APELAÇÃO . ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA ARMADA E COM PARTICIPAÇÃO DE MENORES E DELITO DE TRÁFICO DE ENTORPECENTES. RECURSOS DAS DEFESAS. PRELIMINARES DE INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO, NULIDADE DA INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA E INÉPCIA DA INICIAL. NO MÉRITO , PRETENDEM A ABSOLVIÇÃO. DESCLASSIFICAÇÃO DO CRIME DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA PARA A CONDUTA TIPIFICADA NO ARTIGO 288 DO CÓDIGO PENAL . RECONHECIMENTO DO TRÁFICO PRIVILEGIADO, REVISÃO DA DOSIMETRIA E ABRANDAMENTO DO REGIME PRISIONAL. Da incompetência do Juízo - Com efeito, ainda que os indícios de materialidade e autoria das condutas imputadas aos réus nesta ação criminal tenham chegado ao conhecimento da autoridade policial no bojo da investigação do delito de homicídio, configurando o encontro fortuito de provas, não se aplica, na hipótese em exame, as regras do artigo 76 do Código de Processo Penal . Deveras, o compartilhamento de provas na fase inquisitorial não caracteriza, necessariamente, a conexão instrumental. Não se pode olvidar que o legislador, ao definir as regras de competência em face da conexão, objetivava a reunião de delitos que possuam nexo fático e vínculo probatório, permitindo ao julgador uma melhor análise do conjunto fático-probatório. No caso em testilha, das interceptações telefônicas, devidamente autorizadas para apuração do delito de homicídio, descortinou-se um complexo esquema delituoso, com a imputação de diversas condutas típicas a inúmeros réus, não se fazendo presente as hipóteses descritas nos incisos I a III do artigo 76 , do CPP . Outrossim, a união das persecuções penais afigura-se contraproducente, confrontando-se com os princípios da eficiência e da celeridade. Isto posto, rejeita-se a preliminar aduzida. Da interceptação telefônica ¿ Como dito alhures, as provas das condutas criminosas descritas na inicial acusatória tornaram-se conhecidas da autoridade policial durante o monitoramento de interceptação telefônica, legalmente autorizada para complementar as investigações de crime de homicídio. Sopesada a extrema dificuldade de se obter as provas necessárias à deflagração da ação penal e oferecimento das representações, mediante outros meios processuais, representou a autoridade policial pela prorrogação do monitoramento e sua extensão a outros ramais telefônicos, medidas devidamente autorizadas. Impõe ressaltar que ao se reconhecer não tratar-se a hipótese de conexão, não se retira a validade das provas obtidas através da interceptação telefônica, inicialmente, autorizada para investigar o delito de homicídio. Como cediço, admite-se como meio de prova aquelas colhidas acidentalmente durante o monitoramento de interceptação telefônica, devidamente autorizada, mesmo que não haja conexão entre o fato novo e a conduta original. Logo, ao inverso do sustentado pela defesa, não há de se falar em violação ao disposto no artigo 2 º , da Lei 9 . 296 / 96 . Igualmente, não se verifica afronta ao disposto nos artigos 5º , da Lei da Interceptacao Telefônica e 93 , IX, da Constituição da Republica , eis que as decisões que deferiram as interceptações telefônicas, assim como as que autorizam as prorrogações, restaram devidamente fundamentadas, utilizando-se o Magistrado da técnica da fundamentação per relationem, cuja validade é devidamente reconhecida pelos tribunais pátrios. No que tange à arguida nulidade das interceptações telefônicas, sob o argumento de excesso de prazo na sua duração, impõe afirmar que a Excelsa Corte possui firme entendimento no sentido de que as interceptações telefônicas podem ser prorrogadas, desde que devidamente fundamentadas pelo juízo competente quanto à necessidade para o prosseguimento das investigações, o que se denota no caso em exame. Da mesma forma, não pode ser acolhida a tese de nulidade das interceptações telefônicas por ausência de identificação do interlocutor. Consoante entendimento consolidado dos nossos Tribunais Superiores torna-se dispensável a perícia para identificação das vozes captadas nas escutas telefônicas, em razão da ausência de previsão legal, bem como quando tal aferição puder ser suprida por outros meios de prova. Demais disso, é induvidoso a identificação de todos os acusados nas conversas telefônicas, seja como interlocutor ou em razão de citação de seus nomes, sendo a veracidade da referida prova confirmada, em Juízo, pelos agentes da lei . Destarte, verifica-se a validade das