contornos. 2. Desde os primeiros julgamentos dos Incidentes de Deslocamento de Competência, ficaram estabelecidas as diretrizes para o acolhimento do pedido, quais sejam, excepcionalidade, necessidade, imprescindibilidade, razoabilidade e proporcionalidade da medida, observada a exigência de se reunir os seguintes pressupostos para o seu deferimento: (1) a existência de grave violação a direitos humanos; (2) o risco de responsabilização internacional decorrente do descumprimento de obrigações jurídicas assumidas em tratados internacionais; e (3) a incapacidade das instâncias e autoridades locais de oferecer respostas efetivas. 3. As circunstâncias que pairam sobre o caso, ainda inconcluso, parecem apontar para uma execução planejada, com indicativos de participação de organização criminosa, o que, evidentemente, configura gravíssimo atentado não só aos direitos humanos, mas ao próprio Estado Democrático de Direito. Afinal, estar-se-ia diante de uma ação delituosa contra parlamentar atuante perpetrada por criminosos que, em tese, integrariam grupo armado que exerce um poder paralelo ao do Estado constituído. 4. A alegação do MPF de "contaminação" do aparato policial do Estado do Rio de Janeiro pelo crime organizado é feita de forma genérica, sem a indicação de nenhum elemento ou indício de prova concreta do suposto comprometimento dos investigadores do caso. 5. Quanto aos agentes públicos que supostamente atuaram para atrapalhar as investigações, todos foram afastados e há investigações e ações penais em andamento para apuração dos fatos e punição de eventuais culpados. Assim, ao contrário do alegado na petição inicial do Incidente, para cada suposto desvio de conduta de membros da corporação houve uma reação firme no sentido de se reestabelecer a ordem. 6. A opinião de distinto Desembargador do TJRJ acerca da capacidade de a Polícia Civil desvendar os crimes em questão, dada em entrevista a um jornalista, não se transmuda em fundamento apto a justificar o pedido de intervenção, notadamente em razão das aludidas providências legais adotadas, que desdizem a insinuação de incapacidade. 7. Convém esclarecer que, até o momento, não se tem notícia de abertura de nenhum procedimento formal perante as Cortes Internacionais para apurar eventual responsabilidade do Brasil decorrente de suposto descumprimento de obrigações jurídicas assumidas em tratados internacionais. 8. É certo que o Brasil se comprometeu, ao aderir a acordos multilaterais, a garantir proteção a direitos internacionalmente consagrados, em especial, os direitos humanos. Contudo, a responsabilização por eventual descumprimento, necessariamente, deve decorrer de inércia, descaso, condescendência, ou seja, de uma inação ou de uma ação descompromissada com o bem jurídico tutelado. Hipótese inexiste no caso. 9. A condução das investigações pelas autoridades locais, até o momento, repele a alegação de inércia, ressaltando que já foram ouvidas mais de 230 pessoas, dentre elas, testemunhas, informantes e indiciados, e realizadas diversas medidas cautelares, como interceptação telefônica, quebra de sigilo de dados telemáticos, interceptação ambiental, buscas e apreensões no curso da investigação. 10. No transcorrer das investigações realizadas pela Polícia Civil do Estado em conjunto com o Ministério Público, houve encontro fortuito de crimes graves, envolvendo grupos armados e perigosos, justamente aqueles que são apontados como resistentes ao bom andamento do trabalho investigatório, o que denota efetiva reação do Estado contra o crime organizado. 11. Pelo que se pode inferir dos autos, não há sombra de descaso, desinteresse, desídia ou falta de condições pessoais ou materiais das instituições estaduais encarregadas por investigar, processar e punir os eventuais responsáveis pela grave violação a direitos humanos decorrente dos homicídios da vereadora Marielle Francisco da Silva e seu motorista, Anderson Pedro Matias Gomes. Ao revés, constata-se notório empenho da equipe de policiais civis da Delegacia de Homicídios e do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado - GAECO do Ministério Público do Estado do Estado do Rio De Janeiro, o que desautoriza o atendimento ao pedido de deslocamento do caso para a esfera federal. 12. Ademais, considerando o vasto acervo já formado, com centenas de diligências cumpridas e outras tantas em andamento, o pretendido deslocamento das investigações para a Polícia Federal, ao que tudo indica, acarretaria efeito contrário ao que se defende no incidente suscitado, isto é, traria mais atraso às investigações, militando em desfavor do objetivo perquirido. 13. O auxílio que outras instituições federais ou, quiçá, de outros Estados podem dar à persecução penal, com expressa autorização legal (art. 3.º , inciso VIII , da Lei n.º 12.850 /2013), não deve ser desprezado, mormente em razão da complexidade da investigação em tela. Revela-se, pois, bem-vindo o registro lançado pelo Parquet Estadual de que, "nesta parte da investigação, o Ministério da Justiça atua diretamente e prestando apoio ao Ministério Público do Rio do Janeiro, onde diversos atos de investigação vêm sendo praticados em conjunto com o GAECO MPRJ". 14. Pedido de deslocamento de competência julgado improcedente.