INTERESSADO/APELANTE: ESTADO DE MATO GROSSO INTERESSADO/APELADO: VIRGILIO AUGUSTO DE ARAUJO D E C I S Ã O M O N O C R Á T I C AVistos, etc.Trata-se de Remessa Necessária e Recurso de Apelação interposto pelo Estado de Mato Grosso em face da sentença proferida pelo Juízo da 5ª Vara Especializada da Fazenda Pública da Comarca da Capital, nos autos da Ação de Cobrança movida por Virgilio Augusto de Araújo em desfavor do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso, que, alterou o polo passivo da demanda para constar o Estado de Mato Grosso, excluindo o Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso e julgou procedentes os pedidos veiculados na inicial, condenando o Apelante ao pagamento da quantia de R$ 9.770,00 (nove mil setecentos e setenta reais), acrescido de juros de mora no percentual da caderneta de poupança, desde a citação válida, até o efetivo pagamento e correção monetária pelo IPCA desde a data em que os pagamentos eram devidos até a efetiva quitação, nos termos do art. 1º-F da Lei nº 9.494 /1997, com a redação da Lei nº 11.960 /09.Condenou-o, ainda, no pagamento de honorários advocatícios, fixados em R$ 500,00 (quinhentos reais).Em suas razões recursais (fls. 46/54), o Apelante, aduz em preliminar, a nulidade absoluta da sentença por ausência de citação do Estado de Mato Grosso, sob o argumento de que a ação foi ajuizada contra o Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso, órgão integrante do Estado de Mato Grosso sem personalidade jurídica e a citação foi realizada na pessoa do Presidente do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso e não do Procurador-Geral do Estado, de forma que apenas tomou conhecimento da demanda após a prolação da sentença.No mérito, sustenta que o Apelado não apresentou prova constitutiva de seu direito, consistente na comprovação da celebração do contrato, da realização dos serviços e do inadimplemento, ressaltando que a liquidação da despesa em virtude de fornecimentos ou serviços perante a Administração Pública terá por base os comprovantes da entrega do material ou da prestação efetiva do serviço.Assevera, também, a necessidade de reforma da sentença em relação aos juros e correção monetária, para serem fixados de acordo com a redação do art. 1º-F da Lei nº 9.494 /97, com a redação dada pela Lei nº 11.960 /2009, com a correção monetária pelo IPCA/IBGE até a vigência da lei nº 11.960/2009, em XXXXX-6-2009, a partir de então, incide a Taxa Referencial – TR e os juros de mora no patamar de 0,5% ao mês desde o advento da Lei nº 9.494 /97 e a partir da Lei nº 11.960 /2009 os mesmos estabelecidos para a caderneta de poupança.Por essas razões, pugna pelo provimento do recurso, a fim de anular a sentença, determinando a citação do Apelante para contestar a ação ou, alternativamente, requer a reforma da sentença para que sejam julgados improcedentes os pedidos veiculados na inicial ou para readequar os juros e correção monetária, para serem fixados de acordo com a redação do art. 1º-F da Lei nº 9.494 /97, com a redação dada pela Lei nº 11.960 /2009.Às fls. 55 foi certificada a tempestividade recursal.O Apelado, apesar de devidamente intimado para apresentar contrarrazões, deixou transcorrer in albis o prazo recursal, conforme certidão de fls. 57.O presente feito é isento de preparo, nos termos do art. 1.007 , § 1º , do CPC , conforme certidão de fls. 60.A Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer de fls. 63/64-TJ opinou pelo provimento do apelo, para reconhecer a nulidade absoluta da sentença, por falta de citação do Estado de Mato Grosso.