interceptações, inexistindo violação a ordem constitucional ou legal, razão pela qual rejeita-se as preliminares referentes ao tema. Da inépcia da denúncia - Os requisitos legais foram integralmente preenchidos na denúncia oferecida pelo Ministério Público, na medida em que as circunstâncias dos delitos foram adequadamente expostas, com a descrição do local dos fatos e das pessoas dos réus, além do meio de execução, classificação e tempo dos crimes , o que demonstra que os apelantes podem exercer o direito à ampla defesa e ao contraditório, assegurados no artigo 5º , LV, da Carta Política . Na hipótese em testilha, não há que se falar em descumprimento dos requisitos contidos no artigo 41 do Código de Processo Penal . Rejeição da preliminar, eis que a peça inicial acusatória não se afigura inepta. Da organização criminosa - As provas dos autos, tais como os depoimentos prestados sob o crivo do contraditório, bem como o teor das interceptações telefônicas, demonstram, de forma inequívoca, que as condutas dos apelantes se adéquam àquela prevista no artigo 2º , §§ 2º e 4º , I, da Lei 12 . 850/ 13 , na medida em que integravam, pessoalmente, uma organização criminosa, armada e com a participação de menores, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a mercancia de entorpecentes, praticando delitos da lei de armas , homicídio, delitos patrimoniais e corrupção ativa, dentre outros. Verifica-se do caderno probatório a existência de organização criminosa devidamente estruturada, com funções hierárquicas bem definidas, circunstância que suplanta a figura típica descrita no artigo 288 do Código Penal . Em depoimento prestado em juízo, os policiais civis relataram minúcias sobre a investigação, indicando a função exercida por cada acusado na estrutura da organização, a qual se encontra em atuação na Comarca de Campos dos Goytacazes há mais de 3 0 anos. Colheram-se, também, depoimentos de policiais militares que atuavam na localidade, realizando a apreensão de drogas e armas, além da prisão de alguns dos denunciados. Com relação aos testemunhos dos agentes da lei , desnecessário afirmar sua evidente validade, uma vez que os atos dos agentes públicos possuem presunção de legalidade e legitimidade. Inteligência da Súmula 7 0 deste e. Tribunal de Justiça. Neste aspecto, vale ressaltar que os Tribunais Superiores possuem entendimento segundo o qual os depoimentos dos policiais, quando em conformidade com as demais provas dos autos, são elementos idôneos a subsidiarem a formação da convicção do julgador, hipótese vislumbrada no caso em comento. Demais disso, no caso em exame, a prova oral não se limitou aos relatos dos agentes públicos, consta o depoimento de ex-moradora da localidade, cujo teor corrobora as declarações dos policiais, e das transcrições das conversas telefônicas interceptadas. Encerrada a instrução criminal, restou sobejamente comprovado que os recorrentes integravam célula do ¿Terceiro Comando Puro¿, em atuação na cidade de Campos dos Goytacazes , sob o comando de Luiz André Ribeiro Fiuza , vulgo ¿ Brahma¿ , que exercia sua liderança da prisão através de seu filho Maycon Fiuza . Denota-se do caderno probatório que os apelantes compunham a subcélula com atividade nas comunidades de Tira Gosto e Guarus, cuja administração era desempenhada por Luis Claudio , ¿Boquinha¿, o qual contava com o apoio direto de seu filho Rafael de Oliveira Santos , primeiro apelante, que a exemplo de seu irmão Douglas foi cooptado para as atividades ilícitas quando ainda era menor de idade. Além de seus filhos, Luis Claudio contava com a participação de seu irmão Cloude da Silva Santos, segundo apelante, responsável pela operação das atividades no Parque Guarus, em especial nas ¿bocas de fumo¿ do bairro onde residia. A respeito do apelante Marcos André , vulgo Marcola, terceiro recorrente , das provas colacionadas aos autos conclui-se ser um dos responsáveis pela venda de drogas. No curso do monitoramento, foram captadas conversas do acusado com ¿Boquinha¿, em que juntamente com Maike, quarto apelante, falam da qualidade da cocaína e sobre quem estava na ¿atividade¿. No que se refere ao quinto apelante, Jonas, as testemunhas de acusação o apontaram como gerente do ponto da Rua da Vala, na Comunidade de Guarus. Afere-se do conjunto probatório que o sexto recorrente Claudio Patrick , vulgo Shakila, era o responsável pela endolação e abastecimento das drogas. Através do monitoramento foi possível constatar que a organização criminosa prestava