PROCESSO Nº: XXXXX-16.2016.4.05.8300 - APELAÇÃO CÍVEL APELANTE: JARBAS DE ANDRADE VASCONCELOS ADVOGADO: Filipe Ferreira Soares Lobato Carvalho e outro APELADO: DEPARTAMENTO NACIONAL DE INFRAESTRUTURA DE TRANSPORTES - DNIT RELATOR (A): Desembargador (a) Federal Cid Marconi Gurgel de Souza - 3ª Turma JUIZ PROLATOR DA SENTENÇA (1º GRAU): Juiz (a) Federal Roberto Wanderley Nogueira EMENTA CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. CONVÊNIO N. PG-233/99. DUPLICAÇÃO DA BR-232/PE. PRESTAÇÃO DE CONTAS. EXECUÇÃO DA OBRA. FALHAS DETECTADAS PELO DEPARTAMENTO NACIONAL DE INFRAESTRUTURA DE TRANSPORTES - DNIT. INSTAURAÇÃO DE TOMADA DE CONTAS ESPECIAL. PRESCRIÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. COBRANÇA DO VALOR INTEGRAL DO CONVÊNIO. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. DESPROPORCIONALIDADE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. APLICAÇÃO DO ART. 85 , § 3º , DO CPC . 1. Apelação desafiada por Jarbas de Andrade Vasconcelos em face da sentença oriunda da 1ª Vara Federal de Pernambuco, que julgou improcedente o pedido autoral, deduzido por meio de Ação Cautelar antecedente, que objetivava a declaração de inexistência de relação jurídico-obrigacional entre o ex-Governador de Pernambuco e o DEPARTAMENTO NACIONAL DE INFRAESTRUTURA DE TRANSPORTES - DNIT em relação ao Convênio n. PG-233/99 (para duplicação e melhoria da BR-232), desobrigando-o do pagamento do valor de R$ 473.802.522,78 (quatrocentos e setenta e três milhões, oitocentos e dois mil, quinhentos e vinte e dois reais e setenta e oito centavos), quantia cobrada pela Autarquia Ré conforme apuração realizada na Tomada de Contas Especial relativa ao referido Convênio n. PG-233/99, impedindo, em consequência, a inscrição do postulante no CADIN e no SIAFI. 2. Nas suas razões recursais, alega o Recorrente, em suma: a) que exerceu o Mandato de Governador do Estado de Pernambuco no período de 01.01.1999 a 02.04.2006, celebrando o Convênio n. PG-233/99 com o extinto Departamento Nacional de Estradas de Rodagem - DNER, cuja entidade Gestora e Executora foi o Departamento de Estradas de Rodagem do Estado de Pernambuco - DER/PE, tendo como objeto a execução de obras e serviços de restauração, melhoramentos e supervisão da Rodovia BR-232/PE no trecho Recife/Caruaru; b) houve a indevida confusão entre o Autor da ação, então Governador do Estado de Pernambuco por ocasião da obra, e o Ente Autárquico Estadual que geriu o Convênio e executou a obra por intermédio das Empresas contratadas para tanto; c) ilegalidade da notificação para restituir o valor do Convênio, uma vez que a obra foi concluída e as falhas construtivas são de responsabilidade da Empresa executora do Contrato, já demandada judicialmente pelo DER/PE nos autos do Processo XXXXX-4, caracterizando a cobrança em verdadeiro bis in idem; d) prescrição decenal da obrigação imposta, nos termos do art. 6º, II, da Instrução Normativa n. 71/2012 do TCU, haja vista que o Convênio foi celebrado em 15.12.1999 e a notificação somente ocorreu em 24.12.2014; e) impossibilidade de o Autor ser objetivamente responsabilizado por defeitos da obra, de tal modo que, em situação que tal, sua responsabilização teria que ser demonstrada por um ato de omissão culposa ou dolosa, mormente porque essa responsabilidade deve ocorrer em razão do direito de regresso; e) iliquidez da obrigação, por ser desarrazoada e desproporcional. 3. Contrarrazões apresentadas pelo DNIT, defendendo que as irregularidades constatadas na execução e prestação de contas do Convênio, apontadas pela sua Área Técnica, nas fases de fiscalização da execução, referem-se a falhas construtivas e defeitos estruturais da pista, a demonstrar falta de fiscalização eficiente do Convenente Estado de Pernambuco e do Executor, o DER/PE, tendo como resultado uma obra que não atende ao mínimo padrão para a realização de empreendimento deste porte, o que torna irregular a prestação de contas do Convênio a falta de recebimento definitivo da obra, sobretudo considerando que o convênio findou em 31/3/2006. 4. Defende ainda a Autarquia Federal a não incidência de prazo prescricional para a instauração de Tomada de Contas Especial e para as Ações de Ressarcimento por prejuízos causados ao Erário por agente, servidor ou não, o que se extrairia do art. 37, § 5º, da Carta Magna. 