É o que merece registro.Decido.Inicialmente, esclareço que as questões processuais deste recurso serão analisadas à luz do Código de Processo Civil de 1973 , tendo em vista que a decisão recorrida foi proferida antes de 18/3/2016 (fls. 43/45), data em que entrou em vigor o Novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105 /2015).Com efeito, não obstante as normas processuais terem aplicação imediata, as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada também deverão ser respeitadas, observando-se o tempo em que a situação jurídica ativa se consolidou. Se, na vigência da legislação antiga, aplica-se o Código de Processo Civil de 1973 , se, no regime da Lei nº 13.105 /2015, aplicar-se-á o novo CPC .Desse modo, a imediata aplicação da norma processual civil não se sobrepõe à regra constitucional que veda a retroatividade da lei, ou seja, não deve ir de encontro ao ato jurídico perfeito e ao direito adquirido.Destaco, ainda, que a destinação desta instância recursal é justamente analisar o acerto ou desacerto do Magistrado de Primeira Instância, se este agiu de acordo ou não com a legislação de regência (princípio do tempus regit actum), sendo sobre tal égide o julgamento do recurso.Pois bem.Conheço do recurso, porquanto preenchido os pressupostos de admissibilidade e, com fundamento no art. 557 , § 1º-A, do CPC (1973), efetuo o julgamento de forma monocrática, observando a orientação jurisprudencial acerca da matéria posta em discussão.Conforme relatado, o Apelante, arguiu em preliminar, a nulidade da citação, sob o fundamento de que a ação foi ajuizada contra o Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso, órgão integrante do Estado de Mato Grosso sem personalidade jurídica e a citação foi realizada na pessoa do Presidente do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso e não do Procurador-Geral do Estado, de forma que apenas tomou conhecimento da demanda após a prolação da sentença.Compulsando os autos, observa-se da certidão de fls. 25/27, que, de fato, a citação foi realizada na pessoa da Procuradora Consultiva do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso, cuja contestação foi apresentada em nome do referido órgão, suscitando a ilegitimidade de parte, por não possuir personalidade jurídica.Por outro lado, observa-se da sentença, que o Magistrado Singular com base no princípio da celeridade e da economia processual, alterou, de ofício, o polo passivo da demanda, afastando o Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso, para constar tão somente o Estado de Mato Grosso, todavia, além de não ter facultado à parte autora a possibilidade de emenda à inicial para a alteração do polo passivo, não promoveu a citação do Estado de Mato Grosso, terceiro alheio à lide, já que a ação foi proposta tão somente em face do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso.Cumpre destacar que, nos termos do art. 128 do CPC /1973, o juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões, não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte.Nesse aspecto, em que pese o entendimento adotado pelo Magistrado Singular, entendo não ser possível modificar-se o polo passivo da relação processual de ofício, sob pena de ofensa ao princípio da demanda, previsto no artigo 2ºdo Código de Processo Civil .Com efeito, no processo o Magistrado apenas pode decidir o litígio nos limites em que ela foi proposta, consoante o que dispõe o mencionado artigo 128 do Código de Processo Civil , porquanto é da parte demandante, na ocasião da propositura da ação, a prerrogativa de escolher contra quem vai demandar, sendo defeso ao juiz modificar o polo passivo do processo unilateralmente. A jurisprudência pátria trilha o mesmo norte:APELAÇÃO CÍVEL. PROCESSUAL CIVIL. NULIDADE DA SENTENÇA. APRECIAÇÃO DE CAUSA DE PEDIR DIVERSA DAQUELA FORMULADA NA INICIAL. INCLUSÃO, DE OFÍCIO PELO JUÍZO, DE PARTE NO POLO PASSIVO. IMPOSSIBILIDADE. INOBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA DEMANDA. DECISÃO EXTRA PETITA. É extra petita a sentença que aprecia pedido e causa de pedir diversos do formulado na inicial e contra parte não arrolada no polo passivo. É defeso ao magistrado alterar a relação processual, incluindo e/ou substituindo, de ofício, o sujeito passivo qualificado na petição inicial, em observância ao princípio da demanda. (TJRS – 70046306528 RS , Relator: Tasso Caubi Soares Delabary, Data de Julgamento: 29-2-2012, Nona Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia XXXXX-3-2012). [Destaquei]PROCESSUAL CIVIL - SENTENÇA NULA: ALTERAÇÃO DE OFÍCIO DO PÓLO PASSIVO E EXTRAPOLAMENTO DO PEDIDO. 1 - Nula a sentença que, desconsiderando o pedido inicial, o extrapola e que, de ofício, altera a posição processual das partes, alterando por complemento a estabilização objetiva e subjetiva da lide. 2 - Remessa oficial provida: sentença anulada. 