HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. INVASÃO DOMICILIAR EFETUADA POR POLICIAIS MILITARES SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL E SEM CONSENTIMENTO DO MORADOR. DENÚNCIA ANÔNIMA. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. AUTORIZAÇÃO DO PROPRIETÁRIO DO LOTE. "BARRACO" ALUGADO. PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL. NULIDADE DAS PROVAS OBTIDAS NA BUSCA E APREENSÃO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. O Superior Tribunal de Justiça, alinhando-se à nova jurisprudência da Corte Suprema, também passou a restringir as hipóteses de cabimento do habeas corpus, não admitindo que o remédio constitucional seja utilizado em substituição ao recurso ou ação cabível, ressalvadas as situações em que, à vista da flagrante ilegalidade do ato apontado como coator, em prejuízo da liberdade do paciente, seja cogente a concessão, de ofício, da ordem de habeas corpus. ( HC n. 320.818/SP , Relator Ministro FELIX FISCHER, Quinta Turma, julgado em 21/5/2015, DJe 27/5/2015; e STF, HC n. 113.890/SP , Relatora Ministra ROSA WEBER, Primeira Turma, julg. em 3/12/2013, DJ 28/2/2014). 2. O art. 5º , XI , da Constituição Federal de 1988 consagrou o direito fundamental relativo à inviolabilidade domiciliar, ao dispor que: "a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial". 3. Como é de conhecimento, o Supremo Tribunal Federal definiu, em repercussão geral, que o ingresso forçado em domicílio sem mandado judicial apenas se revela legítimo - a qualquer hora do dia, inclusive durante o período noturno - quando amparado em fundadas razões, devidamente justificadas pelas circunstâncias do caso concreto, que indiquem estar ocorrendo, no interior da casa, situação de flagrante delito ( RE 603.616 , Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 5/11/2015, Repercussão Geral - Dje 9/5/1016 Public. 10/5/2016). 4. O Superior Tribunal de Justiça possui pacífica jurisprudência no sentido de que "a denúncia anônima, desacompanhada de outros elementos indicativos da ocorrência de crime, não legitima o ingresso de policiais no domicílio indicado, inexistindo, nessas situações, justa causa para a medida" ( REsp n. 1.871.856/SE , relator Ministro NEFI CORDEIRO, Sexta Turma, julgado em 23/6/2020, DJe de 30/6/2020). 5. No sentido estrito, o conceito em tela comporta as moradias de todo gênero, incluindo as alugadas ou mesmo as sublocadas. O título da posse é, em princípio, irrelevante. Abrange as moradias provisórias, tais como quartos de hotel ou moradias móveis como o trailer ou o barco, a barraca e outros do gênero que sirvam de moradia. Determinante é o reconhecível propósito do possuidor de residir no local, estabelecendo-o como abrigo ("asilo") espacial de sua esfera privada (Comentários à Constituição do Brasil / J. J. Gomes Canotilho...[et al.]; outros autores e coordenadores Ingo Wolfgang Sarlet, Lenio Luiz Streck, Gilmar Ferreira Mendes. - 2. ed. - São Paulo : Saraiva Educação, 2018, p. 305). 6. A jurisprudência dos Tribunais pátrios é assente no sentido de que a autorização do morador da casa é suficiente para validar o ingresso dos policiais na residência. Na hipótese dos autos, é devida a reversão do decisum impugnado, pois, não obstante o consentimento do proprietário do imóvel (lote), a locatária residia em um "barraco" no seu interior, o qual, por conta de sua natureza de moradia, ainda que precária, exige o seu consentimento para a incursão policial, o que não ocorreu. Assim, impõe-se o reconhecimento da ilicitude das provas obtidas por meio da medida invasiva, bem como de todas as que delas decorreram. 7. Assim, a garantia constitucional prevista no artigo 5º , inciso XI , da Constituição Federal , referente ao direito fundamental da inviolabilidade domiciliar, comporta não apenas a residência, mas as moradias de todo gênero, incluindo as alugadas ou mesmo sublocadas. 8. Reconhecida a ilegalidade da entrada da autoridade policial no domicílio da paciente sem prévia autorização judicial, a prova colhida na ocasião, bem como as derivadas, devem ser consideradas ilícitas. 9. Habeas corpus não conhecida. Ordem concedida de ofício para reconhecer a nulidade da prova colhida na busca domiciliar, bem como das provas derivadas, absolvendo a paciente da imputação de tráfico de drogas.