AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2022. PRESIDENTE. USO INDEVIDO DE MEIOS DE COMUNICAÇÃO. ABUSO DE PODER POLÍTICO. ABUSO DE PODER ECONÔMICO. REDES SOCIAIS. PERFIS, CANAIS E SITES, INCLUSIVE MANTIDOS POR PESSOAS JURÍDICAS. PRODUÇÃO E DIFUSÃO MASSIFICADA E VELOZ DE CONTEÚDOS FALSOS. ECOSSISTEMA DE DESINFORMAÇÃO EM BENEFÍCIO DE DETERMINADA CANDIDATURA. REMOÇÃO DE CONTEÚDO. DECISÕES REITERADAS. INSUFICIÊNCIA. MOMENTO CRÍTICO DO PERÍODO ELEITORAL. PRUDENTE MITIGAÇÃO DE DANOS AO PROCESSO ELEITORAL. REQUERIMENTO LIMINAR PARCIALMENTE DEFERIDO. DECISÃO REFERENDADA. 1. Trata–se de ação de investigação judicial eleitoral – AIJE – destinada a apurar a ocorrência de uso indevido dos meios de comunicação, abuso de poder político e abuso de poder econômico, ilícitos supostamente perpetrados em decorrência da utilização de dezenas de perfis em redes sociais, inclusive mantidos por pessoas jurídicas, para, de forma orquestrada, produzir e difundir exponencialmente conteúdos desinformativos com o objetivo de direcionar a opinião político–eleitoral de seus seguidores e influenciar no resultado da disputa presidencial. 2. A AIJE não se presta apenas à punição de condutas abusivas, quando já consumado o dano ao processo eleitoral. Assume também função preventiva, sendo cabível a concessão de tutela inibitória para prevenir ou mitigar danos à legitimidade do pleito. 3. Nesse sentido, prevê o art. 22 , I , b , da LC 64 /90 que, ao receber a petição inicial, cabe ao Corregedor determinar "que se suspenda o ato que deu motivo à representação, quando for relevante o fundamento e do ato impugnado puder resultar a ineficiência da medida, caso seja julgada procedente". 4. O exercício dessa competência deve se pautar pela mínima intervenção, atuando de forma pontual para conter a propagação e amplificação de efeitos potencialmente danosos. A fim de que essa finalidade preventiva possa ser atingida, a análise da gravidade, para a concessão da tutela inibitória, orienta–se pela preservação do equilíbrio da disputa ainda em curso. 5. Esse exame não se confunde com aquele realizado no julgamento de mérito e não antecipa a conclusão final, que deverá avaliar in concreto os efeitos das condutas praticadas, a fim de estabelecer se são graves o suficiente para conduzir à cassação de registro ou diploma e à inelegibilidade. 6. No caso, a petição inicial foi instruída com farta prova documental, composta por links, prints, estatísticas de busca do Google – que indicam possível relação de causalidade entre picos de pesquisa e o disparo massivo de conteúdos falsos e extremamente apelativos – e mapa e tabelas das interações entre os diversos perfis e canais. Foram indicados numerosos exemplos de conteúdos ilícitos derrubados por ordem judicial, mas que seguiram disponibilizados em canais do Telegram. Foi também juntado estudo técnico fruto do monitoramento das redes sociais dos investigados em dois períodos de 2022, um deles de 15/08 a 30/09, abarcando a campanha do primeiro turno. 7. O material apresentado, que confere densidade a fatos públicos e notórios relativos à atuação nas redes de Carlos Bolsonaro e diversos apoiadores do atual Presidente, fornece indícios de uma conduta concertada para a difusão massificada e veloz de desinformação, que tem como principal alvo o candidato Luiz Inácio Lula da Silva. 8. A forte capacidade de mobilização de alguns dos investigados tem sido explorada para gerar uma espécie de resistência estrutural às decisões do TSE que determinam a remoção de notícias falsas. Nesse sentido, foi demonstrado que materiais já reputados ilícitos seguem armazenados em canais de Telegram, para serem acessados a qualquer tempo e novamente compartilhados, criando um ciclo de perpetuação de fake news. 9. Os esquemas de difusão de notícias fabricadas para influir indevidamente no pleito, identificados a partir das Eleições 2018, ganharam mais complexidade, encontraram formas elaboradas de financiamento e, infelizmente, confirmaram o potencial danoso da exposição massificada e vertiginosa das pessoas a conteúdos falsos. A sofisticação da aparência e das táticas de distribuição de notícias inverídicas coloca milhões de pessoas em um estado permanente de alerta, à espera da próxima "grande revelação". São nefastos os efeitos sobre a formação da vontade eleitoral, que depende de um ambiente sadio, onde divergências possam ser apresentadas com respeito aos fatos. 10. Observa–se que a remoção de conteúdos, mesmo quando célere, não tem sido suficiente para conter o avanço da desinformação. Sendo iminente a realização do segundo turno, justifica–se a adoção de providências para mitigar danos ao processo eleitoral. 11. Apesar desse desafiador cenário, vejo a necessidade de ponderar o exercício da liberdade de opinião com a preservação da normalidade eleitoral, para definir medidas que, de forma proporcional, se mostrem indispensáveis e efetivas para inibir a prática de condutas ilícitas. 