3 - Apelação: prejudicada. (TRF-1 - AC: 9971 PA XXXXX-4, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL LUCIANO TOLENTINO AMARAL, Data de Julgamento: 2/2/2010, SÉTIMA TURMA, Data de Publicação: 12/2/2010 e-DJF1 p.121). [Destaquei]No mesmo sentido é o entendimento adotado por este Sodalício:APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - PRELIMINAR - DE OFÍCIO - NULIDADE DA SENTENÇA - AUSÊNCIA DE PRESSUPOSTO DE DESENVOLVIMENTO VÁLIDO E REGULAR DO PROCESSO - AUSÊNCIA DE CITAÇÃO VÁLIDA - NULIDADE DA SENTENÇA - DEVOLUÇÃO À ORIGEM PARA PROMOVER A CITAÇÃO - SENTENÇA ANULADA DE OFÍCIO - RECURSO PREJUDICADO. A nulidade da citação é matéria de ordem pública, pois que repercute em nulidade absoluta. Logo, pode ser reconhecida de ofício. Uma vez reconhecida a nulidade da citação, hão de ser nulos todos os atos processuais a partir desta, para que o Juízo a quo promova a citação válida da parte ré, em obediência ao devido processo legal, garantindo a ampla defesa. Fica prejudicado o recurso interposto contra sentença anulada. (TJMT – RAC nº 105599/2014 – Relator: Des. José Zuquim Nogueira – Órgão Julgador: Quarta Câmara Cível – Data do Julgamento: 3-11-2015).O Juiz Singular poderia determinar a emenda à inicial, de acordo com o que preceitua o art. 284 do CPC/1973 , todavia não o fez, apenas alterou, de ofício, o polo passivo da demanda, sem ao menos ter determinado a sua citação.É cediço que a ausência de citação é causa de nulidade processual absoluta, eis que afronta o devido processo legal, por se tratar de pressuposto para a validade do processo.A doutrina esclarece que (...) Há possibilidade de o demandado, prejudicado, opor embargos à execução, ou mesmo ingressar com novel processo para declaração de ineficácia da sentença ainda que decorrido o prazo para a propositura de ação rescisória – daí falar-se em caso de “vícios transrescisórios”, na circunstância de processo que corre à revelia do demandado por defeito na citação do réu. (TESHEINER, José Maria. Pressupostos processuais e nulidades no processo civil. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 284/285). [Destaquei]In casu, além de o Juiz Singular não ter possibilitado a emenda à inicial para a alteração do polo passivo, bem como o Estado de Mato Grosso não ter sido citado, a sentença afeta diretamente seus interesses, na medida em que foram julgados procedentes os pedidos postos na inicial, condenando-o ao pagamento da quantia de R$ 9.770,00 (nove mil setecentos e setenta reais), acrescido de juros de mora no percentual da caderneta de poupança, desde a citação válida, até o efetivo pagamento e correção monetária pelo IPCA desde a data em que os pagamentos eram devidos até a efetiva quitação, nos termos do art. 1º-F da Lei nº 9.494 /1997, com a redação da Lei nº 11.960 /09.Ademais, conforme bem destacado pela douta Procuradoria-Geral de Justiça, alterar o endereçamento dado à demanda na finalidade de consertá-lo é medida que a lei processual não aceita nem à conta do mais relevante dos princípios que regem a prestação jurisdicional. Trata-se de propósito juridicamente impossível, pois a falta de citação impossível, pois a falta de citação impede a constituição da relação processual. Ou seja, contra o Apelante, não há processo em curso. Nula, portanto, a sentença que o condenou a pagar o Apelado.Ante o exposto, com fundamento nos arts. 557 , § 1º - A, do CPC (1973) e 51, VII, do RITJ/MT, dou provimento ao recurso de apelação, para anular a sentença recorrida, extinguindo o processo sem resolução do mérito, ante o reconhecimento da ilegitimidade passiva do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso e a ausência de inclusão/citação do Estado de Mato Grosso para compor o polo passivo da demanda.Transcorrido in albis o prazo recursal, certifique-se o trânsito em julgado e, em seguida, baixem os autos à comarca de origem, com as cautelas de praxe.P. I. C.Cuiabá, 8 de junho de 2018.Desa. Helena Maria Bezerra Ramos Relatora (Apelação / Remessa Necessária 89041/2016, DESA. HELENA MARIA BEZERRA RAMOS, PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO, Julgado em 12/06/2018, Publicado no DJE 14/06/2018)