VOTO-EMENTA. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. DEFICIÊNCIA. ART. 20 , DA LEI 8.742 /93 (LOAS). RECURSO DO INSS. NEGADO PROVIMENTO. 1. Pedido de concessão de benefício assistencial ao portador de deficiência. 2. Sentença lançada nos seguintes termos: “(...) 2.1 Da incapacidade A médica perita que examinou a parte fez constar de seu laudo que o autor “tem 18 anos, ensino fundamental completo, nunca conseguiu exercer atividades formais de trabalho. Pleiteia BPC. Refere que desde os 14 anos sofre de esquizofrenia: alucinações auditivas e sensação de estar sendo perseguido. Chegou a ser submetido a internação psiquiátrica devido a surto psicótico na FAMEMA. Atualmente é submetido a tratamento psiquiátrico no posto de saúde e está medicado com olanzapina na dose de 15 mg/noite. Refere que não consegue ficar sozinho, que tem lentidão de raciocínio e que por vezes ainda sofre de alucinações auditivas. Gosta de jogar videogames no computador. Reside com sua mãe e com seu irmão. Tentou exercer atividades de trabalho em sua cidade na época de natal, mas não conseguiu exercer atividades”. Em suma, após entrevistar o autor, analisar toda a documentação médica que lhe foi apresentada e examinar clinicamente o periciando, a médica perita concluiu que o autor é portador de “Esquizofrenia Paranóide”, doença que lhe causa incapacidade para o exercício de atividade que possa lhe prover o sustento (quesito 4) de forma total e definitiva (quesitos 5 e 6). Em resposta aos quesitos do juízo, a perita explicou que “a Esquizofrenia Paranoide se caracteriza essencialmente pela presença de ideias delirantes relativamente estáveis, frequentemente de perseguição, em geral acompanhadas de alucinações, particularmente auditivas e de perturbações das percepções. Autor comprova doença mental há 3 anos, que necessitou de internação psiquiátrica no início do quadro e comprova hoje prejuízos em seu exame de estado mental que o impossibilitam exercer atividades de trabalho. Autor aparente controle relativo de sintomas, entretanto prejuízos cognitivos são evidentes em seu exame, apresenta dificuldades em planejamento de ações e capacidade de organização psíquicas que o impedem de desenvolver ações e realizar projetos” (quesito 2). Questionada quanto à data de início da doença (DID) e da incapacidade (DII), a perita afirmou que o autor “apresenta incapacidade total e permanente desde a data de 14/11/2017, data de sua última internação psiquiátrica” (quesito 3). Restou comprovado, portanto, que o autor se subsume ao conceito legal de pessoa deficiente, na medida em que possui impedimentos de longo prazo de natureza mental (quesito 8) que podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, exatamente conforme dispõe o § 2º do art. 20 da Lei nº 8.742 /93. 2.2 Da miserabilidade Em 19/09/2020 foi realizado estudo social por perita nomeada por este juízo, cujo laudo foi anexado aos autos. Segundo relata a perita, o autor reside com a mãe, o pai e um irmão (de 22 anos de idade) em um imóvel financiado, de padrão popular (CDHU), composto por cinco cômodos, sendo dois quartos, sala, cozinha e banheiro. A moradia está situada na zona urbana, em bairro residencial de fácil acesso, e é atendido pelos serviços básicos de infraestrutura como pavimentação, água e esgoto, luz elétrica e coleta de lixo. As fotos que instruem o laudo social demonstram que a residência está guarnecida com móveis e eletrodomésticos simples, antigos, desgastados pelo tempo. A manutenção da família é provida pela remuneração percebida pelo pai do autor, empregado junto a TRANSMIMO LTDA desde 27/03/2019, conforme demonstra a documentação trazida aos autos pelo MPF (evento 49). Na esteira do parecer ministerial, observa-se que a renda familiar é variável, em torno de R$ 2.140,00. Ainda que matematicamente a renda acima indicada, dividida pelas quatro pessoas que compõem o grupo familiar, totalize uma renda per capita que ultrapassa o valor de ¼ do salário mínimo, convenço-me de que no caso concreto resta evidenciada a necessidade de socorro pelo Estado por meio da concessão do benefício assistencial aqui reclamado. O próprio STF relativizou o critério aritimético da LOAS para definição de miserabilidade, ao emprestar o critério de ½ salário mínimo adotado em outros benefícios governamentais de natureza assistencial. Nesse sentido, cito o excerto extraído do voto proferido no Recurso inominado nº 0000826-30.2012.403.6323 , pela C. 2ª TR/SP, tendo por relator o Exmo. Juiz Federal Alexandre Cassetari que, fazendo