5. Quanto à responsabilidade do Autor desta demanda pelos danos apontados, o DNIT sustenta que o Convênio ocorreu durante a Gestão do Autor como Governador do Estado de Pernambuco, no período de 01/01/1999 a 31/03/2006, figurando no Contrato o Estado de Pernambuco, representado pelo Chefe do Poder Executivo, à época, o Apelante, figurando ainda como Interveniente-Executor o DER/PE. Nessa linha, acrescenta que na Cláusula Quarta do 3º Termo Aditivo, o Estado de Pernambuco assumiu como contrapartida o valor de R$ 65.112.510,00 (sessenta e cinco milhões, cento e doze mil e quinhentos e dez reais), equivalente a 60% do valor do Convênio. Tal despesa foi autorizada pelo então Governador, o que reforça a sua condição de Ordenador de Despesas. 6. Parecer Ministerial no sentido do provimento do Apelo para: a) reconhecimento da prescrição da ação para cobrança da dívida, eis que, não tendo derivado de ato ilícito, sofre os efeitos da prescrição decorrente da cessação da omissão em realizar os atos de correção do objeto construído (2006) e o chamamento do Recorrente para o Processo Administrativo ocorrido no ano de 2014, sem prejuízo de a cobrança ocorrer por Ação Regressiva na forma da Lei; b) acaso superada a prescrição, seja o processo extinto sem resolução de mérito, eis que o Gestor, por não haver relação jurídico-material entre ele e o Ente Federal, somente pode responder em Ação Regressiva movida pelo Ente que governava, caso tenha sido executado pela dívida; c) acaso superada a prescrição, seja o pedido nela inserido julgado improcedente, na medida em que o que se poderia ser exigido do Governador do Estado, diante da ausência de conluio entre ele e os projetistas e construtores, era apenas o de pagar por uma obra efetivamente realizada, como é ato público e notório. 7. O Recorrente ajuizou Ação Cautelar antecedente, com pedido liminar, contra o DNIT, objetivando provimento jurisdicional declaratório de inexistência de relação jurídico-obrigacional entre a parte Autora (ex-Governador do Estado de Pernambuco) e o Demandado, com a consequente suspensão da cobrança no importe de R$ 473.802.522,78 (quatrocentos e setenta e três milhões, oitocentos e dois mil, quinhentos e vinte dois reais e setenta e oito centavos) constante na GRU XXXXX-2 43430001010-9 95523111883-4 60487215620, bem como a proibição da parte Ré em proceder com eventual inscrição do nome do Autor no CADIN-SIAFI/CADIN. 8. O valor supracitado corresponde à suposta obrigação de ressarcimento de recursos destinados à execução de obras e serviços de restauração, melhoramentos e supervisão da Rodovia BR XXXXX/PE, no trecho Recife/Caruaru, repassados por meio do Convênio n. PG-233/99, celebrado em 15 de dezembro de 1999 e formulado entre o extinto Departamento Nacional de Estradas de Rodagem - DNER e o Estado de Pernambuco, figurando como Entidade Gestora e Executora o Departamento de Estradas de Rodagem do Estado de Pernambuco - DER/PE, participando o Autor, então Governador do Estado, como Agente Político. 9. Deve ser enfrentada, por primeiro, a alegação de prescrição, porque o Juízo de Primeiro Grau abordou essa questão no início da lide, antes mesmo da citação do DNIT. Ademais, trata-se de questão de Ordem Pública, passível de ser suscitada em qualquer grau de jurisdição, podendo ser enfrentada até mesmo de ofício, pelo Juízo e, por outro lado, não foi enfrentada por esta egrégia Corte por ocasião do julgamento do AGTR XXXXX-03.2016.4.05.0000 , a despeito de suscitada no aludido Recurso, até mesmo porque envolvia uma profunda análise dos fatos, cujo panorama só estaria devidamente composto após o pronunciamento da parte adversa. 10. O entendimento adotado pelo Juízo de Primeiro Grau, no sentido da imprescritibilidade das Ações de Ressarcimento com amparo em interpretação do art. 37, § 5º, da Constituição Federal tinha suporte em precedentes do STJ e do STF. Entretanto, as bases desse entendimento restaram superadas pelo STF, após o julgamento do RE XXXXX/SP , julgado em 8/8/2018, em que se fixou a seguinte Tese: "São imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa ." 