assistência financeira a integrantes presos, concedendo-lhes o benefício nomeado de ¿bolsa-facção¿, consistente em um salário semanal. Eram agraciados com o benefício os membros que já estivessem na organização há certo tempo e que mesmo com a prisão mantinham-se fiéis, permanecendo em silêncio quanto ao atuar da súcia. Na subcélula, em exame, cabia ao denunciado Douglas Garcia Ferreira , o ¿Estrela¿, o sétimo recorrente , além da guarda de valores movimentados pelo grupo em razão da mercancia de entorpecentes e armas, separar os valores que seriam repassados ao integrantes presos, dentre eles os acusados Ralfe da Silva Barreto , Pablo Nascimento de Souza, José Amaro de Souza Nogueira , Jonathan Pereira , Carlos Magno de Carvalho , Isaias Silva de Jesus e Edmilton Silva (oitavo ao décimo quarto recorrentes ). Os apelantes Marcelo e Matheus (décimo quinto e décimo sexto), além de serem depositários dos valores recebidos pela organização, guardavam e negociavam armas, como se infere da interceptação de uma conversa em que um dos irmãos trata com Rafael , primeiro apelante, sobre a venda de uma arma a terceiro não identificado. Verifica-se que a sentença a quo é irretocável no tocante a demonstrar o vínculo associativo e a individualizar as funções dos acusados no mecanismo da organização criminosa. Logo, diante do irrefutável conjunto fático-probatório coligido ao longo da instrução criminal, correto se mostra o juízo de reprovação, o que torna, pois, impossível a absolvição dos recorrentes . Do crime do artigo 33 da Lei 11 . 343 /0 6 - No que concerne ao delito de tráfico de entorpecentes deve ser afastada a alegação de ausência de materialidade. Em que pese não tenha sido apreendido material entorpecente na posse direta de nenhum dos acusados, as provas colacionadas aos autos demonstram, de forma inequívoca, a materialidade delitiva. Com efeito, para a comprovação da materialidade do crime de tráfico de entorpecente mostra-se desnecessário que o agente seja apreendido em ato de mercancia ou na posse direta do entorpecente, na medida em que o que se afigura imprescindível é a existência de provas nos autos a demonstrar ter ele praticado quaisquer uma das 18 (dezoito) condutas previstas pelo artigo 33 da Lei de Drogas . A experiência demonstra que, em se tratando de comercialização de entorpecentes por associações ou organizações bem estruturadas, como no caso em comento, é raro a flagrância de material entorpecente com aqueles membros que exercem funções de relevância. Diante de tal quadro, a jurisprudência vem admitindo a demonstração da materialidade por outros meios de prova, tornando-se dispensável a comprovação da posse direta da substância ilícita. Na hipótese em testilha, denota-se da prova oral acusatória, juntamente com o conteúdo das conversas telefônicas interceptadas, que os acusados Rafael , Cloude, Marcos André , Maike, Jonas e Claudio Patrick , praticaram, por diversas vezes, algumas das condutas descritas no artigo 33 da Lei de Drogas , em relação ao vasto material entorpecente apreendido durante as investigações. Destarte, torna-se inviável o acolhimento do pleito absolutório com relação aos recorrentes citados. Entendeu o douto sentenciante não ter restado devidamente comprovado a prática pelos acusados Ralfe, Pablo, José Amaro, Jonathan , Carlos Magno , Isaías e Edmilton do delito previsto no artigo 33 da Lei de Drogas , no período delimitado na inicial acusatória. As provas colacionadas aos autos indicam que os citados réus, apesar de presos à época, continuavam a integrar a organização, percebendo em contrapartida a bolsa-facção. O mesmo raciocínio deve ser estendido aos acusados Douglas, Marcelo e Matheus , eis que do atento exame das provas coligidas ao caderno processual, estes eram responsáveis pela parte financeira, recebimento, guarda e repasse de valores provenientes da mercancia ilícita de drogas e de armas. No entanto, não se verifica da prova oral, assim como das degravações das interceptações telefônicas, a prática pelos mencionados recorrentes de alguns dos 18 verbos-nucleares que integram o tipo penal inserto no artigo 33 da Lei 11 . 