12. A jurisprudência, salvo em caso de anonimato, tem se guiado no sentido de determinar a remoção de conteúdos específicos, e não de sites, canais ou perfis inteiros (Rel. Min. Maria Cláudia Bucchianeri, referendo de liminar em 13/10/2022). Nessa linha, entendo que, no que diz respeito à rede de interações de pessoas físicas que tem como ponto central o terceiro investigado, deve–se facultar a este, nos mesmos moldes assegurados na AIJE XXXXX–76 (decisão de admissibilidade de 16/10/2022), que se manifeste preliminarmente sobre a utilização de seus perfis e canais, bem como sobre a alegada coordenação do grupo, sem prejuízo da apresentação de defesa. 13. Quanto à atuação de pessoas jurídicas, tem–se elementos suficientes para a adoção de providências imediatas, com duração circunscrita ao período que antecede o segundo turno das eleições. 14. Em fenômeno recente, que escapa à vedação de veiculação de propaganda eleitoral em sítios eletrônicos de pessoas jurídicas (art. 57 –C, § 1º, da Lei 9.504 /97), novas roupagens têm sido escolhidas para conferir maior credibilidade a mensagens de cunho político–eleitoral que, no fundo, se confundem com o discurso de determinado candidato. Para esse fim, a opção por canais com aparência jornalística congrega a facilidade de criar nas redes perfis que permitam a comunicação "um–para–muitos" e a aparência de isenção, que favorece o ganho de prestígio nas redes. 15. Não se trata, no ponto, de jornais que legitimamente ostentam preferências políticas e que naturalmente se inclinam, em sua leitura crítica dos fatos, a uma determinada corrente. O fenômeno referido tem estreita relação com a produção de notícias falsas orientadas a apresentar uma visão ideológica como se fosse uma verdade factual. O empreendimento comercial, nesses casos, fica em segundo plano, tornando–se prioritária a possibilidade de influenciar escolhas políticas e eleitorais dos cidadãos, inclusive por estímulo à radicalização. 16. Na hipótese, não se discute, em abstrato, a possibilidade ou não de serem mantidos sites, canais e perfis que pretendam conferir aparência jornalística a conteúdos ideologicamente orientados. O que se examina, concretamente, é a necessidade de inibir ou mitigar os efeitos anti–isonômicos da movimentação de recursos por quatro provedores de conteúdo, mantidos por pessoas jurídicas, que assumiram comportamento simbiótico em relação à campanha midiática do primeiro investigado. 17. Destaco, nesse sentido, que essas empresas: a) possuem canais no YouTube que contam com milhões de inscritos e são fortemente monetizados; b) já figuraram em ações judiciais ou inquéritos (STF e TSE) destinados a apurar a disseminação de fake news com impacto no processo eleitoral; c) funcionam como produtoras e/ou promotoras de conteúdo consistentemente favorável ao primeiro investigado, composto inclusive por notícias falsas ou gravemente descontextualizadas, que, ao ser distribuído em outras redes sociais de forma massiva contribuíram para o desvirtuamento do debate político, em prejuízo do candidato da coligação autora, conforme demonstram picos de busca do Google; d) reiteradamente utilizam as decisões do TSE determinando a derrubada de conteúdos como combustível para estimular a desconfiança em relação ao sistema de votação; e) recebem recursos financeiros de assinaturas dos canais, de publicidade paga e de investimentos oriundos de pessoas que compartilham a ideologia dos seus proprietários, retroalimentando a estrutura empregada na produção e consumo de conteúdos inverídicos; f) aplicam vultosos recursos em impulsionamento nas redes, potencializando o alcance e a distribuição de notícias e documentários que essencialmente reverberam o discurso eleitoral do candidato que apoiam, influindo diretamente no pleito, em razão do momento eleitoral. 18. Diante desses elementos, é pertinente determinar, até que se realize o segundo turno, a desmonetização dos citados canais, bem como a vedação do impulsionamento de conteúdos político–eleitorais, especialmente envolvendo os candidatos em disputa, seus partidos e apoiadores. 19. Também até o segundo turno, deve–se suspender a exibição do documentário sobre o ataque sofrido pelo primeiro representado em 2018, cuja estreia se encontrava marcada para seis dias antes da eleição. A semana de adiamento não caracteriza censura. Apenas evita que tema reiteradamente explorado pelo candidato em sua campanha receba exponencial alcance, sob a roupagem de documentário que foi objeto de estratégia publicitária custeada com substanciais recursos de pessoa jurídica. 20. Tutela inibitória antecipada parcialmente deferida, para determinar que, até 31/10/2022, sejam suspensas, sob pena de multa: a) a monetização dos quatro canais mantidos por pessoas jurídicas referidas na inicial; b) o impulsionamento de conteúdos político–eleitorais por essas empresas; c) a exibição do documentário indicado. 21. Decisão liminar referendada. 22. Em vista de indícios de descumprimento de decisões de remoção de conteúdo proferidas em representações por propaganda irregular, seja dada ciência do teor da petição inicial aos Ministros e Ministras responsáveis pela matéria, para as providências que entenderem necessárias.