11. Se qualquer dúvida ainda podia haver quanto a prescritibilidade das Ações de Ressarcimento fundadas em Títulos dos Tribunais de Contas, elas restaram definitivamente superadas com o julgamento do RE XXXXX/AL , Relator Ministro Alexandre de Moraes , Tribunal Pleno, julgado em 20/04/2020, Tema 899 de Repercussão Geral, com a seguinte Tese: "É prescritível a pretensão de ressarcimento ao erário fundada em decisão de Tribunal de Contas." 12. Logo, há que se distinguir entre a pretensão de ressarcimento fundada em título do TCU - para a qual prevalece a regra geral, de que incide o prazo prescricional a ser definido por Lei - e aquelas que se fundam em sentença proferida em Ação de Improbidade, nas quais se reconhece a prática de ato ímprobo praticado com dolo, em relação às quais não há prescrição, conforme decidiu o STF. 13. Cuidando-se, portanto, o presente caso, de ação que se insurge contra a imputação de débito decorrente de Tomada de Constas Especial, há que se admitir a possibilidade de prescrição da pretensão, sem prejuízo, naturalmente, de que os mesmos fatos sejam examinados no âmbito Judicial sobre o enfoque da improbidade administrativa, caso surjam elementos ofereçam suporte a essa acusação. 14. Ao julgar o MS XXXXX/DF , Relator Ministro Roberto Barroso , Primeira Turma, julgado em 21/03/2017, o STF definiu que, dado o seu caráter geral, "a prescrição da pretensão sancionatória do TCU é regulada integralmente pela Lei nº 9.873 /1999 - que regulamenta a prescrição relativa à ação punitiva pela Administração Pública Federal, direta e indireta", uma vez que "A Lei nº 8.443 /1992 (Lei Orgânica do TCU), ao prever a competência do órgão de contas federal para aplicar multas pela prática de infrações submetidas à sua esfera de apuração (art. 58), deixou de estabelecer prazo para o exercício do poder punitivo." 15. No caso concreto, em se imputando ao autor da presente demanda ato omissivo, o prazo deve se iniciar quando cessada a omissão, na medida em que esse tipo de conduta acarreta uma infração de natureza permanente. É fato público e notório que o Recorrente Jarbas Vasconcelos exerceu o Mandato Político até 31 de março de 2006. 16. Compulsando os autos, constata-se que a Tomada de Contas Especial foi instaurada pela Portaria n. 1601/2009, ocasião em que as Autoridades Estaduais, a exemplo do Governador Eduardo Campos , foram notificadas a integrar o processo até 07.05.2010, somente a partir de então, estando notificado o Estado de Pernambuco e o DER/PE, podendo prosseguir o feito. 17. Esse ato de apuração dos fatos, portanto, fez incidir o art. 2º , II , da Lei n. 9.873 /99, que importa em interrupção da prescrição da sua apuração, nos termos do citado Acórdão do STF. Note-se que, até então, haviam sido empreendidas diversas solicitações do TCU ao DER/PE, para que este, o Executor do Convênio, apresentasse o termo de recebimento definitivo da obra, o que não foi feito porque, segundo o próprio DER/PE, estavam em curso medidas, inclusive judiciais, para obrigar as Empresas contratadas a refazer determinados trechos da obra que estariam com irregularidades técnicas. 18. Somente em 07/07/2009, por meio do Ofício n. 1050/2009-PR, o DER/PE encaminhou o Certificado de Recebimento de Obras com Ressalvas, o que justificou o registro do Estado de Pernambuco no SIAFI e a instauração da Tomada de Constas Especial. Diante disso, ficou demonstrado que, antes da prescrição da pretensão sancionatória, foi instaurado o procedimento adequado para a apuração dos fatos, e notificados os Órgãos envolvidos para integrá-lo, o que tem o condão de interromper a prescrição, justificando o posterior julgamento e sancionamento pelo Tribunal de Contas da União. 19. Tampouco restou alegado ou demonstrado que o processo tenha ficado parado por mais de 3 (três) anos. Ao contrário, o que se verifica é uma sucessão de fatos de apuração, diligências e esclarecimentos, o que se justifica pelo volume e complexidade da obra, até que, em 18/10/2014, sobreveio Parecer conclusivo responsabilizando, dentre outros, o Autor da presente demanda, Governador do Estado de Pernambuco à época da execução da maior parte do Convênio. Em seguida, expediu-se a notificação para que apresentasse defesa, recebida ainda em 24/12/2014, conforme Aviso de Recebimento constante dos autos do TCE, não se vislumbrando, portanto, a ocorrência da prescrição. 