referência aos Recursos Extraordinários STF nºs 567.985/MT e 580.963/PR, assim decidiu: "Sobre esse assunto é oprotuno destacar que o critério de cálculo utilizado com o intuito de aferir a renda mensal familiar per capta para fins de concessão de benefício assistencial foi recentemente apreciado pelo plenário do STF, no julgamento dos R.E. XXXXX/MT e XXXXX/PR, sendo declarada a inconstitucionaoidade incidenter tantum do § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742 /93. (...) No mérito, prevaleceu o entendimento do Ministro Gilmar Mendes, consagrando a possibilidade de aferição da miserabilidade pelo Juiz, de acordo com o exame das condições específicas do caso concreto, sem que tal fato represente afronta ao princípio da Separação dos Poderes (Informativo702, Plenário, Repercussão Geral). (...) Para tanto, penso que o limite de renda mensal familiar per capita de 1/2 salário mínimo recentemente adotado como critério para aferição da miserabilidade em programas sociais como o Fome Zero, o Renda Mínima e o Bolsa Escola mostra-se um norte razoável..." ( RI XXXXX-30.2012.403.6323 , Rel. JF Alexandre Cassetari, 2ª TR/SP, j. 25/02/2014) Adotado esse critério, a família matematicamente estaria subsumida ao conceito de miserável, a ensejar a percepção do benefício de prestação continuada previsto no art. 203 , inciso V , CF/88 . Por isso, preenche o autor, objetivamente, também o requisito legal e constitucional da miserabilidade que lhe assegura o direito à percepção do benefício reclamado nesta ação e que, indevidamente, lhe foi negado pelo INSS frente a requerimento administrativo com DER em 26/10/2018 (evento 09, fl. 03). Antes de passar ao dispositivo, entendo cabível, ainda, o deferimento da tutela de urgência, dada a vulnerabilidade social constatada e a deficiência, evidenciando urgência, além da certeza própria da cognição exauriente inerente ao momento processual. Por fim, consigno que eventual reforma desta sentença isenta a parte autora de devolver as parcelas recebidas no curso do processo, a menos que decida de maneira diversa o r. juízo ad quem. Sem mais delongas, passo ao dispositivo. 3. Dispositivo Posto isto, JULGO PROCEDENTE o pedido e extingo o feito nos termos do art. 487 , I , CPC , o que faço para condenar o INSS a implantar ao autor o benefício assistencial da LOAS com os seguintes parâmetros:-benefício: BPC da LOAS-deficiente-titular: RAFAEL CORREA TEODORO - representante: VALQUIRIA CORREA TEODORO-CPF da representante: 220.083.458-66-DIB: 26/10/2018 (DER)-DIP: na data desta sentença – os valores atrasados (vencidos entre a DIB e a DIP) deverão ser pagos por RPV, acrescidos de juros de mora de 0,5% ao mês mais IPCA-E, após o trânsito em julgado desta sentença-RMI: um salário mínimo mensal O benefício deverá ser implantado em nome do autor, porém, pago à sua mãe, Sra. VALQUIRIA CORREA TEODORO (CPF XXXXX-66), que fica por este ato nomeada sua curadora especial exclusivamente para fins de administrar o benefício ora concedido (art. 72 , I , CPC ), a quem caberá administrar os recursos do benefício e vertê-lo integralmente em favor do autor, podendo ser chamada a prestar contas e responder, inclusive criminalmente, caso se constate o desvio dos recursos em proveito próprio ou finalidade diversa da aqui estabelecida.” 3. Recurso do INSS (em síntese): alega que a parte autora não preenche os requisitos para a concessão do benefício. Aduz que “a parte recorrida está inserida em grupo familiar com renda mensal superior a ¼ do salário mínimo, composta pela remuneração de seu genitor em torno de R$2.140,00 (dois mil cento e quarenta reais), não se tratando de pessoa em situação de miserabilidade social a ser remediada pelo benefício assistencial. Ainda, residem em casa financiada e seu irmão, maior de idade, não apresenta qualquer tipo de impedimento para o trabalho, sendo possível que o mesmo exerça atividades laborais a fim de complementar a renda do núcleo.”. 4. Verifico que a sentença abordou de forma exaustiva todas as questões arguidas pela parte recorrente, tendo aplicado o direito de modo irreparável, razão pela qual deve ser mantida por seus próprios fundamentos, nos termos do art. 46 da Lei nº 9.099 /95. 5. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 6. Condeno a recorrente vencida ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor da condenação (art. 55 da Lei nº 9.099 /95), atualizado conforme os parâmetros estabelecidos pela sentença. 7. É o voto. PAULO CEZAR NEVES JUNIOR JUIZ FEDERAL RELATOR PARA ACÓRDÃO