343 /0 6 . Não obstante conste do caderno probatório a informação de que Douglas já atuara como vapor, o exercício desta atividade se deu anteriormente ao período de tempo estabelecido pela peça incoativa. Destarte, impõe-se a absolvição dos réus Douglas, Marcelo e Matheus da imputação de prática do delito de tráfico de entorpecente. Outrossim, rechaça-se a aplicação da causa de diminuição de pena prevista no artigo 33 , § 4º , da Lei nº 11.343 / 2 00 6 , quando caracterizado que o envolvimento do agente com o tráfico não era eventual, o que é corroborado, inclusive, por sua própria condenação nas penas do delito de organização criminosa. No caso em análise, as circunstâncias dos autos evidenciam que os recorrentes não são traficantes eventuais e, portanto, não fazem jus à redução de pena. Dosimetria - Cumpre ressaltar que a elevação da sanção inicial do crime de tráfico de entorpecentes, considerando a quantidade e variedade do material apreendido, no curso da investigação, mostra-se adequada. Como cediço, as penas basilares dos crimes previstos na Lei 11 . 343 /0 6 , devem sopesar as circunstâncias judiciais dispostas no artigo 59 do Código Penal em conjunto com os ditames do artigo 42 da lei especial. Logo, o aumento de 1 / 6 (um sexto) das sanções de piso do crime do artigo 33 da Lei 11 . 343 /0 6 , deve ser mantido, ressaltando-se que este Colegiado atribui o incremento aos termos do artigo 42 do citado diploma legal e não como valoração negativa da culpabilidade, como fez o douto sentenciante. No que concerne ao crime de organização criminosa, a reprimenda merece ser revista para fazer incidir a regra do artigo 68 do Código Penal , afastando-se, por conseguinte, a cumulação das causas de aumento. Desta forma, apesar do juízo a quo ter agido com acerto ao reconhecer a presença das duas majorantes, deve incidir, somente, o aumento mais gravoso previsto no inciso I, do § 4 º , do artigo 2 º , Lei 12 . 85 0/ 2 0 13 , aplicando-se, na hipótese, a fração máxima de 2 / 3 (dois terços). Impõe ressaltar que a alteração de fator do aumento por este Colegiado, em recurso exclusivo da defesa, não viola o princípio do non reformatio in pejus, desde que, ao final, a sanção resultante não seja superior a aplicada na sentença . Assim, as sanções impingidas aos acusados Rafael , Marcos André , Maike, Claudio Patrick, Jonas , Ralfe e Carlos Magno , sofrem alteração para correção da fração de aumento incidente na terceira fase do cálculo da pena do crime de organização criminosa. No que concerne aos acusados Marcelo , Matheus e Douglas, além do ajuste supramecionado, afasta-se as penas impostas por violação ao crime de tráfico de entorpecentes. A dosimetria do acusado Cloude merece reparo, também, no que se refere à pena-base do crime de trafico de entorpecentes, pois, ao valorar duas circunstâncias negativas o sentenciante acresceu a pena em 1 / 3 , fração que, no entender deste Colegiado, afigura-se elevada, e a fim de atender os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade aumenta-se a sanção de piso em 1 / 5 (um quinto). Procede-se a correção das sanções aplicadas aos réus Jonathan , Pablo e José Amaro para afastar, a título de maus antecedentes, para os dois primeiros, e de fator de reincidência, para o terceiro, as anotações cujos resultados foram inseridos em suas Folhas de Antecedentes Criminais sem identificação da pessoa que efetuou o lançamento. Outrossim, ajusta-se as sanções dos acusados Edmilton e Isaias, adotando-se a fração de 1 / 5 (um quinto) para exasperar as reprimendas em razão da dupla reincidência dos agentes, eis que excessivo o aumento em 1 / 3 (um terço), como realizado pelo sentenciante. Inviável a aplicação de penas substitutivas, seja por não preenchimento do requisito objetivo, seja por não serem suficientes para o alcance da finalidade da reprimenda, nos termos do artigo 44 I e III, do Código Penal . Do regime prisional ¿ Reputa-se adequada a imposição do regime prisional fechado para o cumprimento das sanções por todos os apelantes, diante das circunstâncias do caso em concreto, que demonstram que a reprimenda só alcançará seus objetivos, de repreensão, prevenção e ressocialização se aplicado o regime mais gravoso. Mantêm-se a prisão domiciliar para o acusado Cloude, em razão das suas condições de saúde, eis que não há notícia de alteração fática a demonstrar a possibilidade e/ou necessidade de retorno do recorrente ao cárcere. Prequestionamento - Desnecessária qualquer manifestação pormenorizada do Colegiado, posto que toda matéria versada foi, implícita ou explicitamente, considerada na solução da controvérsia. Ademais, a jurisprudência das Cortes Superiores é assente, no sentido de que adotada uma diretriz decisória, reputam-se repelidas todas as argumentações jurídicas em contrário. Rejeita-se as preliminares e, no mérito , dá-se parcial provimento aos apelos.