20. Afasta-se, também por esse exame, a alegação de ofensa ao devido Processo Administrativo ou ao contraditório, já que houve, em tempo e modo, o chamamento do ora Autor ao Processo Administrativo, para que apresentasse a sua defesa. Superada a alegação de prescrição e de ofensa ao devido processo legal, passa-se ao exame da alegação de imputação de responsabilidade objetiva. 21. Do que os autos administrativos descortinam, não se vislumbram objetivamente motivos para a imputação de responsabilidade ao então Gestor, ainda mais pelo ressarcimento do valor integral do Convênio. Em primeiro lugar, é de se observar que o então Governador assinou o Convênio como Gestor do Entre Federado, mas o Contrato previa expressamente que o Executor do Convênio e Gestor da Obra seria o DER/PE. 22. A obra, como ficou demonstrado, não fora concluída durante a Gestão do Autor, somente sendo apresentado o termo de recebimento da obra, com ressalvas, em 2009, durante a Gestão do seu Sucessor, estando demonstrado que foram tomadas diversas medidas pelo DER/PE, inclusive judiciais, para compelir as Empreiteiras contratantes a corrigir diversas irregularidades encontradas. 23. Cumpre destacar que a obra tinha dimensões incomuns, tratando-se da duplicação da Rodovia BR-232/PE em trecho que vai do km 11,5 ao 129,9 ou seja, com mais de 118 km, com diversos aditivos para contornar obstáculos verificados no curso da obra. Nesse contexto, considerando que o Governo do Estado não era o Executor do Convênio nem Gestor da Obra, mas o DER/PE, Autarquia integrante da administração indireta do Estado, a responsabilidade direta do Governador apenas seria possível se demonstrado que teve ciência das irregularidades e concorreu, com ações ou omissões, para que estas não fossem apuradas ou corrigidas, o que não se constata do Processo Administrativo, até o que se pode observar da cópia juntada com a inicial. 24. Tanto assim que a responsabilidade do então Governador, autor da presente demanda, pela devolução dos valores do Convênio, está assentada num único trecho da Nota Técnica n. 01/2014, da TCE n. 50600.013429/2009-29, também reproduzido no Relatório Complementar do referido TCE, assim redigido: "Assim, levando-se em consideração que a responsabilidade de prestar contas é pessoal, tem-se como responsável, à época, o Exmo. Senhor Jarbas de Andrade Vasconcelos , face a duração do convênio perdurar todo o seu mandato, de 01/01/1999 a 31/03/2006, na qualidade de convenente". 25. Assim, pelo menos do que consta da Tomada de Constas Especial n. 50600.013429/2009-29, não há elementos para se responsabilizar diretamente o Chefe do Poder Executivo Estadual pelas irregularidades verificadas. Ademais, ainda que se cogitasse de sua responsabilização pessoal ante o quadro documental reunido no mencionado Processo Administrativo, a quantificação do valor devido pelas irregularidades encontradas, que correspondeu ao valor integral do referido Convênio, apresenta-se inteiramente destituída de razoabilidade. 26. É inegável que ocorreram irregularidades técnicas na execução da obra, como aponta o Tribunal de Constas da União, mas essas falhas, inegavelmente, não a tornaram completamente ineficaz, a ponto de justificar a exigência de devolução de todo o valor do Convênio. 27. Prescrição rejeitada. Apelação provida para julgar procedente o pedido, reconhecendo que não há nos autos da Tomada de Contas Especial relativa ao Convênio n. PG-233/99 justa causa para a responsabilização do Autor desta demanda pelo débito de R$ 473.802.522,78 (quatrocentos e setenta e três milhões, oitocentos e dois mil, quinhentos e vinte e dois reais e setenta e oito centavos). Honorários advocatícios de sucumbência fixados nos percentuais mínimos previstos nas respectivas faixas de valor constantes do art. 85 , § 3º , do CPC , observando, para tanto, as disposições do § 2º do referido artigo, quais sejam, o grau de zelo do profissional, o lugar de prestação do serviço, a natureza e a importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço. pmm/mc